Resenha Semanal

19 a 26 de julho 2019. A prisão dos Hackers Tabajara agitou a paralisia que toma o campo popular. Resta a dúvida: estamos à beira do arbítrio, ele já chegou ou tudo não passa de um teatro híbrido?

Aprendiz de ditador?

A semana começou no reino da atual apatia: novas revelações do Vaja Jato até saíram, mas parece que cada vez estão menos impactantes. Por um lado não teve ainda uma bala de prata que definitivamente derrube Moro ou cause maior dano político. Talvez estejamos à espera de algum procurador ou juiz que quebre o silêncio e inicie o estouro da boiada.

Por outro, é estarrecedor como o Brasil vem aceitando condutas que deveriam causar indignação. Por isso o grande desânimo: nada de rua. Amigos de esquerda estão no geral paralisados. Uns reclamam que não há novos líderes, outros que não há partidos, ou ainda que os movimentos não são suficientes ainda. O Lula e o PT ainda figuram como mais ou menos hegemônicos, mas nenhum protagnismo significativo fura o modo defensivo em que o partido se encontra. Outros buscam sair da torrente informacional e buscar refúgio na prática de construção de redes e de movimento, apostando que não há nem saída nem saúde nesse campo minado de guerra informacional, e que o melhor é contruir o futuro na micropolítica, onde é possível atuar sem ser expectador. Outros ainda participam e realizam atividades, palestras, encontros, artigos e livros. Muitos estão à espera de um fechamento do regime, que visivelmente está sendo engenherizado com decretos e portarias (quem nomeia pró-reitor é o Planalto, através da GSI. Muitos outros pensam como sair do país.

A economia não vai melhorar tão cedo (a previsão do PIB cai toda semana), e a violência política parece estar aumentando, com novos ataques a acampamentos do MST, por exemplo, e a invasão de uma reunião de professores por guardas da Polícia Rodoviária, em Manaus, que falavam em nome do Exército. A recente extinção de órgãos reguladores de várias entidades é um exemplo da reorganização catastrófica do país em linhas da economia do “lumpen-empresariado”. O termo é do Nassif e engloba “os que exploram nichos como bingo, manicômios, clínicas psiquiátricas, escolas para deficientes e, no caso das milícias, transporte público, construções irregulares em áreas de preservação, venda de gatos e de gás, venda de proteção privada”. Ainda ele:

Vão na mesma direção o desmonte da Funai, da ICMBio, a flexibilização dos agrotóxicos pela Agência Nacional de Saude, a abertura para importação de armas, e a liberação de armas para a população, até temas menores, como a proposta dos Bolsonaro de anular as multas das vans que trafegam em faixa de ônibus no Rio de Janeiro. Sua última decisão foi permitir a distribuição de gás em botijão semi-cheio e sem menção à distribuidora.

Desorganizar a sociedade: Incluem-se aí as disputas com as corporações públicas, com o Judiciário, especialmente com a elite do funcionalismo público, possível próxima etapa do desmonte bolsonarismo. O golpe final será sobre as Forças Armadas.

Na esquerda, a cisão entre pauta classista e a identitária permanece: as provocações da direita na área dos costumes provoca reações imediatas nas redes, mas, na nova quadra da contrainformação, a indignação não parece acumular forças. O recuo por parte de Bolsonaro ou do governo parece ser parte do funcionamento do Fake News e o grande número de mentiras abertas contadas pelo presidente (alguém contou em mais de 200 desde janeiro) não importam.

Para alguns na esquerda classista, a “pauta de costumes” é apenas um nuvem de fumaça para nubilar as pautas realmente importantes – as econômicas. Para outros, a pauta ocultada é a construção clandestina de um estado autoritário e fechado, através de decretos e rearranjos institucionais (tipo o Gabinete de Segurança institucional ter o poder de nomear funcionários nas universidades, em nível de pró-reitoria).

Mas o outro campo, “dos costumes”, nega a hierarquia de pautas implícita no discurso classista, que claramente contrasta com o pobre estado da mobilização e luta econômica atuis. As ditas verdadeiras pautas, econômicas, tem baixo poder de mobilização, dentre outras razões pela qualidade da direção sindical que não se preparou para novas formas de trabalho, e que se alienou de sua base. As ditas pautas de costumes estiveram muito intensamente presentes no Tsunami da Educação, enquanto as urgentes pautas econômicas têm tido dificuldade em achar voz na rua.

Ainda acho curioso que ouço muito “o problema da esquerda é que ela…”. Todos têm diagnóstico e cura, mas cabe sempre a alguém outro emendar suas práticas. Raramente ouço ou leio “o problema da esquerda é que eu…”, o que seria mais interessante.

