Como a indústria de bebidas seduz os parlamentares

Ao invés de adotar impostos dissuasórios sobre o consumo, Congresso amplia benesses ao setor. Um estudo detalha todas as etapas do lobby — e há muito dinheiro envolvido. E mais: segue parada produção de remédios contra o câncer no Brasil

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SEGUINDO O DINHEIRO
A tramitação de projetos que poderiam endurecer a tributação e a regulação da indústria de bebidas no Brasil caminha a passos lentos, e a influência das empresas sobre os parlamentares é ponto-chave para entender essa morosidade. No Jornal da USP, a a pesquisadora Aline Mariath detalha alguns dos achados de sua tese, defendida este ano, e dá uma boa ideia sobre a dimensão dos desafios. 

Analisando os parlamentares que exerceram mandato entre 2015 e 2019, ela viu que quase 60% dos senadores e metade dos deputados federais eleitos contaram com recursos de campanha do setor. O recorte pegou o último período em que o financiamento empresarial de campanha – proibido em 2015 – valeu. Mas, de acordo com ela, o veto não eliminou totalmente o problema. Isso porque o lobby pesado continua sendo exercido, por exemplo, com a participação das empresas em audiências públicas.

Um exemplo da relação entre o dinheiro das empresas e as decisões tomadas pelo Congresso: em julho de 2018, quando o Senado aprovou a restituição de subsídios públicos a empresas de refrigerantes que atuam na Zona Franca de Manaus (para entregar R$ 1,6 bilhão por ano a gigantes como Coca-Cola e Ambev), estavam na sessão 12 senadores que haviam sido financiados especificamente por indústrias atuantes na Zona Franca. Entre eles, nove votaram pelos interesses do setor. 

Como os dados sobre financiamento não podem ser tomados isoladamente – já que há outros critérios em jogo quando um parlamentar decide votar a favor ou contra uma causa –, o trabalho de Aline usou um método que leva em conta todas as condições que explicam determinado desfecho. Com isso, viu que contar com esses recursos de campanha foi suficiente para os parlamentares apoiarem os interesses privados.

E a influência das empresas não aparece só nas votações. “Na verdade, é muito mais provável que ela ocorra em etapas intermediárias do processo legislativo como, por exemplo, a apresentação de projetos de lei, de pareceres favoráveis ou contrários a projetos de lei em tramitação, a inclusão ou não de projetos nas pautas de discussão e deliberação de comissões e plenários. Podem ser usadas estratégias para deliberadamente atrasar a tomada de decisão, ou ainda fazer com que um projeto não seja votado e seja então arquivado ao final de uma Legislatura”, aponta Aline, na reportagem.
CENSURA E DESINFORMAÇÃO
Com quantas mentiras se faz um genocídio? Além daquele fornecido por médicos da Prevent Senior, outro dossiê feito por profissionais coagidos está nas mãos da CPI da Covid. Nos últimos dias, veio a público a informação de que, em agosto, os funcionários da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) relataram a ingerência sobre sua atividade profissional e denunciaram à comissão o cerceamento na cobertura jornalística da pandemia no Brasil. 

O documento, que segundo apurou o Estadão tem mais de cem páginas, acusa a direção da empresa de usar a estrutura pública para “disseminar e reforçar narrativas negacionistas e governistas sobre a pandemia, que certamente prejudicaram o combate ao vírus da covid-19”. Uma das denúncias dá conta de que, no passado, os jornalistas eram impedidos de mencionar uma “segunda onda” da pandemia no Brasil, mesmo quando cientistas já alertavam para o início de um período de alta nas infecções pelo novo coronavírus. 

Além disso, a direção da EBC teria determinado que a cobertura da pandemia não destacasse o número de pessoas mortas na crise sanitária, adotando como centro das reportagens o constrangedor “Placar da Vida”, que enfatizava o número de pessoas “curadas” da doença. Ainda entre as medidas denunciadas, estão a proibição de cobertura adequada dos trabalhos da CPI da Covid e de qualquer referência ao questionamento da eficácia da cloroquina e outros medicamentos sem eficácia  defendidos pelo governo para o tratamento da covid nas reportagens. 

