Facebook-Instagram: abusos estão claros; haverá controle?

Novas revelações em audiência no Congresso dos EUA. Entre outras: executivos sabiam que suas redes agravam problemas de imagem em meninas. E mais: na Dinamarca, possível retrato do que será o pós-pandemia

ALGORITMOS DO LUCRO

O Instagram é aquele cigarro destinado a deixar os adolescentes viciados cedo, explorando a pressão de popularidade e, em última análise, colocando em risco sua saúde”. Foi assim, comparando o aplicativo do gigante Facebook com a indústria do cigarro, que o legislador democrata Ed Markey interveio em audiência realizada ontem no Senado dos Estados Unidos. A reunião foi convocada depois de o Wall Street Journal publicar, semanas atrás, uma série de reportagens com documentos internos do Facebook. Eles mostram que a empresa tem conhecimento da relação entre seu aplicativo de fotos e vídeos e danos à saúde mental de adolescentes

O caso ganhou ainda mais repercussão porque, justamente agora, o Instagram planejava o lançamento de sua versão kids, destinada a menores de 13 anos. Após a repercussão das denúncias do WSJ, a empresa anunciou uma pausa para “aprimorar” a ideia junto a “pais, especialistas, legisladores e reguladores”, segundo comunicado oficial. 

Ontem, o Senado americano ouviu Antigone Davis, diretor de segurança global do Facebook. Ele repetiu os argumentos que a gigante das redes sociais já vinha apresentando desde o aparecimento das denúncias, reforçados em declaração oficial divulgada na noite anterior à audiência. O objetivo era tentar rebater a acusação, que deu o tom da maioria das perguntas de senadores democratas e republicanos, de que o Facebook atuou conscientemente para priorizar seus lucros em detrimento da saúde dos adolescentes, negligenciando as informações sobre os efeitos negativos da plataforma.

Os senadores reforçaram que, diante do histórico de violações associado ao Facebook e das informações mais recentes, seria muito difícil confiar que a empresa estaria disposta a atuar para garantir a integridade de crianças e adolescentes. Uma das denúncias que mais repercutiu aponta que, em apresentação interna a funcionários, de março de 2020, o Instagram citou uma pesquisa conduzida por sua própria equipe e concluiu: “nós fazemos com que os problemas de imagem corporal sejam mais graves para uma entre três meninas”. Para os senadores, nenhuma atitude tomada desde então foi compatível com um tratamento adequado ao problema, que priorizasse a saúde e bem-estar do público mais jovem.
 
O diretor do Facebook argumentou que o objetivo dos estudos seria justamente desenvolver ferramentas para aumentar a segurança e “para tornar nossas plataformas melhores, para minimizar o que é ruim e maximizar o que é bom e para identificar proativamente onde podemos melhorar”. Repetindo quase que palavra a palavra os pronunciamentos oficiais, ele reafirmou que “o Facebook está comprometido em criar produtos melhores para os jovens e fazer todo o possível para proteger sua privacidade, segurança e bem-estar em nossas plataformas.”
 
Outras das informações divulgadas pelo jornal apontam que o Facebook manteria uma espécie de “lista VIP” de celebridades a quem as regras de publicações não seriam aplicadas. Conteúdos questionáveis, sensíveis e que poderiam violar direitos ficariam, assim, livres para circular a partir de contas com dezenas de milhões de seguidores. Além disso, a corporação de mídia reconhece que traficantes de seres humanos usam ativamente a plataforma para praticar crimes e que uma das mudanças de algoritmos implementadas teria alimentado a circulação de postagens controversas, sem que fosse possível limitá-las. 
 
A chefe de pesquisa do Instagram, Pratiti Raychoudhury, havia minimizado o estudo em declaração dada a um blog no último domingo. Como destaca O Globo, ela afirmou que a pesquisa vazada seria uma pequena amostra, feita com 40 adolescentes, e que os dados não seriam conclusivos. A executiva ressaltou ainda que os dados mostram um “lado bom” da rede: adolescentes teriam relatado que o uso da plataforma auxiliou a sentirem-se melhores em categorias como solidão e ansiedade. 
 
Como apenas constatar – mais uma vez – a falta de comprometimento das grandes corporações com a saúde e a garantia de direitos das populações mais vulneráveis está longe de resolver o problema, resta saber se alguma medida regulatória será tomada para deter os gigantes das redes sociais. Até agora, os senadores americanos apenas pontuam a necessidade de modernizar a lei que, no país, rege os sites que coletam dados sobre crianças – a chamada Lei de Proteção à Privacidade da Criança na Internet, de 1998.
 
