Prevent e Guedes pegos na lambança dos paraísos fiscais

Além do ministro-chave de Bolsonaro, e do plano de Saúde que agiu em cumplicidade com o governo, também o presidente do Banco Central está envolvido. E mais: Fiocruz vê possibilidade de o Brasil vencer a pandemia em alguns meses

Paulo Guedes, ministro da Fazenda, e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
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PARAÍSOS DO CAPITAL
É notícia no mundo todo: o Pandora Papers, projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), com sede em Washington, Estados Unidos, obteve documentos vazados e, em um esforço envolvendo mais de 600 profissionais e 150 organizações jornalísticas em 117 países, investigou proprietários de offshores em paraísos fiscais. Os resultados começaram a ser divulgados por vários veículos nacionais e internacionais.
 
A primeira notícia, que atinge em cheio o bolsonarismo, envolve as duas principais figuras – e mais poderosas, como destaca o El País – do setor econômico brasileiro. Os documentos mostram que Paulo Guedes, ministro da Economia, e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, criaram empresas em paraísos fiscais e nunca divulgaram isso, apesar do evidente conflito de interesses envolvido na operação. A alta do dólar no Brasil, por exemplo, fez com que o investimento inicial de Guedes em 2014, de pelo menos oito milhões de dólares, resultasse em um lucro de cerca de R$ 28 milhões. O ministro é acionista de uma empresa chamada Dreadnoughts International Group, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas.Ela opera como uma shelf company, ou seja: um empreendimento criado em paraíso fiscal sem função definida, que pode ficar anos sem atuar em lugar algum, até que alguém os compre para alguma função específica. 
 
E, para variar… tem dedo da Prevent Senior aí também. A empresa investigada pela CPI da Covid, que está sob os holofotes desde as graves denúncias organizadas em dossiê de ex-funcionários, está na lista: os donos da operadora têm US$ 9 milhões em paraísos fiscais. Além da Prevent, aparecem MRV Engenharia, Grendene e Riachuelo, entre outras, totalizando 20 companhias. Segundo a apuração, os objetivos vão desde comprar imóveis e iates até pagar menos impostos, além de proteger suas fortunas contra crises políticas e econômicas do Brasil.
PASSAPORTE ESTRATÉGICO
Com base nos últimos registros de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e na expansão da vacinação, pesquisadores da Fiocruz começam a ver “fortes motivos para se acreditar no fim da pandemia até os primeiros meses de 2022”. As palavras animadoras são do último Boletim do Observatório Covid-19, mas vêm seguidas de uma ressalva: não estamos falando da eliminação do coronavírus, e sim da convivência com ele, com a covid-19 se mantendo de forma endêmica e podendo gerar surtos localizados. Medidas como o uso de máscaras em locais fechados podem continuar necessárias por algum tempo.

Para chegar a esse tempo de quase normalidade, é preciso continuar expandindo a vacinação. E, apesar de a aceitação dos imunizantes pelo público brasileiro ser muito alta, os autores acreditam que o chamado “passaporte” de vacinas seja uma estratégia central para reduzir (mesmo sem impedir totalmente) a transmissão em locais fechados e com muitas pessoas. Pelo menos 249 municípios já aplicam o passaporte, embora sua definição ainda seja um tanto incerta. Na capital de São Paulo, por exemplo, a comprovação da vacinação é necessária apenas para eventos como shows, feiras e congressos; já no Rio, é exigida também em espaços onde se realizam atividades cotidianas, como academias, clubes e cinemas.

Segundo o boletim da Fiocruz, seria preciso elaborar diretrizes nacionais para ampliar o processo. É… o maior desafio, nesse caso, é conseguir o ‘ok’ do presidente da República, que na sexta-feira voltou a rechaçar essa possibilidade. 
EXCLUSÕES SEM SENTIDO
O passaporte pode servir como um bom incentivo para a vacinação – em especial para quem não é necessariamente antivacina, mas não tem pressa ou não se importa muito em receber o imunizante. Porém, não dá para deixar que a medida exclua pessoas totalmente vacinadas, e em alguns casos isso está acontecendo.