Segundo o dossiê, sistematizado por entidades representativas dos trabalhadores e a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, os profissionais que confrontaram as orientações da chefia foram perseguidos. O documento foi recebido pelo relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), que declarou sua intenção de incluir as informações no relatório final da CPI. Segundo ele, a EBC será listada como um dos órgãos públicos que disseminaram desinformação sobre a pandemia. 
VENDA VOADORA
Mais uma da Precisa Medicamentos. Documentos obtidos pela Polícia Federal na operação de busca e apreensão feita na sede da empresa intermediária mostram que a venda das 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin ao ministério da Saúde foi feita sem que houvesse qualquer contrato acertado com o laboratório produtor do imunizante, o Bharat Biotech. Uma espécie de venda voadora, sem garantias, ao custo de R$ 1,6 bilhão para o governo brasileiro no auge da crise sanitária. 

A PF, que fez a busca por determinação da CPI da Covid, encontrou apenas um rascunho de um contrato de distribuição das vacinas, segundo informações reveladas pelo Jornal Nacional. Inicialmente, era prevista uma comissão por dose que garantiria R$ 240 milhões à Precisa. Depois, uma mudança no valor da comissão reduziu o montante para R$ 160 milhões. No entanto, segundo a reportagem, o contrato – que seria firmado entre a Precisa e suas empresas representantes do laboratório, uma sediada em Cingapura e outra nos Emirados Árabes Unidos– estava sem data e sem assinatura. 

Ainda assim, os documentos apreendidos revelam que uma minuta de entendimento entre a Precisa e as representantes do laboratório foi discutida em março deste ano. Já o contrato assinado com o Ministério da Saúde data de 25 de fevereiro… Como se sabe, apenas após o caso passar a ser investigado pela CPI, o contrato do ministério para compra das vacinas Covaxin foi suspenso.
“CAÇADA”
Está previsto para hoje, na CPI da Covid, o depoimento de Bruna Morato, advogada dos médicos da Prevent Senior que apresentaram o dossiê com graves denúncias à operadora. Os senadores pretendem fechar o cerco sobre o caso nesta semana, ouvindo ainda o empresário Luciano Hang, dono da Havan, e descortinando as possíveis ligações entre a Prevent e Bolsonaro para impulsionar o “kit covid” e realizar testes irregulares em pacientes com medicamentos sem eficácia. A apuração é da Folha

A advogada dos médicos falou ao El País e denunciou o que, segundo ela, seria uma “caçada” aos profissionais, orquestrada pela operadora e levada a cabo ao longo do último ano e meio. Segundo ela – que prometeu levar à CPI hoje documentos que respaldam as acusações feitas no dossiê – a Prevent perseguiu, estigmatizou e desqualificou os médicos descontentes com o festival de violações promovido nos hospitais de sua rede, e pretendia, como isso, intimidar outros profissionais. 

O cerco sobre a Prevent pode se fechar também por fora da CPI. Ontem, o Ministério Público de São Paulo decidiu ampliar a força-tarefa que investiga as acusações contra a operadora. Foram incorporados dois novos integrantes à equipe, que agora conta com oito promotores dedicados ao caso. Já na Assembleia Legislativa do estado, também ontem, deputados protocolaram pedido de abertura de CPI para apurar suspeitas de irregularidades, a partir de requerimento assinado pelo deputado estadual Paulo Fiorilo (PT). Em uma movimentação que parece indicar uma união de bancadas adversárias para atuar no caso, o presidente da Alesp, Carlão Pignatari (PSDB), declarou que o requerimento irá tramitar com urgência e será publicado no Diário Oficial de hoje. 

Tem mais: segundo a Folhaa ANS já iniciou as investigações relativas aos dois processos que abriu para apurar o caso, contatando 190 pessoas. Para a investigação das denúncias de omissão de informações sobre o tratamento com o “kit covid”, foram procurados 100 pacientes, identificados pelos documentos da operadora como beneficiários que receberam os medicamentos. Para o segundo processo, que apura a coação e restrição à liberdade do exercício profissional, a ANS contatou 90 médicos.
QUANTOS MAIS?
Na esteira do escândalo da Prevent Senior, outro caso vem à tona: a Hapvida, uma das maiores operadoras de saúde privada do país e a maior das regiões Norte e Nordeste, também está sendo investigada por coagir médicos a receitarem o “kit covid”. A investigação, por enquanto, é conduzida pela ANS, que recebeu denúncias de que a empresa estaria pressionando seus profissionais a receitarem hidroxicloroquina em casos suspeitos ou confirmados de covid-19. As denúncias incluem, ainda, o Grupo São Francisco, do interior de São Paulo, que pertence à Hapvida. 