Na próxima semana, o denunciante que compartilhou os documentos do Facebook com o Wall Street Journal vai testemunhar publicamente no Senado dos EUA. 

PONTO DE INTERROGAÇÃO

Vários cientistas têm manifestado uma avaliação que pode gerar desconforto: a de que a covid-19 vai se tornar uma doença endêmica, com o SARS-CoV-2 circulando por muito tempo, talvez para sempre. Embora haja várias hipóteses, não se sabe ao certo como essa história vai se desenrolar. Mas a reportagem da Science sugere que a situação da Dinamarca nos próximos meses pode oferecer pistas sobre o que esperar em um cenário de alta cobertura vacinal – especialmente entre os grupos mais vulneráveis – e retirada completa das restrições.

Desde o dia 10 de setembro, a vida no país voltou ao normal. Todas as atividades estão liberadas e não há nenhuma imposição de máscaras. Cerca de 75% da população está totalmente vacinada. Considerando apenas maiores de 18 anos, são 88%; entre aqueles com mais de 60 anos, são nada menos que 97%, e a oferta de terceiras doses para estes começou no mês passado. A matéria compara esse número com o de Israel, que reabriu totalmente em junho e 90% dessa faixa etária está coberta. Parecem percentuais próximos, mas não são: na Dinamarca, de cada 100 idosos, apenas 3 estão desprotegidos. Em Israel são 10 – mais que o triplo.

O número de casos na Dinamarca tem aumentado lentamente desde a reabertura. Se a situação desandar, o governo considera retomar algumas restrições. Mas a expectativa é que o país atinja em breve 90% de cobertura para os maiores de 12 anos e que a covid-19 possa ser tratada como a gripe e outras doenças infecciosas. “Estamos pensando neste vírus agora como uma espécie de versão adulterada do original. Ele teve seus dentes arrancados com a vacina. O que resta não é muito pior do que as doenças a que estamos acostumados e para as quais não fechamos escolas, como a gripe sazonal ou talvez a pandemia de influenza de 2009”, diz Lone Simonsen, epidemiologista da Universidade de Roskilde. Se isso vai mesmo acontecer, só o tempo dirá.

Especialistas imaginam alguns cenários possíveis para a endemicidade da covid-19. Ela provavelmente não será como o sarampo – que é muito infeccioso, porém deixa os infectados imunes para o resto da vida –, mas pode seguir o caminho de outros vírus. O mais fácil de lidar seria provavelmente o dos coronavírus que causam resfriado. No caso deles, nossa proteção contra infecções cai com o tempo, mas não contra as formas graves (então ficamos resfriados repetidas vezes, mas na vida adulta não acontece nada muito sério).

Outra possibilidade é que a proteção contra formas graves também caia e, nesse caso, por mais estranho que pareça, pode ser vantajoso que as pessoas (vacinadas, é claro) tenham contato com o vírus várias vezes, em vez de evitá-lo. Isso porque a vacina daria uma proteção inicial muito forte contra hospitalizações e mortes, que poderia cair com o tempo mas seria reforçada a cada reinfecção. Para os pesquisadores ouvidos pela Science, o comportamento mais difícil de lidar é o do vírus da gripe. Assim como os dos resfriados, ele infecta múltiplas vezes – mas as reinfecções costumam ser mais graves, porque o vírus evolui mais rápido e escapa da imunidade. Num país como os Estados Unidos, onde há bastante resistência da população às vacinas, o SARS-CoV-2 poderia causar de 50 a 100 mil mortes por ano.

Aceitar que a covid-19 não irá embora significa admitir que muitas mortes anuais continuarão acontecendo, e estabelecer o limite aceitável é uma decisão delicada, como aponta a Wired. No Reino Unido, mais de 25 mil pessoas morrem por ano de gripe. Nos Estados Unidos, esse número costuma ficar entre 30 e 50 mil e, em todo o mundo, são entre 300 e 600 mil. Mesmo que a gripe seja um problema administrável, não é trivial – e a covid-19 endêmica nesses moldes continuará sendo um problema importante de saúde pública. 

Será que, além da vacina, outras medidas que podem evitar a transmissão do SARS-CoV-2 – como ênfase na ventilação e sistemas de testagem – vão ser adotadas? Voltando à Science, Trevor Bedford, do Fred Hutchinson Cancer Research Center, acha pouco provável, justamente por comparar com o que já acontece em relação à influenza. “Nunca fizemos nada a respeito [da gripe]. As pessoas ainda aparecem para trabalhar doentes e assim por diante. Não sei se 50 mil pessoas morrendo por ano de covid seriam de alguma forma diferentes”. Bem que poderia acontecer o contrário: o que se aprendeu com a covid-19 ajudando a mitigar todos os outros vírus respiratórios.