Fervem os boatos de ação pesada de Sérgio Moro. Uma reportagem no site Agora Paraná trazia que “o jornalista Oswaldo Eustáquio mergulhou no inferno do Intercept na Deep Web e descobriu o manual do crime de Greenwald”. No final era apenas o site do Intercept que só acessível pelo Tor, que mascara o IP do computador na rede. Mas aumentou a tensão, pois a ministra Damares e o delegado Francischini, aliados de Bolsonaro, repostaram a reportagem.

A ação de Moro recolocou o “paradoxo do gênio malévolo”: ou o Brasil é governado por um projeto tosco, mal ajambrado e cheio de furos…. ou toda a improvisação e cabeçadas fazem parte de um teatro informacional de múltiplas manipulações sofisticadas que esconde os verdadeiros donos do poder, que usam alguma ferramenta nova de Guerra Híbrida… Há quem afirme na esquerda que o próprio Glenn faz parte do esquema e que a Vaza Jato é encenação e não vi dar em nada. As evidências que suportam as duas hipóteses do gênio malévolo são idênticas.

A Vaja Jato revelou que Dallagnol sabe que Flavio Bolsonaro é corrupto, e Queiroz também, e que o presidente sabia de tudo acerca do assessor. Mas o procurador mas não tomou medidas e passou a evitar entrevistas porque Moro poderia achar ruim, já que tinha que proteger Bolsonaro para chegar ao STF.

23 de julho

Bolsonaro teve um ataque crônico de verborragia e foi o tema das manchetes e análises. O presidente afirmou que não há fome no Brasil, atacou os números que o INPE publicou sobre o desmatamento, insultou os nordestinos

Até o DefesaNet, site oficioso das FFAA, publicou um artigo onde diz que Bolsonaro protagonizou “ataque” ao exérito, em “72 horas de tensão”. Além das declarações esdrúxulas, Bolsonaro teria causado ofensa por não ter comparecido à cerimônia de homenagem a Santos Dumont. A FAB sente-se desprestigiada pela condução da gerência da crise que a descoberta de 38 kilos de cocaína em um avião da Força Aérea. Por outro lado, o Duplo Expresso garante que isso é plantado e que não há tensão interna entre militares e olavistas, e que tudo isso é fruto de uma inteligência ex-machina que tudo domina e a todos engana: os próprios militares.

A despeito de toda a grita e de todo o custo político, parece que Eduardo Bolsonaro vai mesmo ser nomeado embaixador.

Saiu que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) liberou R$ 530 mil para a realização de um documentário sobre o presidente Jair Bolsonaro.

“Esses canalhas acusavam injustamente pessoas de usarem dinheiro público para propaganda, mentiram sobre a Lei Rouanet e sobre filmes que jamais utilizaram dinheiro público. Agora fazem isso. Quem será a Leni Riefenstahl dessa propaganda fascista? Terá ao menos seu talento?”, declarou Jean Wyllys pelo Twitter.

24 de julho

Mas aí estourou o caso dos “Hackers de Araraquara”, e tudo se transformou em frenesi noticioso. Muito boato e contrainformação. Para uns, incluindo eu mesmo, era o bote final de Moro, que tinha retornado dos EUA co ordens ou com autorização. A prisão dos supostos hackers poderia apontar ligação com o Intercept e levar à criminalização de Glenn Greenwald, o que seria um desastre. No final, ficou patente o improviso da operação e o golpe final com fechamento não ocorreu. Talvez tenha sido desespero, ou despreparo, ou só um teste…

Um dos presos leva por apelido “Vermelho”, mas é filiado ao DEM. PSListas comemoraram as prisões e insistiram na conexão criminosa com Glenn Greenwald, que a Polícia federal não fez.

25 de julho

Apesar de me ter prometido acompanhar as movimentações de base e não fissurar no noticiário, não fui à Marcha das Mulheres Negras de São Paulo e fiquei grudado ao computador.

Os hackers Tabajara foram identificados pela PF…

Ferveu muito a notícia da prisão dos “hackers”, 4 pessoas de Araraquara, e está em jogo a ligação destes com o Intercept. Várias inconsistências nos relatos da PF e quem disse o que quando. Muio balão e diz-que-diz-que, e a criminalização de GG é operada por muitos veículos de comunicação: Antagonista e Globo, por exemplo. De manhã, hoje o plano parece ser fazer a coisa crescer e atingir o celular de Bolsonaro, para poder passar uma legislação de exceção e vigilância, um Patriot Act brasileiro. Se o plano for realizar uma virada autoritária, agora e a hora…

Acompanhei as notícias minuto a minuto, e deu muito a impressão que era a cartada ditatorial de Moro. De fato, ele se expôs muito e cometeu erros, e os improvisos da operação foram ficando cada vez mais claros.

