As vacinas que vão para o lixo

Desperdício ocorre em vários países e começa a ser relatado no Brasil

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Pelo menos cinco doses da vacina de Oxford/AstraZeneca foram para o lixo ontem na cidade do Rio de Janeiro, segundo relatos de funcionários ao jornal O Dia. Pode parecer uma quantidade pequena, mas, pelo que diz a matéria, é metade do único frasco que chegou a ser aberto na Clínica de Família onde o problema aconteceu. A questão é que cada frasco tem 10 doses e, depois de aberto, precisa ser usado em no máximo seis horas. Esse imunizante só podia ser oferecido a profissionais de saúde com mais de 60 anos, mas apenas cinco pessoas enquadradas em tal critério apareceram na unidade. “Está todo mundo revoltado aqui. Nossa orientação é para não dar a dose para o próximo da fila, que seriam os idosos que não são profissionais da saúde. Recebemos a ordem de jogar fora“, diz uma das fontes, sem indicar, porém, de quem partiu essa ordem.

A secretaria municipal de Saúde disse ao jornal que “todas as unidades receberam centenas de pacientes”, que não haveria motivo para o excedente e que “não houve relato de desperdício de doses”. Mas também que, caso sobre alguma, a orientação é para que seja usada nos profissionais da própria unidade.

Apesar de as falas do funcionário e da secretaria não se encaixarem, é muito provável que esse e outros casos de desperdício já estejam realmente acontecendo no país. Isso é algo que tem sido comum ao redor do mundo, por variados motivos. Alguns são banais e acontecem em toda campanha vacinação, como frascos que se quebram no manuseio ou seringas com problemas. No caso dos países que usam a vacina da Pfizer há uma questão envolvendo o número de doses de cada vidro: vinham cinco, mas depois de iniciado o uso se viu que havia líquido suficiente para uma sexta dose. Mas muitos lugares não têm seringas adequadas para extrair essa última, e o material acaba sendo descartado. Há também nações que ainda não permitiram o uso da dose excedente… Até agora, não se conseguiu mensurar a quantidade de vacina que deve ter sido (e ainda está sendo) perdida por isso. Também já foram relatados problemas com a refrigeração em países como AlemanhaArgentina e EUA.

Neste último, aliás, há toda uma discussão em torno de quantas foram afinal as doses já desperdiçadas, porque vários estados não têm relatado suas perdas. Por lá, começou a haver uma flexibilização nos grupos prioritários para evitar o problema. Há três semanas, o comissário da FDA (a Anvisa do país) exortou os estados a permitirem a vacinação de grupos de baixa prioridade caso a alternativa fosse jogar doses fora, e essa tem sido a posição das autoridades federais. 

Na França, o primeiro-ministro estimou que vai haver uma perda de 25% a 30%, o que gerou espanto. Mas o número não é tão alto quanto soa: segundo um estudo da OMS de 2005, metade das vacinas distribuídas em todo o mundo é desperdiçada, em média. Claro que ninguém quer uma perda dessa ordem no caso específico da covid-19, em que doses disputadas a tapa são a única chance de nos vermos livres da pandemia. No site The Conversation, um artigo de Sarah Schiffling e Liz Breen fala dos tipos de desperdício e como minorá-los. Quando a vacinação é restrita a grupos muito específicos, por exemplo, faz sentido ter centros de vacinação em massa que consigam reunir grandes quantidades de pessoas de uma vez só, evitando as sobras (não vale aglomerar na fila, como em São Luís do Maranhão). Só não dá para esquecer das pessoas que, por qualquer razão, tenham dificuldade de acesso a esses centros. Então sempre vai precisar haver outras opções para alcançá-las, como unidades descentralizadas e equipes móveis.

De todo modo, é essencial que as perdas sejam relatadas e computadas. O registro não serviria exatamente para recriminar qualquer perda acima de zero – Kelly Moore, da Immunization Action Coalition, ressalta na matéria da ProPublica que erros sempre vão acontecer e ninguém deve se sentir pressionado a injetar uma dose comprometida nas pessoas – , mas para entender onde estão os gargalos, o que está acima do razoável e que tipo de ajuste precisa ser feito no planejamento. Infelizmente, não parece haver muitas chances de o governo brasileiro manter um bom controle disso, já que ainda não contabiliza direito nem a quantidade de vacinados.

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