A edição genética cura um tipo de cegueira

Por meio da técnica CRISPR, pesquisadores conseguem que paciente com doença degenerativa hereditária volte a ver luzes com clareza. E mais: Congresso pode derrubar hoje vetos de Bolsonaro à quebra temporária de patentes

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Carlene Knight, who was born with a gene mutation that has caused her to be legally blind, smiles while sitting outside Oregon Health & Science University’s Casey Eye Institute on April 29, 2021. As a participant in the BRILLIANCE clinical trial, Knight received an experimental gene-editing treatment that aims to improve eye sight. (OHSU/Josh Andersen)
UM PASSO IMPORTANTE
Uma mulher que tinha a visão seriamente comprometida conseguiu atravessar uma pista de obstáculos com pouca luz – algo que, seis meses antes, não conseguia fazer nem com o ambiente bem iluminado. O que separa esses dois momentos é uma terapia baseada na técnica de edição genética CRISPR, testada em um ensaio clínico pela empresa de biotecnologia Editas Medicine. O ensaio, que começou em março do ano passado, foi o primeiro a injetar a ferramenta CRISPR diretamente no corpo (nesse caso, em células da retina) para editar o DNA – o comum é retirar as células, modificá-las em laboratório e recolocá-las no organismo. 

Os participantes têm uma doença degenerativa hereditária chamada amaurose congênita de Leber (LCA), que faz com que comecem a perder a visão ainda na infância. Na idade adulta, eles podem ver apenas imagens turvas e borradas bem na sua frente. Como explica a reportagem da Science, já existe uma terapia genética disponível, mas ela não funciona para a forma mais comum da doença. O novo mecanismo dá indicações, ainda modestas, de que pode dar certo.

Mas o sucesso não foi absoluto. O pequeno ensaio envolveu sete pacientes, e para cinco os resultados dos testes de visão estão disponíveis. Entre eles, três não obtiveram nenhum ganho claro. O que traz esperança são os outros dois, que tiveram notável aumento na sensibilidade à luz. Ambos relataram suas experiências à NPR: Michael Kalberer conseguiu ver cores pela primeira vez em anos e voltou a assistir ao pôr do sol; Carlene Knight – a mulher mencionada no início desta nota – parou de esbarrar nas baias no seu local de trabalho, consegue procurar objetos para apanhá-los e vê as cores mais vivas e brilhantes.

Os cientistas ainda não sabem por que a terapia funcionou apenas nesses dois pacientes, mas decidiram testar os outros com doses mais altas para ver se conseguem algum efeito clínico.
PARA USAR NO COMEÇO
A farmacêutica Merck disse ontem que seu medicamento oral experimental contra a covid-19 (o molnupiravir) provavelmente é eficaz diante da Delta. A indicação é de estudos em laboratório, com a droga sendo usada em amostras de cotonetes de pacientes infectados. O remédio tem como alvo uma enzima necessária para o vírus se replicar, e atua induzindo erros no código genético do vírus. Segundo a empresa, como ele não tem como alvo a proteína Spike do coronavírus – que é onde acontecem as principais mutações –, as novas variantes não devem interferir na sua atuação.

Também estão em curso dois ensaios de fase 3 com o antiviral: um deles avalia o uso como tratamento, e outro como preventivo. De acordo com a Merck, dados iniciais mostram que a droga é mais eficaz quando oferecida no começo da infecção.

O desenvolvimento de remédios contra a covid-19 pode parecer pouco importante agora que existem várias vacinas eficazes, mas eles ainda devem ser muito necessários, especialmente se levarmos em conta que a vacinação não reduz os riscos de maneira uniforme entre diferentes grupos. Uma análise recente do Financial Times com dados da Inglaterra apontou que, hoje, pessoas com mais de 80 anos vacinadas enfrentam o mesmo risco de morrer de covid-19 que as de 50 anos não-vacinadas.

O problema é que os tratamentos precoces – não o “kit covid”, mas os verdadeiros, verificados em pesquisas, recomendados pela OMS e aprovados pela Anvisa – ainda são quase todos inacessíveis à maior parte da população, como nota o infectologista Esper Kallás, na Folha, que trata especificamente da necessidade de ter anticorpos monoclonais no SUS. À exceção dos esteroides, as drogas já aprovadas são todas caríssimas.
PODE DERRUBAR
E por falar em altos preços, hoje o Congresso pode derrubar os vetos de Jair Bolsonaro ao projeto de lei que permite a chamada “quebra” temporária de patentes farmacêuticas no Brasil. Do jeito como foi sancionada pelo presidente, a lei provavelmente não poderá ser aplicada durante a pandemia. Na Agência Pública, Felipe de Carvalho, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), explica o porquê: enquanto a proposta original determinava o prazo de 30 dias para as mudanças começarem a valer, a versão sancionada diz que o licenciamento compulsório só será uma opção quando a empresa proprietária da patente se recusar ou não conseguir atender à necessidade local.