O Ministério da Saúde não fornece o certificado do aplicativo Conecte SUS para quem tomou a primeira dose da vacina da AstraZeneca e a segunda da Pfizer. Isso é inexplicável, já que a combinação está prevista em norma técnica da própria pasta.

E quem participou dos ensaios clínicos das vacinas, portanto já está com o esquema completo há muito tempo, também tem encontrado dificuldade para conseguir o comprovante oficial, porque os lotes utilizados não estão sendo reconhecidos pelo sistema. O Ministério prometeu resolver esse último problema agora, no começo de outubro, mas não deu nenhum prazo para solucionar o rolo com a vacinação mista.
 
AGORA, COM NÚMEROS
A Merck divulgou na sexta-feira mais detalhes sobre o desempenho do seu antiviral contra o SARS-CoV-2, o molnupiravir (comentamos aqui as primeiras declarações da empresa nesse sentido, na semana passada). Os números são bons demais: a pílula reduz pela metade o risco de hospitalização e morte quando administrada logo no início da infecção. Aliás, vale ressaltar a importância da ampla oferta de testes de antígeno para que o diagnóstico seja obtido o quanto antes, a tempo de aproveitar ao máximo esse benefício.

O dado da farmacêutica leva em conta um estudo com 775 pacientes divididos em dois grupos. Entre os que receberam o molnupiravir, 7,3% foram hospitalizados, enquanto o percentual foi de 14,1% no grupo placebo. Ninguém que tomou a droga morreu, contra oito pacientes que receberam placebo. Os dados ainda não foram revisados por pares, mas foram muito bem recebidos por especialistas. “É uma das principais notícias do ano. Molnupiravir é, sem dúvida, uma virada de jogo”, disse Oriol Mitjà, do Germans Trias i Pujol University Hospital, à Science.

Como prevíamos, o custo é, em princípio, inaceitável para um remédio tão relevante. O governo dos EUA, que  já encomendou 1,7 milhão de doses, vai pagar US$ 700 por cada tratamento de cinco dias. Mas a Merck disse que vai fazer acordos com fabricantes de medicamentos genéricos para acelerar a disponibilidade em países de baixa e média renda. “Estamos empenhados em garantir que haja acesso a essa droga”, declarou à imprensa Daria Hazuda, vice-presidente da farmacêutica. Tomara.
NÃO PODE SER UM ENTRAVE
Pela primeira vez, um comitê da OMS recomendou que a entidade forme um grupo de trabalho para enfrentar os altos preços de certos remédios. Esse é um problema que vai muito além da covid-19. A OMS tem uma lista de medicamentos considerados essenciais, que é atualizada a cada dois anos e inclui as drogas mais eficazes e seguras para o tratamento de diversas doenças.

O problema é que várias drogas que salvam vidas ficam de fora dessa lista devido a preocupações da OMS com o seu preço – e com o risco de sistemas de saúde em países de baixa e média renda não suportarem o peso de ter que garanti-los. Entre essas drogas, estão várias contra o câncer; o relatório cita especificamente um medicamento da Merck contra o melanoma que é considerado “proibitivamente caro”.

Uma das funções do novo comitê, se vier mesmo a ser criado, será determinar os preços justos e identificar ações que podem ser tomadas para reduzi-los, garantindo o acesso universal.
MAIS E MAIS CRIANÇAS
A Argentina anunciou a aprovação do uso da vacina de vírus inativado Sinopharm para crianças de três a 11 anos de idade. O imunizante já foi aprovado para essa faixa etária na China (em julho do ano passado) e pelos Emirados Árabes Unidos (em agosto deste ano).

