Após o anúncio da Pfizer, o que se sabe sobre a vacina

Resultados surpreendentes apontam 90% de eficácia, mas dados ainda não foram publicados. Algumas perguntas estão sem resposta: veja quais

09/11/2020 REUTERS/Dado Ruvic
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A Pfizer anunciou ontem que sua vacina BNT162b2, desenvolvida com a empresa de biotecnologia BioNTech, apresentou eficácia de mais de 90% na fase 3 dos testes clínicos. Isso significa que, de cem pessoas que tomam a vacina, 90 ficam efetivamente protegidas. Mas essa é apenas uma análise preliminar dos ensaios, e os resultados ainda não foram publicados nem analisados por pares. De todo modo, a notícia é tão animadora quanto surpreendente, porque a expectativa geral era de ter uma eficácia de algo entre 50% e 70% nas primeiras vacinas aprovadas – essa é a faixa em que os próprios fabricantes estão apostando.  

O estudo conta com mais de 40 mil voluntários e vai terminar quando forem registradas 164 infecções, incluindo quem tomou a vacina e o placebo. Essa primeira análise  foi feita quando se chegou a 94 casos de covid-19 confirmados. Pode ser que, até o fim do ensaio, a eficácia mude um pouco, mas provavelmente vai ficar bem acima de 50%.

E o alto percentual não foi a única surpresa no anúncio. Inicialmente, a Pfizer tinha previsto fazer uma primeira avaliação quando houvesse apenas 32 voluntários infectados, o que foi altamente criticado por especialistas no mundo todo. Depois de conversas com a FDA (a Anvisa dos EUA), o número subiu. Com 98 infectados, a força estatística dos resultados é bem maior do que a inicialmente esperada, como explica a matéria do STAT.

A Pfizer e a BioNTech disseram que já planejam enviar um pedido de aprovação emergencial à FDA após a terceira semana de novembro. Até lá, as empresas planejam ter conseguido avaliar metade dos voluntários em relação a possíveis problemas de segurança – haveria, para isso, a necessidade esperar dois meses após o recebimento da segunda dose. 

A dose de cuidado

Há muitas razões para otimismo, mas é sempre preciso ter alguma cautela com as boas notícias. Como tem acontecido bastante durante a pandemia, o comunicado à imprensa foi feito no site da Pfizer, faltando a necessária publicação dos dados. Sem eles, é difícil ter uma avaliação mais completa. 

Ainda há muito que não se sabe. Até agora, nenhum dos 94 infectados (incluindo os que tomaram placebo) desenvolveram covid-19 grave. Não tem como avaliar, então, se a vacina impede que uma pessoa contaminada tenha formas graves da doença. “Quero saber o espectro de doença que a vacina previne. Gostaríamos de ver pelo menos um punhado de casos de doença grave no grupo placebo”, diz à Nature Paul Offit, professor da Universidade da Pensilvânia e membro do comitê consultivo da FDA.

Os voluntários no estudo só foram testados para covid-19 quando desenvolveram sintomas, então não dá para saber quantos pegaram o vírus e se mantiveram assintomáticos. Isso pode ser um problema quando pensamos na possibilidade de essas pessoas transmitirem a doença – nesse caso, a vacina funcionaria muito bem para proteger individualmente quem tomou, mas não necessariamente para proteger a comunidade. E essa deve ser uma dificuldade para qualquer das vacinas que estão em ensaios clínicos, porque envolveria testar regularmente todas as dezenas de milhares de participantes. 

Outras questões em aberto: quanto dura a imunidade, se a eficácia é alta em idosos e se as crianças são protegidas em alguma medida.

E o Brasil?

O Brasil não se interessou por garantir nenhuma dose da Pfizer, embora parte dos estudos de fase 3 da vacina estejam acontecendo em São Paulo e na Bahia.

Em SP, como sabemos, os investimentos foram direcionados para a CoronaVac. Já a Bahia fechou um acordo com o governo russo para ser o único responsável pela comercialização da Sputnik V no Brasil. Ontem, o governador Rui Costa (PT) comentou os resultados divulgados pela Pfizer. Segundo ele, o obstáculo para adquirir o imunizante seria o custo, “mais que o dobro das vacinas de outras nacionalidades“. Por isso, defendeu que o governo federal deve tomar a dianteira por ser “historicamente” quem compra e distribui vacinas para os estados.

A empresa chegou a enviar uma proposta ao governo federal em meados de agosto, mas não obteve resposta – o que, segundo a Folha, foi interpretado como um sinal de pouco interesse na compra. Segundo a Pfizer, há apenas contatos com alguns estados para negociar a compra de doses. 

Agora isso ficou chato. O Ministério da Saúde divulgou uma nota ontem dizendo que “todas as vacinas com estudos avançados no mundo estão sendo analisadas, inclusive a do laboratório Pfizer” – o que foi ecoado por Jair Bolsonaro em suas redes sociais. Já a Pfizer disse que “continua em contato com o governo brasileiro” e “ofereceu a possibilidade de encaminhar uma proposta atualizada de fornecimento de sua potencial vacina, sujeita à aprovação regulatória”.


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