Resenha Semanal
12 a 19 de julho 2019. Seguem as múltiplas crises no cenário pós-Previdência… A universidade é o próximo alvo.
Publicado 19/07/2019 às 17:48 - Atualizado 28/07/2019 às 00:45
As ruas têm estado mortas. Nada de mobilizações. Nem fui ao ato da CUT contra a Previdência. Foi pequeno. As razões para sair à rua são numerosas e urgentes, mas nada acontece… por quê?
Conversava com C à roda de uma Seleta. Ele se dá apoio logístico a sindicatos e partidos há mais de 30 anos – faz o som da CUT, do PT e também de movimentos contemporâneos e menores, desde feministas até o Arrastão dos Blocos. Onde minha intensidade gera fumaça e neblina, a dele gera calor e movimento – seu metabolismo espiritual embute um certo otimismo inato, que é sempre bom compartilhar. Falou da presente crise com franqueza: o projeto é de destruição e vai demorar a mudar. É o golpe que está em consolidação. Um governo de esquerda ou popular só daqui a uns 15 ou 20 anos.
C apontou que tem sim efervescência na esquerda hoje: tem roda de conversa, tem sarau, tem análise e proposta. É só que está espalhado e que ainda nos sentimos acuados. A cultura vai puxar a resistência. E não tem zap-zap que segure a fome. Vai ter brecha.
Admiro muito essa franqueza e busco espalhar este sentimento. Mas a semana apresentou outra face dos dias de hoje.
“Ele não vão fazer pior do que isso!”. Essa frase é do Diário de Victor Klemperer, um filólogo judeu alemão que sobreviveu ao nazismo e à guerra morando nas cidades – ele não foi enviado aos campos. Interessado no uso da linguagem, ele manteve diário durante os anos da guerra, relatanto como a língua alemã se comportava sob o jugo nazista. A certa altura, ele pondera sobre a decisão de sair fora ou de ficar na Alemanha, que assombrou muitos indivíduos. Klemperer conta que muitos saíram logo em 1933, ano da eleição de Hitler. Mas muitos mais foram ficando, ponderando justamente “Ele não vão fazer pior do que isso!”.
R acha que Eduardo Bolsonaro tem que ser indicado embaixador sim, que tudo tem que ficar aberto e escancarado, para que não haja dúvidas do que está em andamento. Trabalhador autônomo como eu, está ficando cada vez mais impaciente e sabotador.
Já A deu o toque mais conciso acerca das conspirações de Moro e aquele alarmismo de auto-golpe que tem emergido nas redes: “não há necessidade de golpe: a esquerda agora não consegue colocar oposição”. É verdade por um lado, mas o relaxamento da institucionalidade já começa a capilarizar geral.
Soube de um depoimento de uma militante de esquerda. Ela foi sequestrada no ponto de ônibus em de São Paulo, por 3 homens. Ela foi espancada no carro, ameaçada e torturada.
Um idoso foi morto por um motorista que atingiu com seu carro assentados do MST em um acampamento de Valinhos, ontem. A mesa onde falava Glenn Greenwald na FLIP (no navio pirata dos independentes) foi atacada por bolsonaristas com fogos de artifício, além de desfile intimidatório na cidade. A polícia local apenas olhou. OS Sem-teto da Ocupação 9 de Julho continuam presos. Lembrei que a campanha eleitoral teve pelo menos três óbitos políticos, por bolsonaristas.
Enfim, a presente crise se metamorfoseia em conspirações separadas, mas uma delas é a securitização e militarização do Estado. Pode nem ser a que prevaleça, mas ela é necessária para várias configurações do tabuleiro. A semana ferveu com a Vaza Jato, a delação de Pallocci, a reportagem da Veja sobre um grupo terrorista que supostamente ameaça o presidente, a indicação de Eduardo Bolsonaro à embaixada nos EUA. As crises como estão parecem convidar uma estabilidade com fechamento.
Mas quem é ativista sem respaldo institucional (universidade, partido, emprego público etc.), está apavorado. A sociedade não vai proteger.
12 de julho
Li que a sonegação no Brasil se aproximou de R$ 620 bilhões em 2018, segundo nova estimativa do Sinprofaz. Isto é muito mais que a economia com o corte de aposentadorias e pensões proposto pelo governo Bolsonaro. Isso sem falar de outras isenções e das dívidas tributárias, as “bolsas empresário”.
A reforma universitária, bizarramente batizada de Future-se pelo MEC, vai arrasar o cenário do ensino superior. Trata-se de um programa de privatização forçada, com perda de autonomia das universidades. Amigos acadêmicos em pânico: carreira, pesquisa, aulas, aposentadoria… tudo está em aberto, tendendo a pior. Nas listas, li que o governo já vinha aumentado o escopo da GSI (Gabinete de Segurança Institucional) para englobar o MEC, diretamente ligado à sua estratégia de colocar em mãos militares poderes chave no Estado brasileiro. Bem antes do anúncio dos cortes, ao longo do governo petista, o governo já havia colocado sob sigilo toda a documentação sobre greves em Institutos e Universidades Federais. Ali já ficava claro que os militares começavam a se preparar para tomar conta dessas instituições, assim que a Reforma da Previdência fosse aprovada. A securitização do Estado a pleno vapor. Nos governos estaduais está em curso a unificação das pastas de educação e segurança, e o mesmo tem se dado na esfera federal. O que governo Bolsonaro inaugurou foi uma integração entre MEC e GSI e isso está diretamente ligado à sua estratégia de colocar em mãos militares poderes chave no Estado brasileiro.
