SP: As greves que incomodaram o andar de cima

Na paralisação do Metrô, CPTM e da Sabesp, mídia comercial “compra” o discurso da direita, taxando-a de “greve ideológica”. Visa opor trabalhadores à população. Falhas nas linhas privatizadas mostram o cinismo da reação conservadora

Foto extraída de matéria do sire Rede Brasil Atual
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A cidade de São Paulo amanheceu nesta terça-feira (3) com paralisações no Metrô, CPTM e Sabesp. O movimento unificado tem como reivindicações o cancelamento dos processos de privatização e terceirização referentes às três companhias e a realização de um plebiscito oficial para que a população possa decidir a respeito do tema.

Para surpresa de ninguém, junto com a mobilização começou a imposição do discurso de culpabilização dos grevistas. Alinhada ao governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos), a maior parte da mídia tradicional, em sua cobertura, se dedicou a um papel duplo: primeiro, tentar jogar a população contra os trabalhadores; segundo, defender os louros da privatização.

A primeira tarefa é cotidiana. Mobilizações nunca são tratadas de forma realmente jornalística nos grandes veículos e talvez sejam a ilustração mais crua de tratamento enviesado e da abolição mesmo de regras básicas do jornalismo. Autoridades são ouvidas e têm tempo amplo para condenar o movimento enquanto dirigentes sindicais pouco ou quase nunca são escutados. Não bastasse o desequilíbrio, âncoras e apresentadores de rádio e TV endossam as falas oficiais repetindo lugares-comuns da direita (e da extrema direita também) brasileira.

Atribuir às paralisações a alcunha de “greves políticas”, por exemplo, é o exemplo mais bem acabado da junção entre o oficialismo e a mídia. Argumentação que bebe da mesma fonte muito utilizada que tentava separar o governo Bolsonaro em alas “ideológica” e “técnica”, para que as temáticas econômicas de interesse de setores da elite financeira fossem preservadas. Na prática, uma divisão que só existia retoricamente, já que o governo era um só e todos que dele fizeram parte sabiam ao que serviam.

Agora, ao definir as paralisações como “políticas” ou “ideológicas”, o mecanismo é o mesmo. É como se a defesa das privatizações fosse “técnica”, embora os dados que temos em relação, por exemplo, às linhas privatizadas o Metrô e da CPTM em São Paulo, digam o contrário.

A propósito, a linha 9 – Esmeralda, concedida à iniciativa privada, apresentou falhas no sistema elétrico, com interrupção de serviço, na mesma tarde da mobilização. O que não é de se estranhar. A mesma linha teve falhas na última quinta-feira (28). E na semana anterior também, além de ter apresentado muitos problemas no início de setembro, no primeiro dia do festival The Town.

Dizer que o lado discordante é ideológico é só uma tentativa de interditar um debate necessário a respeito das privatizações. É para isso que, explícita ou implicitamente, quem usa da estratégia se diz “técnico”, uma forma falsamente polida de falar que o cidadão comum não tem direito à voz e quem pensa diferente também não. Algo grave quando se trata de transporte público e de uma companhia de abastecimento de água em um cenário de mudanças climáticas.

Ventos de mudança

Diante disso, contudo, existe um dado positivo. O incômodo e a agressividade de veículos da mídia tradicional deixam evidente que a mobilização incomodou o andar de cima. E a organização dos trabalhadores é um fator importante que pode mudar o jogo diante de um Congresso conservador, mimado e empoderado pelo governo Bolsonaro, e que hoje tem as rédeas de boa parte do poder político.

Outras mobilizações, como a paralisação de alunos na Universidade de São Paulo (USP) e a possibilidade de o mesmo acontecer em outras estaduais como a Unicamp, podem consolidar um chamado à população para que participe do processo político e um retorno do campo da esquerda às ruas, terreno perdido para extremistas desde o golpe que apeou Dilma Rousseff da presidência.

O governo Lula, aliás, assumiu com o objetivo, ao menos declarado, de estimular a participação. No Fórum Social Mundial realizado em janeiro deste ano, em Porto Alegre, o secretário nacional de Economia Popular e Solidária, Gilberto Carvalho, falou da importância da participação social e do diálogo e colaboração com a sociedade civil. “Queremos construir projetos em que os movimentos sociais estejam envolvidos e funcionem como fermento da massa, orientando, discutindo e ganhando para nosso projeto aquelas consciências.” 

E ainda deixou outra reflexão naquela ocasião: “Espero que tenhamos um governo pedagogo, que construa com o povo a mudança material de vida mas também a mudança cultural, política e ideológica. Caso contrário, nessa mudança que tivemos na sociedade brasileira, corremos o risco de, em 2026, passarmos por apuros piores do que os que estamos passando”.

Na disputa que vai além do processo eleitoral, há um cenário mais favorável às mobilizações, ainda que os sindicatos continuem sofrendo os efeitos dos ataques legislativos dos últimos anos que drenaram recursos e dificultaram ações reivindicatórias. O campo da esquerda, tanto o político quanto o da comunicação, deve observar mais de perto e dar ainda mais espaço a vozes representativas dos trabalhadores já que a mídia comercial mostrou, mais uma vez, a sua forma de agir e que postura vai adotar.

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