É verdade que parte do consórcio do golpe está satisfeita agora e tem tudo o que precisa. Mas acho que tem uma ala mais radical, mais extremista e “nova” que precisa ainda dar um ou dois curto-circuitos para se consolidar: nos militares, no STF, talvez no Congresso. Pode ser que eles não logrem obter seus objetivos, mas essa conspiração existe e está em curso. Ocorre que ela está em competição com outras 4 conspirações, então há um certo grau de incerteza.

Desde a última manifestação coxinha, estou impactado pela aliança Moro-Bolsonaro, e acho que este foi um fato novo. Agora Moro não tem saída senão confrontar as instituições, como tem feito. E também agora precisa de toda forma proteger seu tutor, o capitão e suas milícias e família. Qualquer crime vai passar batido. Não basta apenas culpar o Intercept, ele criou um contra-contagotas. A aliança ideológicos alinhados com a extrema-direita global, a Famiglia, evangélicos, polícias estaduais e federais, Lava Jato quer mais espaço ainda, e luta por isso. Os generais estão sendo humilhados e alijados.

O suspeito principal parece ser esse Walter Delgatti. Parece é fraudador de quarta categoria, mas só ele teria o conhecimento e ferramentas para fazer um hack desse tipo. Mesmo assim, o tamanho do hack é tão grande que ele, que parece usa Windows, não seria capaz de realizar. A semana acabou com Moro e a PF afirmando que quase mil celulares foram hackeados, o que seria uma operação bem grande. Além disso, há problemas nas datas, que não confirmam declarações anteriores de Moro.

Há semelhanças com o caso da facada e Adélio Bispo: gente desqualificada, nas margens da sociedade e com questões psicológicas, com uso irregular das redes sociais e súbita publicação de conteúdo de esquerda… laranjas perfeitos para operações especiais manejadas por militares de alto escalão. Além disso, parte dos ataques teriam sido feitos a partir de um endereço em Brasília!

Há quem ache que o tal vazamento pode ter sido plantado pela própria extrema-direita, que assim, neste lance altamente ousado, controlaria um conjunto de variáveis e pessoas impressionante… Como saber?

Walter, em seu depoimento, afirma que foi ele que passou os dados ao Intercept. Glenn respondeu de maneira um tanto vaga, mas parece que confirmou.

O dia fechou com a lista de atacados pelo hack aos celulares na casa dos mil, envolvendo ministros do STF, do STJ, Raquel Doge, Rodrigo Maia, Davi Alocumbre, o presidente Bolsonaro, deputados e deputadas. Moro ligou para várias autoridades avisando do ataque a seus celulares e garantindo que não leria o conteúdo e que iria apagar tudo – uma chamada com chantagem implícita.

O aumento de celulares supostamente hackeados serve para tirar Moro e Dallagnol do foco, e o apagamento de dados antes da perícia constitui um crime de obstrução de justiça. O ministro do STF Marco Aurélio protestou, assim como outras autoridades. A autonomia da Polícia Federal foi atropelada muitas vezes pelo ministro.

Saldo final: na minha bolha, a operação, a despeito de seu potencial perigoso, ficou como um serviço tipo Tabajara. O improviso trairia certo desespero de Moro e da Lava Jato, que precisam gerar um fato para contrapor à Vaza Jato. Os deslizes de Moro enfraqueceram sua posição pública, que foi bastante criticada (ainda que não muito fora do círculo usual de seus críticos). Ele avançou a Constituição em vários momentos e desprestigiou instituições como a Polícia Federal e o próprio ministério.

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, diz que o ministro da Justiça “usa o cargo, aniquila a independência da Polícia Federal e ainda banca o chefe de quadrilha ao dizer que sabe das conversas de autoridades que não são investigadas”.

26 de julho

Hoje de manhã a histeria baixou um pouco, mas uma notícia bizarra apareceu em alguns jornais: o ministro Moro teria publicado uma nova portaria que “Dispõe sobre o impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”, com o propósito aparente de intimidar o norte-americano Glenn Greenwald.

GG negou claramente que os hackers de Araraquara não são a sua fonte, e mostrou mensgem provando.

O deputado federal Filipe Barros protocolou na Procuradoria Geral da República um pedido de prisão temporária de Greenwald.

Novas revelações da Vaza Jato colocam que Dallagnol teria feito palestra e blindado empresa investigada pela Lava Jato…

Em depoimento ao final do dia, o suposto hacker Walter Delgatti envolveu Manuela D’Avila na sua narrativa.

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