13 de julho
Alguns detalhes da votação da Reforma da Previdência: o Planalto liberou um valor recorde em emendas parlamentares às vésperas da votação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, aprovada na quarta-feira passada com 379 votos a favor. Foram R$ 2,7 bilhões empenhados em apenas dez dias, sendo R$ 1,5 bilhão em emendas individuais apresentadas por 550 deputados e ex-deputados federais….
15 de julho
Mais revelações da Vaza Jato: Dallagnol e seu projeto de enriquecimento pessoal através de palestras, e também como Deltan negociou com Moro a destinação ilegal de fundos do tribunal para fazer vídeo publicitário das 10 Medidas Contra a Corrupção. Mais gotas na bazófia. Acho que aqui tem mais potencial de algum outro procurador quebrar o cerco e se posicionar contra posições de Moro e Dallagnol. Parece que já havia descontentamento com procuradores que buscavam capitalizar sua fama pela Lava Jato.
Parece que vai ser preciso separar a figura do justiceiro da do corrupto. O primeiro a sociedade perdoa, o segunda talvez não.
Léo Índio, assessor parlamentar e primo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro. Ele estaria atuado como “espião” do governo. Índio viajou para os estados comandados por governadores da oposição e preparado dossiês de “infiltrados e comunistas” nos órgãos federais.
Já o ex-procurador italiano Gherardo Colombo, que atuou na famosa Operação Mãos Limpas, afirmou em entrevista divulgada pelo UOL, que “juiz precisa se manter distante das partes envolvidas para manter sua imparcialidade e realmente fazer justiça”. “Se as regras sobre a imparcialidade e do processo não são seguidas, a Justiça não pode ser justa”, afirmou.
Li um artigo de análise dos impactos da reforma trabalhista que essencialmente destruiu a CLT e proteção aos trabalhadores. Fiquei impressionado com o contraste da certeza e confiança do discurso positivo durante a votação da reforma trabalhista e sua promessas.: “menos direitos geram mais empregos”. O fato incontornável é que a extinção da CLT não gerou empregos. Exemplo:
Decorridos dois anos desde a sanção da reforma da CLT, ainda é cedo para uma análise conclusiva sobre seu impacto na geração de empregos formais. Mas já se nota outro impacto importante das mudanças promovidas – a tendência de redução dos litígios judiciais. Quanto à criação de novas vagas, compreende-se a dúvida. Os efeitos da reforma levam tempo para se materializarem.
A bomba do dia foi do ministro e presidente do STF Dias Toffoli, que suspendeu o uso de relatórios da COAF sem permissão judicial, atendendo Flávio Bolsonaro, investigado por ligação com milicia. Estão suspensas as investigações criminais que envolvam relatórios que especifiquem dados bancários detalhados sem que tenha havido autorização da Justiça para tal —ainda que o inquérito tenha outros elementos que o embasem. A decisão atinge inquéritos e procedimentos de investigação criminal (tipo de apuração preliminar), de todas as instâncias da Justiça, baseados em informações de órgãos de controle —como Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Receita Federal e Banco Central. A medida tem amplo impacto, sobre muitas outras investigações em curso, incluindo da Lava Jato.
A suspensão é radical e surpreendente, pois atinge um espectro grande de áreas. O ministra afirma que se trata de uma defesa dos direitos contra práticas fascistas e autoritárias. Há quem ligue a decisão de Toffoli à defesa de Glenn Greenwald, que estaria sob investigação velada da Polícia Federal, ou à defesa de Lula.
A organização da 13ª Feira do Livro de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, decidiu cancelar a participação da jornalista Miriam Leitão e do sociólogo Sérgio Abranches após pressão de bolsonaristas que criaram uma campanha nas redes sociais contra a presença no evento.
Ela tem sido moderadamente crítica ao presidente. Na juventude, foi militante do PCB e foi presa e, grávida, torturada. A esquerda parece que se divide em prestar solidariedade, já que foi ela que pessoalmente criou a serpente que ora nos morde…
18 de julho
Na campanha da Embratur tem slogan “Brazil. Visit and love us”. A tradução pode ser tanto: “Brasil. Visite-o e ame-o” quanto “Brasil. Visite-nos e foda-nos”.
Novos vazamentos indicam claramente que era Sérgio Moro – e não o procurador Deltan Dallagnol – era o chefe da Lava Jato, o que é ilegal.
O movimento Escola sem Partido vai fechar, sem apoio de Bolsonaro e empresários. Boa notícia.
19 de julho
A revista Veja trouxe capa e reportagem bizarríssima: um grupo terrorista estaria sendo investigado pela Polícia Federal: a Sociedade Secreta Silvestre. Duas notícias, uma no dia da posse e outro em maio já traziam notas sobre isso. Mas a revista teria conseguido uma entrevista com um de seus líderes. Tudo parece falso e montado, uma clara armação. No artigo, a Polícia Federal aparece como atada por restrições legais, que atrapalham as investigações.
O que isso significa? O que vai acontecer? Será esse o nosso tosco incêndio do Reichstag?
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