Considerando apenas a realidade brasileira – que, agora, é a de já haver uma boa quantidade de doses disponíveis e contratadas –, isso não soa como um problema. Mas Carvalho aponta que a produção aqui poderia ser útil para ampliar a imunização em países mais pobres.

Esse não é o único obstáculo trazido pelos vetos. Em outro deles, foram retirados os artigos que obrigavam as empresas a compartilhar todas as informações necessárias para a produção. Ou seja: “A gente vai ter acesso a informação que está lá na patente, mas provavelmente vai ser uma informação insuficiente para que um produtor nacional possa tentar desenvolver aquilo”.
SEGUNDA EM ATRASO
A Fiocruz divulgou os primeiros dados do seu acompanhamento da vacinação contra a covid-19 no Brasil: 11% das pessoas que já deveriam ter tomado a segunda dose ainda não o fizeram. São ao todo sete milhões de brasileiros que não receberam a segunda injeção pelo menos 14 dias após a data prevista. A taxa de atraso para a CoronaVac é de 32%, para a vacina de Oxford/AstraZeneca é de 15% e, para a da Pfizer, de 1%.

Apesar de à primeira vista os números sugerirem que quem recebe Pfizer atrasa menos, a Fiocruz ressalta que não é bem assim. Como esse imunizante começou a ser usado bem depois e seu intervalo entre doses é longo, na verdade ainda há poucos casos possíveis de atraso – para muita gente, o momento da segunda dose ainda não chegou. 

ferramenta da Fiocruz permite ver os percentuais de cada município e os percentuais de todos os estados. O pior é o Ceará, com uma taxa de atraso de 33%, e em seguida vêm Bahia (18,8%), Rio de Janeiro (16,5%). Mas vários outros estão abaixo da média, como Rio Grande do Norte (5,4%), Mato Grosso (6,7%) e Paraná (6,1%).

Vale lembrar que, embora o aumento do intervalo entre as doses em geral não comprometa a eficácia – pode até aumentá-la, ao menos no caso da AstraZeneca e da Pfizer –, a proteção só é adequada com o esquema completo.
DEMORARAM, MAS SAÍRAM
Foram publicados ontem, no New England Journal of Medicine, os resultados do ensaio clínico com a vacina de Oxford/AstraZeneca que envolveu 32 mil voluntários nos Estados Unidos, Peru e Chile. No estudo, desenvolvido por pesquisadores da AstraZeneca e dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos), o imunizante teve eficácia geral de 74% contra infecções de gravidade média e alta. Quando incluídos casos leves, foi de 70%; e, incluindo assintomáticos, foi de 64,3%. 

O estudo incluiu diferentes recortes etários e gerou uma informação inusitada: a vacina mostrou maior proteção nos idosos (83,5%) do que nos mais jovens. 

A FDA, agência reguladora dos Estados Unidos, nunca chegou a aprovar esse imunizante por conta da cascata de problemas envolvendo os resultados dos testes clínicos anteriores. Meses atrás, era grande a expectativa de que, uma vez que o ensaio estadunidense fosse concluído, viria a autorização para o uso. Hoje o cenário é outro, com o país mais do que bem servido de doses de vacina. De todo modo, a AstraZeneca pretende conseguir a aprovação
ESPETÁCULO E TUMULTO
Um tiro no pé? Em um depoimento conturbado e marcado pelo tom de espetáculo que é característico de suas aparições, o empresário Luciano Hang falou à CPI da Covid ontem. Enfrentou os senadores, reclamou do cerceamento à “liberdade de expressão”, repetiu a cartilha bolsonarista ao defender o “kit covid” e se contradisse várias vezes. O combo de respostas escorregadias e propaganda negacionista – que contou com assistência incisiva de Flávio Bolsonaro, determinado a tumultuar a sessão e defender Hang – pouco contribuiu com o avanço das investigações. 

O dado mais relevante é que o empresário confirmou a morte de sua mãe, Regina Hang, por covid-19 em um hospital da operadora Prevent Senior e atribuiu o sumiço da doença no atestado de óbito a um “erro do plantonista”. Esse era, como se sabe, um dos pontos mais sensíveis do depoimento, diante da suspeita de que a alteração do registro tenha sido fruto de uma prática deliberada e sistemática para ocultação de mortes.