Pra lembrar: em abril, o Ministério Público Estadual do Ceará multou a operadora em R$ 468 mil por impor aos médicos conveniados indistintamente a prescrição de medicamentos específicos no tratamento de covid. A ver. 
CONTA-GOTAS
A produção de radiofármacos – que são usados em diagnóstico e tratamento contra o câncer – está parada desde o último dia 20 no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) porque acabou a verba. Segundo o  o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, o governo federal liberou R$ 19 milhões para a produção recomeçar no dia 1º de outubro, mas isso só é suficiente para duas semanas de trabalho.

Ontem, na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, ele culpou o Ministério da Economia e os parlamentares pela falta de recursos – há um projeto no Congresso para abertura de crédito extra de R$ 34 milhões, mas está parado. Os deputados, por sua vez, lembram que o Executivo já sabia que faltaria dinheiro desde que o orçamento foi elaborado e nada fez a respeito.

Seja como for, a quantia estabelecida pelo projeto em tramitação também não é suficiente para garantir alívio. Pontes disse esperar que a área econômica do governo encaminhe uma nova proposta. A ver. 
FASE 1: OK
Os estudos clínicos de fase 1 com a ButanVac, conduzidos na Tailândia, mostraram segurança e alta resposta imunológica da vacina. Os resultados preliminares (ainda sem revisão de pares) mostram que, entre os 210 voluntários, menos de um terço apresentou efeitos adversos e que nenhum foi grave. Todas as pessoas tinham entre 18 e 59 anos e receberam duas doses, com um intervalo de 28 dias.

Esse é o imunizante desenvolvido pelo Instituto Butantan e que, se eficaz e aprovado, poderá ser totalmente produzido em território brasileiro. Além da Tailândia, ele está sendo testado também no Vietnã e no Brasil. No UOL, o ex-presidente da Anvisa Gonzalo Vecina diz que os bons resultados eram esperados, porque os estudos pré-clínicos (aqueles realizados em laboratório, antes de o produto ser administrado a seres humanos) davam uma boa indicação disso.

Como se sabe, é a fase 3 que mostra o quanto a vacina protege contra a covid-19. Para essa etapa, no Brasil, o Butantan vai recrutar tanto pessoas que ainda não foram vacinadas (o que não vai ser fácil) como indivíduos que já receberam algum imunizante e/ou que tiveram covid-19.

Em tempo: a ButanVac usa tecnologia de vetor viral. O vírus da doença de Newcastle – que acomete aves, mas não causa nenhum sintoma em seres humanos – é usado para carregar a proteína Spike do coronavírus e estimular o organismo a produzir uma defesa contra ela. Esse vetor é desenvolvido em ovos, com a mesma engenharia já usada pelo Butantan há anos na produção de vacinas contra a gripe. 
PARA EXPORTAÇÃO
Cuba iniciou as exportações de sua vacina Abdala para o Vietnã e a Venezuela. Na semana passada, o país entrou com pedido na OMS para obter aprovação emergencial de seus quatro imunizantes: Soberana 1, Soberana 2, Soberana 3 e Abdala. O aval da OMS é necessário para o fornecimento via Covax Facility e alguns países o exigem antes de comprar doses. O processo, porém, ainda está bem no começo.

Neste momento, quase 80% da população cubana já tomou ao menos uma dose das vacinas e 43% estão com o regime completo. A curva de mortes, que havia subido vertiginosamente a partir de junho, começou a cair este mês.
UMA PAUSA
Depois de o Wall Street Journal revelar que o Facebook sabe que seu aplicativo Instagram está relacionado a danos à saúde mental de adolescentes, a empresa interrompeu o projeto do Instagram Kids – uma versão para menores de 13 anos. Mas ideia não foi abandonada: “Isso nos dará tempo para trabalhar com pais, especialistas, legisladores e reguladores, ouvir suas preocupações e demonstrar o valor e a importância desse projeto”, diz o diretor do aplicativo, Adam Mosseri.

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