Resenha Semanal

5 a 12 de julho 2019. A Reforma da Previdência parece que passou pelo primeiro grande teste, preservando suas maldades seletivas. Moro continua a buscar refúgio no radicalismo e pode investir contra o Intercept e o Brasil a quaquer momento. Segue a Vaza Jato.

Avalia-se que Moro só pode fugir para a frente, isto é, ele só tem por alternativa se escorar totalmente no bolsonarismo, o que já fez, e agora abrir o jogo do ativismo político da Lava Jato e capitalizar no que resta de sua popularidade para impor seu projeto de poder à força, sobre os destroços das liberdades democráticas. Em cima de tudo isso, o COAF e a Polícia Federal não confirmam nem desconfirmam que há uma investigação específica sobre as transações financeiras de Glenn Greenwald, o que configuraria claramente ataque à liberdade de imprensa.

Tenho muita ansiedade com a lerdeza das revelações da Vaza Jato e o parcial sucesso da Operação Abafa, mas a resiliência das denúncias é forte. Dallagnol cancelou sua aparição no Congresso, saiu o primeiro dos áudios. Parece que a estratégia de Greenwald é de médio prazo, de acumular tanta evidência quer será impossível não querer enxergar a parcialidade e ilegalidade da Lava Jato. A aposta, periclitante, é que a sociedade aos poucos vai aderir.

Nelson Jobim, ex-presidente do STF, por exemplo, censurou o Tribunal por ter apoiado a Lava Jato e evadido suas responsabilidades. Já é alguma coisa. O ministro do STF Fachin falou em evento no Paraná, fazendo uma crítica aos abusos do Judiciário, o que poderia significar a Lava Jato. Indireto mas importante.

Até a Globo parece hesitar. Por um lado boicota e não responde imediatamente às revelações. Mas acaba tendo que dar a notícia e sua consequência incontornável: vai ser preciso cancelar condenações. O dilema é colossal: todos foram cúmplices, e, se a Lava Jato cair, cai o projeto do golpe. Fica cada vez mais difícil manter Lula na prisão, mas quem tem coragem de assinar o cancelamento? Todo mundo tem rabo preso…

7 de julho

Vi a final da Copa América distraidamente em um boteco. Teve muita festa no local, inclusive quando Bolsonaro foi a campo entregar as medalhas. Pela Globo, não foi possível ouvir as vaias que se ouvem em outros vídeos da internet. A recusa do técnico Tite em cumprimentar o presidente com mais do que uma reverência à distância foi muito comentada depois, mas não apareceu na transmissão da Globo. O jogador Marquinhos passou por Jair Bolsonaro sem parar – também soube depois. Relatos posteriores contam que Guedes iria também ao gramado, mas teria saído pelo túnel depois que ouviu as primeiras vaias. Moro, também presente na arquibancada, nem teria arriscado e saiu direto depois do apito final.

Tem algo de muito patético em ficar nessa contabilidade de gestos simbólicos como se fosse luta, mas parece ser sintomático dos dias de hoje. Mas o que me impressionou foram as pessoas no boteco. Ali tem uma mesa bolsonarista, muito assídua e vocal. Mas outra mesa chegou depois, uns 5 jovens meio hipsters, metade deles negros. Eles assistiram o jogo também. Fiquei surpreso quando eles também festejaram Bolsonaro e se irmanaram com a mesa dos tiozões da qual sempre mantenho distância. Parece que tem mesmo setores energizados pelo bolsonarismo, que não respondem aos indicadores normais da relação economia-preferência eleitoral. A economia vai mal, eles discutiam trabalho e ganhos, mas pareciam entusiasmados com as possibilidades abertas pela precariedade…

Isso juntou com a morte e um trabalhador do Rappi, um serviço de entrega, no final da semana. Li agora o depoimento das pessoas que o socorreram. Pediram o SAMU e os bombeiros. O primeiro chegou atrasado 2 horas e os bombeiros não atenderam. O Uber que veio a chamado se recusou a levar a vítima para o hospital e foi embora. Precarização do trabalho e enxugamento do Estado… combunação letal que passou longe das comemorações da Copa América.

Lembrei do recente suicídio do empresário em evento em Aracaju, no dia 4, na presença do ministro das Minas e Energia. Sua empresa faliu e seu ato extremo parece encaixar no caos geral em que a economia se encontra. Saiu pouco na imprensa. Pirei que a economia vai mal em todos os setores, e que o caos é o novo normal.

