Chile rebelde prepara-se para reescrever a Constituição
Um ano depois de uma rebelião que sacudiu as bases do projeto neoliberal, plebiscito definirá, neste domingo, formato da Constituinte. Quem a comporá? Quais seus poderes? Como elites tentam limitar ou mesmo sabotar processo?
Publicado 23/10/2020 às 15:08 - Atualizado 24/10/2020 às 12:46
No próximo domingo, dia 25, o povo chileno irá às urnas responder duas perguntas: 1) se quer ou não ter uma nova constituição e 2) que tipo de órgão deve escrevê-la. Essa consulta popular foi uma das principais vitórias do povo chileno que se rebelou em 18 de outubro de 2019 e ocupou durante semanas as ruas de todo país. No auge das manifestações, o presidente direitista Sebastián Piñera disse que o país estava em guerra, apenas poucos meses depois de ter afirmado que o Chile era um oásis de paz e prosperidade na América Latina.
Nesta guerra contra seu próprio povo, Piñera mobilizou todo o aparato repressivo do Estado para reprimir as manifestações e tentar assustar os manifestantes: mais de 30 pessoas foram mortas, 460 tiveram trauma ocular, muitas delas ficaram cegas já que a polícia mirava as balas de borracha na altura dos olhos dos manifestantes, mais de 2 mil pessoas presas e 5 mil vítimas de violações e abusos por parte da polícia. Mesmo assim o povo não deixou as ruas.
Sem nenhuma legitimidade, restando-lhe apenas o apoio da alta elite chilena e das forças repressivas, Piñera ameaçou elevar ainda mais o nível da repressão se os partidos não chegassem a um acordo de pacificação do país. Este “Acordo pela paz”, feito por cima, no Congresso, propôs ao povo chileno decidir sobre a realização de uma convenção constituinte para finalmente substituir a Constituição escrita em 1980 e atualizada em 1988 durante a ditadura de Augusto Pinochet. Afinal, as manifestações não eram somente pelos 30 pesos de aumento no transporte público, mas por 30 anos de abuso, como afirma a principal palavra de ordem da rebelião popular.
Assim originou-se o plebiscito, que deveria ter se realizado em 26 de abril, mas foi adiado para o domingo próximo em virtude da pandemia. Abaixo elenco as principais possibilidades de resultado e seus desdobramentos para o futuro.
- Tende a ser a maior participação eleitoral da história do Chile, apesar da pandemia;
- Até a maior parte das classes dominantes estão apoiando a realização da convenção constituinte, portanto, a vitória eleitoral do “sim” deve ser grande;
- As disputas começam mesmo na segunda pergunta do plebiscito que se refere ao “como” será a constituinte. As classes dominantes querem uma convenção mista, com apenas metade eleita pelo povo e a outra metade indicada pelo congresso atual, profundamente deslegitimado. Com isso, as classes dominantes querem restringir a participação popular. Os setores populares fazem campanha por uma “convenção constitucional” totalmente eleita, com paridade de gênero e cotas de representação para os povos originários.
- Os resultados em relação a essa segunda pergunta expressarão a correlação de forças do processo constituinte. É provável que o povo vença essa segunda pergunta, mas com que margem?
- Esse resultado é importante indicador sobre o futuro do processo. Após o plebiscito o povo será chamado a eleger “deputados” constituintes no dia 11 de abril de 2021. Esta eleição será decisiva, pois uma das regras colocadas para a convenção constituinte é o quórum mínimo qualificado de dois terços para qualquer aprovação. Este alto quórum tem objetivo de bloquear mudanças mais radicais exigidas pelo povo chileno.
- Além disso, alguns temas como os Tratados de Livre Comércio (TLC), o regime “democrático” e até o nome do país foram proibidos de serem debatidos pela assembleia constituinte (artigo 135 do acordo de paz). O que é uma grave limitação ao poder originário constituinte. Os TLCs, por exemplo, são os principais responsáveis pela manutenção e aprofundamento do modelo econômico primário exportador em vigência no Chile desde Pinochet. Logo, se os TLCs não forem revistos, o modelo econômico tende a seguir sendo o mesmo. Não se parte, portanto, de um livro completamente em branco.
- Para fazer frente a esses desafios o povo chileno precisa de forças e organização para: i) garantir com ampla margem uma assembleia constituinte totalmente eleita para este fim no próximo domingo; ii) eleger mais de dois terços de representantes constituintes no próximo 11 de abril; e iii) pressionar para reverter no atual Congresso, na Convenção Constitucional ou na Corte Suprema, as ilegítimas limitações impostas ao poder constituinte pelo artigo 135.
Depois de derrotarmos Macri na Argentina e o golpe na Bolívia é hora de derrotar a direita também no Chile.
Aborde sobre as igrejas que estão sendo queimadas no Chile, quero entender melhor os acontecimentos