Ato pela Educação 13A

No dia 13 de agosto de 2019, atos em todo o Brasil animam o cenário político da resistência ao desmonte do estado – mas o caminho é longo.

Fotos: Alice Vergueiro

Saí da estação Consolação do metrô para a manifestação pela educação. Eram 16h ainda, mas já havia certa atividade ligada ao ato: policiais se deslocavam pela avenida, muitos jovens com camisetas variadas agrupando-se em diferentes pontos da Paulista. De longe, vi os balões dos sindicatos no ar (APEOESP, SINPRO, UDEMO), em frente ao museu, mas também uma longa linha de PMs de jaleco verde, uns 200, ocupou o canteiro central. Depois soube que a PM não permitiu sair com o carro de som maior, e ela estressou a organização de várias maneiras.

Mas fiquei feliz de ver gente na rua protestando, um bom câmbio da ansiedade onanista das redes. R disse que viu, no ônibus, a camiho do ato, um figura de chapéu de feltro vermelho, camiseta vermelha, calça bordô e sapatos de bico fino vermelhos…. Com estrela branca na ponta!

As expectativas para hoje eram grandes, pois as manifestações anteriores deste ano foram expressivas, e a memória do Tsunami de maio está fresca. Desde a Vaza Jato que não há mobilizações de rua significativas (exceto talvez os indígenas, que ontem marcharam em Brasília, e ainda a Marcha das Margaridas), e há enorme pressão política difusa na sociedade buscando vazão. Alguma hora tem que jorrar.

Fotos: Alice Vergueiro

Mas algumas coisas mudaram no campo da Educação desde então. As universidades estão ainda mais em perigo, mas o plano do governo para o setor, o Future-se, deu uma capa de reforma aos cortes ideológicos. Era mais fácil e universal ser contra cortes em geral, mas mobilizar contra um plano de muitas medidas complexas – muitas ao gosto liberal – é mais difícil. O que poderia acirrar a ideia de que a UNE e demais organizações não se interessam pela educação mas querem “politizar” a questão e acomodar a oposição petista.

Não consegui contar direito quantas pessoas estavam presentes, mas três outras pessoas calcularam entre 15 e 20 mil. Bem aquém do Tsunami esperado.

Fui checar a Praça do Ciclista, perto da avenida Consolação. Tinha visto uma chamada de secundaristas para lá.

Cheguei com R no momento em que saíam em passeata: “Sou estudante, sou radical, tira a mão da minha federal”. Não vi os secundaristas autonomistas que esperava ver, achei que estes eram mais universitários. Vi bandeiras e faixas da ADUSP, UNIFESP, ADUFABC. Estavam animados e aguerridos.

Ainda na Praça do Ciclista, mas agora 18h, encontramos o companheiro E. Ele acabara de chegar do MASP e estava desanimado. Disse que o carro de som era potente demais e os discursos chatos como sempre. Disse também que os números não eram expressivos, nem de longe os 100 mil de maio. Insistimos mas ele acabou indo para casa, meio que resumindo o ânimo do dia: a sociedade não saiu com os estudantes e há problemas tanto no formato preferido das entidades estudantis e sindicais (carro de som único, retórica inflamada etc) quanto na presença de pautas não estritamente educacionais (Lula Livre e outras). Essa discussão arde na esquerda, e poderia ser resumida como dois entendimentos da luta: a da unidade (onde as diferentes lutas convergem e se hierarquizam numa única pauta, única direção e única voz, grande e forte) e a da diversidade (a força vem das várias vozes que caminham juntas, sem afunilamento no partido ou na direção).

O PT parece que não consegue (talvez não deva) não pautar a sua própria sobrevivência a qualquer custo, e tem medo de ser deixado para trás com Lula preso. Isso assusta muita gente “de centro” que ainda está antipetista e pesa no campo popular que deveria estar reimaginando o futuro e pensando alternativas ao capitalismo.

Caminhávamos em direção ao MASP quando a passeata saiu. Viramos o corpo e acompanhamos o povo. Na frente iam os autonomistas com sua faixa “- cortes + educação”. Traziam algumas bandeiras vermelho e negras e cantavam “Greve geral não é palanque eleitoral”. A Fanfarra Clandestina animava o setor com seus metais e batuques. Logo atrás vinha os pessoal das entidades estudantis, também com bandeiras: UNE, UMES, UBES e outras como da UJS e do PCdoB e ainda do Círculo Palmarino.

Fotos: Alice Vergueiro

À altura da rua Augusta, em frente ao Conjunto Nacional, paramos e senti muita tensão no ar. Soube depois que o comandante da PM estava nervoso com a frente do ato, que estava encostando na linha de motocicletas que ocupavam a via logo à frente da passeata. Na via oposta, que leva ao Paraíso, vi vários PMs que pegavam escudos e capacetes de uma van. Vi também a coluna de 200 jalecos verdes se posicionar. Temi o pior. Achei a reclamação da PM pouco convincente, já que era só as motos se deslocarem mais rapidamente, como sempre fazem.

Suspeito que a polícia não queria deixar os autonomistas abrirem ato e estavam forçando a organização do ato vir para a frente. Não é a primeira vez que vejo isso acontecer.

Depois de muita negociação entre a PM e advogados da OAB que estavam presentes, o ato prosseguiu sem mais, com a promessa de deixar 10 metros entre as motos e a passeata. Além disso, uns 200 manifestantes das entidades estudantis e sindicais, com seus balões, se interpuseram entre as motos e a faixa dos autonomistas. Passou do lado, buscando a frente do ato, o enorme faixão da UNE (O Brasil se une pela educação).

