Metade da comida “natural” contém agrotóxicos
51% das frutas e vegetais vendidos em mercados contêm venenos; alguns podem levar a intoxicação grave. Mas Anvisa só monitorou 270 dos 499 químicos registrados. Leia também: em 2019, município do Rio cortou R$ 1 bilhão da Saúde
Publicado 12/12/2019 às 09:42 - Atualizado 12/12/2019 às 13:59
Por Maíra Mathias e Raquel Torres
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OTIMISMO SEM RAZÃO
Ontem a Anvisa lançou a nova edição do Programa de Análise de Resíduos
de Agrotóxicos em Alimentos, o PARA. “Alimentos vegetais são seguros”, diz o título
da notícia divulgada pela agência, que resume os resultados. Foram
analisadas 4.616 amostras, coletadas em supermercados entre agosto de
2017 e junho de 2018. No total, foram monitorados 14 alimentos (abacaxi,
alface, arroz, alho, batata-doce, beterraba, cenoura, chuchu, goiaba,
laranja, manga, pimentão, tomate e uva) que representam 30,86% do que é
consumido pela população. Só 41 amostras (pouco menos de 1% do total)
apresentaram potencial de risco agudo. E o maior responsável por esse
risco agudo foi um agrotóxico proibido desde o ano passado, o
carbofurano. Em 49% das amostras, não foi encontrado nenhum resíduo; em
28% o resíduo estava no limite permitido, e em 23% havia alguma
inconformidade.
Mas a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela
Vida encontrou problemas em tanto otimismo. Afinal, se 49% das amostras
não tinha resíduos, então eles estavam presentes em mais da metade do
total. Além disso, o potencial de risco agudo não é tão baixo como
parece, se considerarmos que, a cada cem alimentos que comemos, um pode
causar intoxicação grave. Mas também são apontadas questões para além da
forma como a Anvisa mostrou os resultados.
É que só foram pesquisados até 270 agrotóxicos
diferentes nas amostras… Sendo que há 499 ingredientes ativos
registrados na Anvisa. “Nos perguntamos: como é possível autorizar um
agrotóxico e não monitorá-lo?”, pergunta a Campanha. Além disso, o
relatório mostra um aumento de 17% no percentual de amostras irregulares
desde a análise anterior (que engloba o período de 2013 a 2015). “Esse
aumento é coerente com o aumento do uso de agrotóxicos no período (4%
entre 2015 e 2017, segundo Ibama) e com o aumento no registro de
intoxicações (14% entre 2015 e 2017, segundo Ministério da Saúde). Este
aumento não é mencionado no relatório, fato que confirma uma
interpretação por parte da Anvisa que tende a ocultar os riscos”. Por
fim, não foram incluídos produtos processados, o que dá a impressão de
que os resíduos de agrotóxicos só estão nos produtos in natura, ou mesmo de que é melhor comer um biscoito do que uma fruta.
CAOS NO RIO
A Defensoria e o Ministério Público do Rio de Janeiro ajuizaram ontem uma ação civil pública contra a gestão Marcelo Crivella.
Cobram soluções que permitam superar o caos em que a secretaria
municipal de Saúde foi mergulhada, pedindo inclusive a instalação de um
gabinete de crise que lhes daria autonomia para colocar em prática um
plano de emergência. Com base em dados do próprio município, as duas
instituições do Judiciário apontam que a Prefeitura, entre
remanejamentos e contingenciamentos, retirou R$ 2,2 bilhões do orçamento
da Pasta desde 2017. Apenas este ano, o baque foi de quase R$ 1 bi. A
drenagem do orçamento do SUS municipal tem provocado atraso nos repasses
às Organizações Sociais (OSs) que administram boa parte dos hospitais e
das unidades de saúde do Rio.
Enquanto isso, seis deputados federais de diferentes
partidos pediram, através de ofício, que o presidente da Câmara Rodrigo
Maia (DEM-RJ) autorize a instalação de um gabinete interfederativo. O
grupo reuniria prefeitura, governo do estado e Ministério da Saúde, e
seria acompanhado por parlamentares, pela Fiocruz e pelo Conselho
Nacional de Saúde com o objetivo de diagnosticar os problemas e propor
soluções emergenciais.
Em nota, entidades da saúde
manifestaram solidariedade com os trabalhadores, defendendo que é
“insustentável permanecer trabalhando há mais de dois meses sem salário,
com muitos trabalhadores sem ter o que comer, sem dinheiro para pagar
transporte, aluguel, fatura de cartão de crédito”. O texto lembra os
graves problemas da gestão do atual prefeito, Marcelo Crivella: “Ao
longo de três anos, o prefeito demitiu mais de 200 equipes de Saúde da Família,
diversos profissionais do NASF, desmontou o programa de atenção
domiciliar, trouxe retrocessos à política de saúde mental e ao cuidado à
população em situação de rua, além da sobrecarga das equipes e da falta
de insumos”.
COMPLICADO
O Tribunal de Justiça de São Paulo atualizou as definições de conflito de interesse:
no dia 25 de novembro, inaugurou um posto de conciliação para lidar com
ações contra empresas da saúde suplementar em parceria com a Associação
Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). O Grupo de Estudos sobre
Planos de Saúde da Faculdade de Medicina da USP alerta: “o novo ‘Posto
Abramge’, assim nomeado, será um ambiente privilegiado das operadoras
dentro do Tribunal, podendo servir para influenciar decisões, retardar o
trâmite de ações judiciais e tornar-se uma instância de defesa prévia
dos planos de saúde, comprometendo a esperada imparcialidade do Poder
Judiciário”. Em 2015, o mesmo TJ-SP tinha feito investida semelhante,
firmando termo de cooperação entre ANS e Federação Nacional de Saúde
Suplementar para o funcionamento de um NAT, sigla para núcleo de apoio
técnico e mediação. A iniciativa foi extinta depois de algum tempo.