O ministro Sérgio Moro anunciou que vai tirar uma licença na semana que vem, 7 dias. Alarmes dispararam em todos os setores, tentando entender como isso se encaixa na conjuntura atual. Sinal de fraqueza? Sinal de que vai ter golpe mesmo? A nota oficial só piorou tudo: “Trabalhar, trabalhar, trabalhar é importante. Mas descansar também faz parte do contexto de reenergizar o nosso corpo para prosseguirmos no combate”.

O site Antagonista ficou pondo medo, dizendo que a Polícia Federal vai realizar uma série de prisões relacionadas com o “ataque hacker” aos telefones dos procuradores e de Moro, coincidindo em data com a licença do ministro da justiça. Posto assim, fica a impressão que Moro vai pesar a mão e estancar a Vaza Jato, com prejuízo incalculável às liberdades básicas. Deu um medão gigante.

Por cima de tudo, Bolsonaro admitiu que Moro lhe passou ilegalmente dados sigilosos de uma investigação sobre candidatos-laranja do PSL. Se, como o próprio Bolsonaro confirma, Moro, como ministro da Justiça e chefe da Polícia Federal, entregou o inquérito para o presidente da República sobre uma investigação que tramita contra seu partido, cometeu irregularidades éticas e legais.

8 de julho

Repercute na esquerda a camiseta Lula Livre que o Papa recebeu no Vaticano. Rere.

9 de julho

Foi divulgado pela primeira vez um áudio na Vaza Jato: nele, Dallagnol comemora censura a entrevista de Lula e envolve o ministro do STF Fux por tabela, que teria revelado sua liminar impedindo a realização ou divulgação da entrevista fora dos procedimentos legais.

Rumores alarmistas aumentaram com a notícia da demissão da assessora de imprensa de Sérgio Moro, a jornalista Giselly Siqueira. As razões da demissão, voluntária ou não, não foram reveladas, mas a boataria sugere que ela se recusa a participar do fechamento que o ministro da Justiça prepara…

Muita ansiedade com a votação da Reforma da Previdência. Governo demonstra confiança, mas chantagens de última hora nebulam a visão. Foi noticiado que foram liberados 93 bilhões para emendas parlamentares. Deve ajudar…

Quarenta advogados formaram grupo de apoio a Glenn Greenwald e pela liberdade de imprensa.

O desfile de 9 de Julho em São Paulo, que celebra a resistência do estado às forças de Getúlio Vargas, teve crianças fardadas e armadas com réplicas nas mãos, dentre os que desfilavam na avenida, pelo menos 10 delas. A PM disse que não encoraja isso e que são os pais, por civismo, que o fazem. Ponderam que em si o porte de réplica não pe crime, se não houver intenção de intimidar.

Preta Ferreira e líderes Sem-Teto de São Paulo ainda continuam presos…

10 de julho

Os trabalhos da votação da Reforma da Previdência estão em marcha acelerada. Alguns comentaristas, como Míriam Leitão, reclamaram que houve cristalização de privilégios corporativos. O Agronegócio conseguiu barrar uma regra que impactaria o setor em R$ 84 bilhões ao longo dos próximos 10 anos – e as exportações do agronegócio continuarão isentas. Policiais militares terão menos tempo de trabalho a cumprir e regras mais suaves, junto com os policiais civis do Distrito Federal, os policiais legislativos, os policiais rodoviários federais, os agentes penitenciários e os agentes socioeducativos. As Forças Armadas terão emenda separada. Os Bancos escaparam de aumento de contribuição. Os municípios ficaram fora da reforma também. Tal como está, a reforma reduzirá o rombo, mas não será possível caminhar para um sistema menos desigual. A esquerda segue contra.

No futuro: liberais sabem que vão precisar da polícia para garantir a ordem social numa sociedade injusta. Curioso como o inchaço do Estado na área da segurança nunca é um problema para os liberais.