A versão do dono da Havan, no entanto, foi recheada de contradições. Primeiro, ele afirmou que somente esta semana, com o depoimento da advogada Bruna Morato à CPI, teria  tomado conhecimento de que a covid-19 não aparecia no atestado de óbito de sua mãe. Luciano Hang se disse “surpreso” com a descoberta e explicou que uma comissão de controle de infecção hospitalar teria identificado o suposto erro e o corrigido, garantindo assim o registro definitivo do óbito por covid e sua contabilização estatística.  

Mas, quando questionado pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), ele mudou de ideia. É que Aziz trouxe à baila uma reportagem do G1 mostrando, com prints de conversas no WhatsApp, que a informação era conhecida por Hang pelo menos desde abril deste ano. Segundo o portal, neste mês a Globo News entrou em contato com a assessoria de imprensa do empresário questionando o motivo da ausência da covid-19 no atestado. Depois disso, Hang não apenas disse que tinha conhecimento do fato como afirmou ainda ter indagado Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior, sobre o assunto. O executivo teria lhe respondido que a ausência da covid no registro seria “normal”. 

Quanto à outra linha de investigação – a que apura a participação do empresário no “gabinete paralelo” de Bolsonaro e o financiamento da disseminação de notícias falsas sobre a pandemia –, sem novidades. O empresário negou pertencer ao gabinete e, novamente, caiu em contradição ao afirmar que sua participação em uma reunião no Palácio do Planalto não estaria relacionada à pandemia. Um vídeo recuperado pelo portal Metrópoles, no entanto, mostrou que a pandemia foi um dos temas do encontro do gabinete de crise do governo, que contou com a participação de Bolsonaro e seu filho Flávio.

Hang afirmou ter “duas ou três” contas no exterior, mas negou que sejam utilizadas para o financiamento de veículos que difundem desinformação. A cúpula da comissão diz ter indícios dessa prática. Outra confirmação foi a da participação ativa do empresário na difusão e facilitação do acesso aos medicamentos sem eficácia contra covid: ele confirmou ter feito campanhas para arrecadação de fundos e também ter comprado e distribuído os medicamentos.

A se destacar ainda, uma curiosa coincidência: apesar de ter afirmado à CPI não ser amigo do deputado Ricardo Barros (PP-PR), envolvido em denúncias de irregularidades no caso Covaxin, Luciano Hang foi visto tomando café da manhã como líder do governo na Câmara horas antes de seu depoimento. Pois é.
RESPONSABILIZAÇÃO
A Justiça de São Paulo determinou que a Prevent Senior pague R$ 1,9 milhão como reembolso a um paciente pelo tratamento em outro hospital após ter recebido, em uma unidade da rede, os remédios do “kit covid”. O aposentado de 61 anos foi tratado com ivermectina e hidroxicloroquina no hospital da operadora e, depois, transferido para o hospital Albert Einstein. A internação durou 60 dias e, segundo médicos do Einstein, foi prorrogada em função do atraso para início do tratamento adequado no hospital da Prevent. 

Outras movimentações para que a operadora seja investigada e responsabilizada seguem tendo desdobramentos. Ontem, o  Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) lançou, em conjunto com outras entidades, a campanha “Saúde não é experimento”, para pressionar a ANS a intervir na gestão da Prevent. O órgão, que já havia autuado a operadora por não ter informado aos pacientes e seus familiares que eles estavam sendo tratados com os medicamentos do “kit covid”, afirmou ontem que vai realizar uma nova diligência na Prevent Senior nos próximos dias. 
SUFICIENTE?
O YouTube anunciou ontem novas medidas para o combate à desinformação em saúde pública na plataforma. Dando sequência à política, já iniciada, de remoção de perfis e conteúdos que propaguem informações falsas sobre vacinas contra a covid, o site resolveu agora expandir a proteção e banir todo conteúdo que espalhe desinformação sobre qualquer vacina aprovada. 

Vídeos que são hits do movimento anti-vacina, como os que relacionam imunizantes aprovados ao desenvolvimento de câncer, autismo ou infertilidade, por exemplo, serão removidos permanentemente. Os “influencers” do movimento antivax também estão na mira da nova política, que começa a engatinhar depois de anos de estragos causados pela circulação desse tipo de conteúdo sem qualquer regulação. Segundo o Youtube, desde o ano passado, mais de 130 mil vídeos já foram retirados do ar. Demorou…

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