FOI MESMO PRIORITÁRIO?

Apesar de os quilombolas terem sido incluídos nos grupos prioritários na vacinação contra a covid-19 – junto com idosos acima dos 75 anos, trabalhadores da saúde, indígenas e ribeirinhos –, o ritmo de sua imunização tem sido tão lento que a cobertura vacinal está hoje semelhante à da população em geral. Cerca de 45% dos quilombolas estão com o regime completo, contra 43% de todos os brasileiros. Para comparação, entre indígenas são 81%.

A informação é da segunda edição do Vacinômetro Quilombola, divulgada ontem pela Conaq (a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). Uma das explicações para a lentidão é o fato de que o Estado brasileiro nem sabe direito quantos quilombolas há no país, nem onde eles vivem: não existe um Censo Demográfico que considere essa população. Em março, a Conaq já previa dificuldades, apontando que o plano nacional usava números subdimensionados para contabilizar os quilombolas. 

Segundo o levantamento, um terço dos quilombos apresentou algum problema referente à imunização, como dificuldade de acesso ao local de aplicação das vacinas, problemas no levantamento realizado pelo município ou falta de informações adequadas.

“CRIME DE EXTERMÍNIO”

Bolsonaro será denunciado às Nações Unidas e ao Tribunal Penal Internacional por sua marcha da morte na gestão da pandemia do Brasil. A partir de projeções do epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, entidades e movimentos de direitos humanos elaboraram documento que será apresentado aos organismos internacionais. O relatório estima que quase 500 mil mortes poderiam ter sido evitadas no Brasil. Para o Tribunal de Haia, a denúncia implicará o presidente por “crime de extermínio”. 

Uma primeira versão do documento, elaborado pela Articulação para o Monitoramento de Direitos Humanos no Brasil (AMDH), já foi apresentada em um evento paralelo ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. A submissão oficial deve acontecer em novembro.

TUDO JUNTO

Um ensaio clínico britânico não encontrou nenhum perigo em oferecer juntas as vacinas contra a gripe e contra a covid-19. Os pesquisadores recrutaram 679 pessoas que já tinham recebido a primeira dose da AstraZeneca e da Pfizer; quando voltaram para a segunda dose, metade delas receberam junto o imunizante contra a gripe. Não houve mais eventos adversos graves nem impacto negativo na resposta imunológica.

Nesta semana, o Ministério da Saúde recomendou a suspensão do intervalo de 14 dias que vinha sendo adotado entre essas vacinas. O mesmo já havia acontecido em países como Estados Unidos e Reino Unido.

AS OUTRAS VACINAS

O Ministério da Saúde lançou ontem uma campanha para atualização da carteira vacinal de crianças e adolescentes até 15 anos. A situação hoje preocupa demais: praticamente todos os imunizantes disponíveis no PNI tiveram queda de adesão em 2020. Vacinas como a tríplice viral (que protege contra sarampo, caxumba e rubéola), a BCG (contra tuberculose) e a contra a poliomelite, que até 2015 tinham cobertura de mais de 98%, agora estão em menos de 80%. A imunização contra a hepatite B, que alcançava mais de 90% dos bebês, agora não chega a 65%. O risco de que essas doenças voltem a gerar grandes problemas de saúde pública é real.

Embora sempre se possa colocar os números baixos parcialmente na conta das restrições impostas pela pandemia, eles já vinham em uma trajetória de queda pelo menos desde 2016, e especialistas vinham emitindo alertas muito antes da crise do coronavírus.

PASSOS ATRÁS

A garantia de direitos reprodutivos deu passos atrás para mulheres peruanas desde o início da pandemia. Segundo reportagem do portal Salud con Lupa, baseada em dados da United Nations Population Fund, o acesso a métodos contraceptivos modernos voltou a níveis registrados cinco anos atrás no país. Em sete regiões do Peru, não mais que 55% das mulheres têm acesso a anticoncepcionais, o que é creditado, entre outros motivos, ao aumento dos preços desses medicamentos durante a crise sanitária e à interrupção dos serviços de atenção à saúde sexual das mulheres. Entre as consequências, estão o registro de mais de 15 mil gestações não planejadas e o aumento da gravidez na adolescência: os dados indicam que triplicou a taxa de jovens que engravidaram sem planejar nesse período. 
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