Passou a fotógrafa A e nos cumprimentamos. Encontrei C e ele me contou um pouco da negociação com a polícia, e lamentou a baixa adesão de hoje.

Fotos: Alice Vergueiro

Viramos à esquerda na avenida Consolação em direção ao centro. Observei os manifestantes e achei que eram em sua grande maioria militantes. Havia bem poucos cartazes feitos à mão, o que em geral indica pouca adesão da sociedade e de fora das bolhas esquerdistas. As mensagens eram todas corretas (“contra os cortes”, “mais educação” etc), mas não senti aquele transbordamento de criatividade que o derramamento e capilarização das pautas propiciam. Achei irônico que um dos poucos cartazes feitos à mão trazia “Trufa 1 Real”.

Vi um moletom “Antifascist Social Club” e uma camiseta “Canto de Esperança”.

Conversei com A, advogado da OAB que estava na frente do ato. Ele contou que a nova gestão da OAB São Paulo, depois de muitos anos, dá total apoio à Comissão dos Direitos Humanos, da qual A faz parte. Disse que o recente caso das ofensas de Bolsonaro aos mortos da ditadura, que inclui o pai do atual presidente da OAB Brasil, impactaram a entidade como um todo.

Eram 19h quando paramos na altura do fim do Cemitério da Consolação para ver a passeata passar e anotei os balões da CTB e do Sindicato dos Químicos, bandeiras do MST, do MEPR e da Ação Petista. Passou o carro de som, que era pequeno mas de som muito alto. Passaram as pessoas com bandeiras e alguns cartazes, e havia uns buracos na passeata. Subimos até a rabeira da passeata e encontramos gente muito mais animada.

Fotos: Alice Vergueiro

Conversamos com um moço que trazia enorme bandeira do Brasil com a inscrição “Verás que um filho teu não foge à luta”. Tinha visto mais duas bandeiras nacionais, e era bem impactante ver aquilo. Além disso, trazia o rosto pintado à moda dos “caras-pintadas” de antanho ou dos coxinhas de hoje. Ele contou que é da UMES e que deliberadamente buscavam retomar os símbolos nacionais da direita. “Nós somos os patriotas”, apontando as medidas entreguistas do governo Bolsonaro.

Logo depois paramos três figuras que traziam três pequenas faixas Lula Livre nas mãos, só que com os escudos do Palmeiras (2) e do Corinthians. Conversamos com eles e diziam que “o futebol é do povo” e que as histórias dos clubes, de origem imigrante e operária, justificavam a presença na luta. Pregaram a união das torcidas em frente antifascista. Chegou uma outra mulher, que não os conhecia mas que trazia na mão faixa idêntica à deles, do Corinthians. Festejaram todos juntos.

Fotos: Alice Vergueiro

Vi afinal mais cartazes feitos à mão: “Mobilizar até vencer os cortes e o Future-se”, “Moro Mente”, “Sem educação basta Bolsonaro”. Vi faixas do Faísca, do PSOL, e o faixão vermelho “Fora Bolsonaro. Liberdade e Luta”, e ainda outra “Abaixo a ditadura”. O pessoal do PSTU passou com sua faixa e um batuque, ao som do Bella Ciao, que cantavam com uma letra sua.

Passou M, de bicicleta e capacete, feliz. Conversamos um pouco.

Chegamos à altura do Mackenzie, que é colégio e universidade, ainda antes da rua Maria Antônia. O povo não perdoou: “A verdade é dura, o Mackenzie apoiou a ditadura!”, e para os prédios da região: “Trabalhador, vem ajudar, a nossa luta é pro seu filho estudar”.

A passeata chegou a seu destino, que era a Praça da República. O carro ainda irradiava discursos, mas a dispersão já começara. Encontramos S e E, que são da área do direito. Perguntei a respeito do clima na Procuradoria de São Paulo, se fala-se em Dallagnol ou na Vaza Jato. Concordamos que a Argentina nos proporcionou a melhor noite desde a posse de Bolsonaro.

Fotos: Alice Vergueiro

Encontramos O, que estuda o metrô de São Paulo em sua tese de mestrado. Contou um pouco das gestões passadas da cidade.

Eram 20h quando encerrei atividades. Avaliei que o ato foi desapontador. Hoje em dia a contagem de cidades onde eventos ocorrem ficou importante, e os números nacionais são expressivos: fala-se em um milhão de pessoas em 200 cidades pelo Brasil. Mas claramente a sociedade não está respondendo às chamadas. Perguntei a quase todo mundo o que faltava para que a adesão fosse massiva, já que há insatisfação crescente com o governo e com os rumos do país. Ninguém sabe responder ao certo, e também poucos arriscam prever o que o futuro próximo trará. Há uma esquerda que insiste que o problema é a necessidade de “esclarecer” a população. Ela beira o conspiracionismo ao citar a interferência americana e está atarraxada ao Lula Livre. As entidades sindicais e estudantis carecem de legitimidade, e não conseguem ler o que a base está faz tempo sinalizando. O caráter do trabalho e do estudo mudou, mas elas permanecem engessadas em formatos que espantam ao invés de mobilizar. Existe sim uma onda de desinformação, existe a polarização do ódio ainda, mas a relação base-direção está muito esgarçada.

Fotos: Alice Vergueiro

Peguei um ônibus e fui para casa.

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