No Brasil, cairia bem a aprovação da CoronaVac, também de vírus inativado, para as crianças menores. No mês passado a Sinovac começou um ensaio clínico de fase 3 para avaliar a segurança e a eficácia na população de seis meses a 17 anos. O estudo envolve ao todo 14 mil participantes na África do Sul, Quênia, Filipinas, Chile e Malásia. O objetivo principal é verificar a eficácia contra casos sintomáticos, mas a ideia também é avaliá-la em relação a hospitalizações. Talvez só seja difícil alcançar um número mínimo de casos para análise, já que a covid-19 oferece riscos relativamente baixos a esse grupo.
ATÉ A NOVA ZELÂNDIA
A Nova Zelândia decidiu abandonar a estratégia de “covid zero”. O atual surto, que começou em meados de agosto com a variante Delta, levou a um bloqueio total na cidade de Auckland que já dura 50 dias. O número de casos é bem pequeno para os nossos padrões – 1,3 mil –, mas a essa altura a primeira-ministra Jacinda Ardern considera que “o retorno a zero é incrivelmente difícil“. 

O governo vai começar a relaxar as restrições a partir de hoje. “A eliminação [no passado] foi importante porque não tínhamos vacinas. Agora temos. Então podemos começar mudar a forma como fazemos as coisas”, disse ela. O país demorou um pouco para engrenar sua campanha de imunização, mas agora está chegando a 40% da população com o regime completo.
DANDO O TOM
A indústria do tabaco está jogando pesado para pautar a posição que será defendida pelo Brasil em conferência da OMS sobre o fumo. O lobby – que conta com uma histórica miscelânea entre setor público e privado e está com os dois pés fincados no núcleo duro do governo Bolsonaro – mira, agora, na desarticulação de uma importante comissão governamental que há quase 20 anos desempenha  papel decisivo para o controle do tabagismo por aqui. Essa história é contada pela nossa editora Maíra Mathias, n’O Joio e o Trigo.

O que explica a escalada na ofensiva é a proximidade da Conferência das Partes (COP 9) da Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco, que acontece em novembro em Haia, na Holanda. Aproveitando o ambiente favorável no Poder Executivo, a indústria fumageira espera que, dessa vez, o Brasil abandone a posição de exemplo internacional no combate ao fumo e, em um cavalo-de-pau em direção ao mercado, assuma a nada honrosa posição de liderança pró-tabaco na cúpula. A guinada já está em curso, como mostram os resultados brasileiros no Índice Global de Interferência da Indústria do Tabaco. A edição deste ano mostra que o Brasil estava com 48 pontos e, agora, passou para 58 – quanto menor a pontuação, menor o índice de interferência da indústria. 

O alvo imediato do lobby do fumo é a Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Coniq). Sua função é assessorar o governo e orientar ações para o cumprimento do tratado internacional, do qual somos signatários junto a outros 180 países. Há algumas semanas, em reunião aberta da Coniq para discutir as pautas da COP 9, a indústria mostrou a que veio, representada pelo deputado federal Marcelo Moraes (PTB-RS), um dos vice-líderes do governo Bolsonaro na Câmara. Baseado em um decreto de Bolsonaro que extinguiu todos os colegiados ligados à administração pública federal, Moraes argumentou que a Consiq sequer existiria e, por isso, não poderia se reunir. 

Mas não é bem assim: na  verdade, o tema é neste momento objeto de uma batalha judicial, e a Conicq mantém suas atividades com base em uma medida cautelar concedida pelo STF. Por isso, conseguiu organizar reunião para discutir a intervenção brasileira na COP 9. Segundo apurou o Joio, especialistas defendem que a garantia de  que a delegação brasileira para a Conferência esteja livre de conflito de interesses – uma exigência do tratado internacional – depende justamente da proteção ao processo de construção das posições brasileiras, coordenado pela Conicq. 

A mobilização pela reconstituição formal da comissão envolve uma carta assinada por oito ex-ministros da Saúde e um manifesto subscrito por mais de 70 entidades, como a ACT Promoção da Saúde e a Associação Médica Brasileira. 

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