11 de julho

Passou o texto principal da reforma da Previdência em votação ontem, Em primeiro turno. Agora vai aoSenado. A votação a favor foi expressiva e derrotou esperanças da esquerda. O texto final pune os mais pobres e faz as salvaguardas anunciadas. Servidores públicos prejudicados. Para a imprensa em geral, Rodrigo Maia saiu fortalecido, tendo tocado a reforma sem Bolsonaro. Ele se cacifa como líder da centro-direita, que assim estaria se recompondo, contra o PSL e o clã Bolsonaro. Do ponto de vista da esquerda, a centro-direita conseguiu passar suas pautas sob o tacão de um miliciano que lhe garantiu condições que de outra forma a democracia não permitiria. Li que Maia é agora o chefe da recuperação da centro-direita.

Repercute o voto de Tabata Amaral, do PDT. Ela votou contra a decisão da direção e da bancada. Presidente do PDT condenou Tabata e questionou suas lealdades. Ocorre que Tabata foi treinada e formada por movimentos como o Acredito e o Renova Br. Este é uma das instituições que apostaram na formação de jovens para a política. Os oriundos de tais organizações passaram a integrar diversos partidos em todo o espectro. O problema é que tais institutos são financiados por empresários, e, no caso do Renova BR, o bilionário Lehmann. Alguns analistas apontam que empresários preferem agora bancar candidaturas em seu início, legalmente, em vez de comprar votos no Congresso já estabelecido, naquela área de legalidade duvidosa desvelada pela Lava Jato. No fim, resta a questão a quem seus formandos devem lealdade… Essa foi a crítica que o presidente do PDT levantou a Tabata, que pode ser expulsa do partido. O Renova BR fechou questão a favor da Reforma.

Faleceram o jornalista Paulo Henrique Amorim e o sociólogo Chico de Oliveira. Já há algum tempo que eu não lia mais o PHA: jogava muito para a torcida, era engraçado mas não muito informativo. Tinha sido vítima de perseguição ideológica ao perder o comando de seu programa dominical, que confesso nunca vi.

Já Chico de Oliveira é mais próximo. Apesar de não ter feito carreira acadêmica, era contemporâneo e próximo da geração uspiana e do CEBRAP que definiu os debates teóricos ao redor do Brasil. Crítico ao PT, foi partícipe no debate geral da esquerda que tentou compreender o Brasil da Transição Democrática. Fará muita falta.

Na minha bolha, o pesar com sua partida era temperada com reflexões acerca do lugar do conhecimento hoje. Por um lado, existe ampla atividade conceitual na esquerda fora da universidade. Mas por outro, a destruição do sistema público universitário, cujo anúncio foi feito na imprensa de direita (um plano de redução orçamentária e estímulo à privatização da universidade), é uma realidade, e a esquerda crítica vai ter que se ver com a redução de sua participação na sociedade. Isto é, o ônus agora recai sobre criar e fomentar estruturas de produção, guarda e distribuição de conhecimento fora do sistema.

Repercute muito na imprensa um anunciado plano de privatização e desidratação das universidades federais. Os anúncios trazem um verdadeiro desastre para o ensino público, mais ou menos o cancelamento da universalidade e acesso público ao ensino.

Mas tudo isso foi resultado de uma nota na coluna do Noblat, na Globo (hoje ele é mais crítico, mas foi ele que propiciou o governo Temer, escrevendo que ele era “bonito” e que “se ele conseguiu conquistar Marcela, vai conseguir consertar o Brasil”). Pode ser apenas um balão de ensaio, uma forma de aferir a reação contra… A esquerda segue reativa dependente da direita.

12 de julho

Repercute muito o convite de Bolsonaro a seu filho para ser embaixador do Brasil nos EUA. A imprensa internacional reagiu negativamente, assim como teria o Itamaraty, mas não o chanceler. Steve Bannon e Trump festejaram…

Vaza Jato revelou esta semana diálogos de Dallagnol com o desembargador Gebran, do TRF4, que julgou Lula em segunda instância, mostrando relações no mínimo anti-éticas entre os dois…

O previsão do PIB caiu mais uma vez, agora para 0,8%.

Estou escrevendo vendo e ouvindo a ocupação do Panteão, em Paris. Centenas de trabalhadores ilegais, moradores de rua e imigrantes ocuparam o lugar com os Giles Noirs, ou jalecos pretos, que são anarquistas e tentam organizar onde a esquerda trabalhista não consegue chegar. A polícia já chegou em grandes números.

Nessa crise de mobilização e formulação da esquerda brasileira, um breve alívio: vai ter brecha. Apostar em novos atores, onde tiver potência, cultivar e cuidar!

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