Atraso no fornecimento atinge até países ricos

Guerra por vacinas tensiona Reino Unido e União Europeia. Farmacêuticas vendem mais doses do que conseguem produzir. Dez países concentram 75% das doses já distribuídas

Foto: Michael Gauda
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A vacina de Oxford/AstraZeneca deve ser aprovada para uso emergencial pela União Europeia amanhã. Mas, como já dissemos por aqui, a AstraZeneca anunciou recentemente que vai atrasar a entrega das doses encomendadas com antecedência pelo bloco: em vez de entregar 80 milhões até o fim de março, serão só 31 milhões.

Junto com o atraso da chegada das doses da Pfizer, também anunciado recentemente, a notícia caiu como uma bomba – e, um mês após a consolidação do Brexit, fez crescer a tensão entre a União Europeia e o Reino Unido. Isso porque a justificativa da farmacêutica para o atraso é a de que houve problemas na produção, mas o abastecimento continua ocorrendo normalmente no Reio Unido. “A União Europeia quer saber exatamente quais doses foram produzidas pela AstraZeneca e onde exatamente até agora, e se, ou para quem, foram entregues“, escreveu duramente Stella Kyriakides, Comissária Europeia para a Saúde e Segurança Alimentar, em um comunicado.

As explicações da AstraZeneca para essa diferença não têm sido muito satisfatórias. Numa longa e polêmica entrevista ao jornal italiano La Repubblica, o CEO Pascal Soriot chegou a dizer que que “há muitas emoções em jogo neste processo”; segundo ele, o acordo com o Reino Unido é baseado em fábricas localizadas nesse país, enquanto as falhas foram identificadas em instalações na Bélgica. Ele diz ainda que o contrato com o Reino Unido foi assinado primeiro (três meses antes), então deu tempo de corrigir as falhas que surgiram por lá. Enquanto isso, o acordo com a Comissão Europeia não envolveria um “compromisso contratual”, mas de “entrega de melhor esforço”: “Basicamente, dissemos que vamos dar o nosso melhor, mas não podemos garantir que teremos sucesso“. Kyriakides retrucou:  “Rejeitamos a lógica do primeiro que chega é o primeiro que se serve. Isso pode funcionar nos açougues da vizinhança, mas não nos contratos. E não em nossos contratos de compra antecipada”.

Reflexos para os outros

Com a indefinição, agora a União Europeia exige que a AstraZeneca comece a lhe fornecer também as doses fabricadas no Reino Unido. Além disso, anunciou na terça-feira que pretende controlar a exportação de vacinas para fora da UE, o que pode atingir outros países e, muito diretamente, o Reino Unido: suas doses da Pfizer vêm da Bélgica. Ontem Kyriakides se reuniu com Soriot, mas seguiu reclamando da falta de clareza quanto a um cronograma.

O que isso pode significar para a distribuição de vacinas ao Brasil? A AstraZeneca dividiu sua produção em várias fábricas distribuídas pelo mundo. Ao menos por enquanto, as instalações europeias não apareceram da nossa cadeia de distribuição. As doses que recebemos prontas foram produzidas na Índia (além das 2 milhões já recebidas, outras estão em negociação) e as primeiras unidades do Ingrediente Farmacêutico Ativo virão da China. Mas a matéria do Valor sugere atenção: “A vacina da AstraZeneca/Oxford é a que mais tem contratos de venda. Na semana passada, tinha acordos com 43 países, uma parte deles com nações em desenvolvimento, atraídas pela eficácia e pelo preço menor da vacina comparado a outras. Mas a conta efetivamente não fecha: os acordos envolvem volumes bem maiores de doses do que a capacidade atual de produção da companhia“.  

Se países ricos – que encomendaram antecipadamente a maior parte das vacinas disponibilizadas pelos fabricantes – estão suando a camisa para fazer cumprir os contratos, dá para prever que as economias periféricas vão ficar ainda mais para trás. Essa é uma questão que temos levantado aqui há muito tempo e que não envolve só a AstraZeneca. Até agora as vacinas só chegaram a cerca de 50 países, a maioria de alta renda, e 75% das doses se concentram em apenas dez nações

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