MAIS PERTO
Ontem, o texto-base do projeto de lei que muda o marco regulatório do saneamento no Brasil foi aprovado pelo plenário da Câmara.
O placar ficou em 276 votos a favor, 124 contrários e uma abstenção. A
pressão pela modificação das regras no setor começou quando Michel Temer
ainda era presidente interino. O governo anterior chegou a apresentar
duas medidas provisórias com o intuito de mexer no marco, ambas
caducaram. O PL é a terceira tentativa, e seu principal objetivo é abrir
o mercado do saneamento para a iniciativa privada. Isso porque, hoje,
94% das cidades são atendidas por estatais de saneamento – enquanto 6%
do serviço é operado por empresas privadas.
Acontece que, segundo a Constituição, as prefeituras
são as titulares desse serviço público. E como responsáveis pelo
complexo saneamento, o que os municípios fizeram historicamente foi
assinar os chamados contratos de programa com os estados. Como o acordo
legal era feito entre dois entes federados, não havia necessidade de
licitação. E é justamente isso que as empresas estão próximas de mudar
com o novo marco legal. O texto aprovado ontem estabelece um prazo para
que esse tipo de contrato seja renovado e veda a assinatura de novos.
O deadline é 31 de março de 2022 – prazo que ficou em disputa até o último momento. De acordo com O Globo,
às vésperas da votação o relator da matéria, deputado Geninho Zuliani
(DEM-SP), ampliou a possibilidade de renovação para 27 meses – período
que, antes, era de 12 meses. “Ele precisou ceder à bancada nordestina,
frontalmente contrária à proposta inicial, para que a matéria avançasse
no plenário”, escreveu Renata Vieira.
Sempre que esse assunto chega à imprensa, dá vontade de
fazer uma análise das palavras escolhidas nas reportagens. O novo marco
“atualiza” e “moderniza” as regras do setor. O contrato de programa
entre prefeituras e estados é “feito sem concorrência” e sem “licitação”
e o fim do acordo vai colocar “em pé de igualdade estatais e empresas
privadas”. Quase sempre, as fontes ouvidas são porta-vozes de entidades
que representam o setor privado… Falta dizer que em vários lugares do
mundo, inclusive no Brasil, a participação do setor privado no
saneamento não deu muito certo, o que fez com que cidades como Paris e
Berlim voltassem atrás e reestatizassem o serviço de água e esgoto. Na
próxima terça-feira, o plenário vota mais destaques ao texto.
NHS NA DISPUTA
Acontece hoje a eleição que vai escolher o primeiro-ministro britânico. O atual premiê Boris Johnson disputa com o nome do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn.
O Brexit é a grande estrela do pleito, mas há uma consequência da saída
do Reino Unido da União Europeia que tem merecido bastante atenção: o
provimento de profissionais para o NHS, o sistema nacional de saúde.
Segundo reportagem do El País, há atualmente cem mil cargos vagos no NHS
– sendo 40 mil de enfermeiros e dez mil de médicos. Ao longo das
últimas décadas, boa parte desse pessoal veio de países da UE. A
promessa de Johnson de que, caso ganhe as eleições, vai conseguir
resolver a crise contratando 50 mil enfermeiros e, ao mesmo tempo,
finalmente sair do bloco suscita descrédito. “Existe uma árvore de
enfermeiras?”, uma mulher chegou a questioná-lo quando pedia votos em um
hospital. O vídeo viralizou.
EM CASA
Mais pessoas estão morrendo em casa do que em hospitais nos Estados Unidos, segundo um estudo publicado ontem no New England Journal of Medicine. Possivelmente é a primeira vez que isso acontece desde o começo do século 20.
Os pesquisadores analisaram dados de 2003 a 2017 e viram que, no
primeiro ano, 39,7% dos óbitos aconteceram em hospitais, contra 29,8%
dos de 2017; já o número de mortes em casa aumentou de 23,8% para 30,7%.
O maior crescimento foi no número de mortes em instituições voltadas a
cuidados paliativos, embora o percentual permaneça pequeno: foi de 0,2%
para 8,3%, ou seja, um crescimento de mais de 40 vezes. Apesar da nova
tendência nos EUA, sua taxa de mortalidade domiciliar ainda é bem menor
do que no Canadá (59,9%) e na Inglaterra (46,0%).
Segundo os pesquisadores, os programas de cuidados
paliativos que permitem que as pessoas morram em casa são uma das
principais razões da mudança. Mas eles argumentam que ainda é preciso melhorar as condições para isso.
Entre pessoas mais pobres, morrer em casa é bem mais raro,
possivelmente porque elas não conseguem pagar pelos serviços que
viabilizam isso, como bancar um cuidador.
COCA NO WALMART
A Colômbia deve processar o Walmart por conta do anúncio de um produto:
um casaco com tema natalino que mostra um boneco de neve vestido de
Papai Noel com olhos arregalados em frente a três carreiras de… um pó branco,
com a frase “Deixe nevar”. Mas o que deu problema foi a descrição do
casaco no site: “Todos sabemos como a neve funciona. É branca, em pó, e a
melhor neve vem diretamente da América do Sul. Isso é uma má notícia
para o alegre e velho St. Nick, que mora longe no Polo Norte. É por isso
que o Papai Noel realmente gosta de saborear o momento em que coloca as
mãos em alguma neve colombiana de qualidade, grau A”.
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