Prévias nos EUA começam com horizonte nebuloso

Na largada republicana, em Iowa, Trump aparece forte e disputa decisiva deve ser sobre quem o enfrentará: Haley ou DeSantis. Mas tudo pode mudar em razão dos processos judiciais do ex-presidente, cujo calendário se choca com convenções estaduais

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O Partido Republicano dá seu pontapé inicial para a escolha de seu candidato à Presidência dos Estados Unidos nesta segunda-feira (15), com o caucus de Iowa. Embora represente uma pequena fração do número total de delegados da legenda em todo o país (apenas 1,6%), o estado pode ser decisivo para as pretensões daqueles que tentam tirar de Donald Trump a possibilidade de uma nova candidatura presidencial.

O chamado caucus, sistema escolhido por alguns estados para definirem os delegados que escolherão os presidenciáveis de cada partido em suas convenções nacionais, realizadas em junho, se dá em um período mais curto que as votações em urnas, em geral, à noite, e os eleitores devem comparecer pessoalmente. Somente os republicanos registrados podem participar em seus respectivos distritos. São feitos discursos em defesa de cada nome e depois os participantes votam. Os delegados são distribuídos de forma proporcional à votação de cada um.

As pesquisas mostram uma grande vantagem para Trump em Iowa, que varia entre 32% e 43% sobre o segundo colocado. A mais recente, da Universidade de Suffolk, aponta o ex-presidente com 54%. Após a desistência do ex-governador de Nova Jersey Chris Christie, Nikki Haley chegou a 22%, com Ron DeSantis aparecendo com 13%, de acordo com o levantamento.

Decisão para alguns

Iowa não é um estado que tem escolhido os vencedores das nomeações republicanas. Trump venceu lá em 2020, mas perdeu para Ted Cruz em 2016. Rick Santorum foi o vencedor em 2012 e Mike Huckabee em 2008, ambos derrotados na corrida pela indicação do partido. Mas se não define o futuro candidato, é uma eleição que pode decretar perdedores.

É o caso de Ron DeSantis. O governador da Flórida concentrou recursos em Iowa, obtendo o apoio do atual governador, Kim Reynolds, em novembro, além do endosso do influente líder evangélico local Vander Plaats. Mas as sondagens indicam que nem isso conseguiu dar um impulso em sua candidatura no estado.

DeSantis oscila entre a segunda e a terceira colocação, bem distante de Trump. Caso seja ultrapassado por Nikki Haley, pode até mesmo desistir da corrida, já que a primária seguinte, de New Hampshire, é mais favorável à rival, assim como a que será realizada na Carolina do Sul, estado onde a ex-embaixadora da ONU foi governadora por dois mandatos, em fevereiro.

Para Haley, é essencial, primeiro, derrotar DeSantis. Ambos disputam a esta altura o posto de principal republicano anti-Trump, embora ambos hesitem em atacar frontalmente o ex-presidente. Prova disso foi o último debate entre os dois, realizado em 10 de janeiro, no qual até chegaram a elevar mais o tom contra o líder das pesquisas, mas seguiram consumindo boa parte do tempo para atacar um ao outro.

Caso saia de Iowa como a principal desafiante de Trump, Haley tem perspectivas boas em New Hampshire. Primeiro, porque se trata de uma primária em que os eleitores independentes (não registrados como republicanos) podem votar. E neste segmento ela é a preferida.

Outro fator que pode favorecê-la é a desistência de Chris Christie. Ainda que, antes do anúncio de sua retirada, tenha sido vazado um áudio com críticas dele à rival, sendo o oponente que fazia críticas mais contundentes a Trump, a tendência é que boa parte dos votos que seriam dados a ele no estado possam migrar para Haley, que já vem crescendo nas pesquisas.

A última sondagem da CNN, conduzida pela Universidade de New Hampshire e realizada entre os dias 4 e 8 de janeiro, mostra Trump com 39% e a ex-governadora da Carolina do Sul com 32%, 12 pontos percentuais a mais em relação ao levantamento realizado em novembro. Chris Christie aparece com 12%, o empresário Vivek Ramaswamy com 8%, e Ron DeSantis tem 5%.

Uma vitória ou mesmo um bom desempenho na segunda colocação em New Hampshire manteria o ânimo dos doadores e daria gás para que Haley pudesse reverter a desvantagem que tem hoje em relação a Trump na Carolina do Sul, seu estado natal, cujas primárias serão realizadas em 24 de fevereiro.

E Trump?

Se perder para Haley em New Hampshire e na Carolina do Sul, a campanha de Trump sofreria um abalo forte, dada a vantagem que ostentava até agora. Mesmo assim, boa parte dos estados da chamada Super Terça (5 de março), dia em que as primárias mais importantes acontecem, dificilmente dariam uma vitória à ex-governadora.

É o caso de estados com tendência conservadora, tidos como redutos de Trump: Alabama, Arkansas e Tennessee. Na populosa Califórnia, o ex-presidente ostenta 56% e uma vantagem de 43 pontos percentuais sobre a adversária.

O que poderia ajudar a mudar o cenário seria a sobreposição das datas jurídico-criminais de Donald Trump com o calendário eleitoral. Em 4 de março, véspera da Super Terça, tem início o julgamento do caso federal, em Washington, sobre a acusação de tentativa de anulação dos resultados das eleições de 2020. Isso pode tirar o candidato da campanha em um momento fundamental. Ele é réu em quatro ações penais e enfrenta ainda outros processos nos âmbitos civil e eleitoral.

As implicações legais do ex-presidente seriam mortais para qualquer pretensão presidencial em outras épocas, pré-candidatos desistiram por muito menos, ainda mais dentro do conservador Partido Republicano. Mas, hoje, isso conta pouco. Com as novas dinâmicas eleitorais nas quais a extrema direita surfa bem, nada parece abalar uma parcela do eleitorado fiel ao bilionário.

De acordo com uma pesquisa Reuters/Ipsos encerrada nesta terça-feira (9), 46% dos eleitores republicanos concordaram com a afirmação de que “o país está em uma crise e precisa de um presidente forte que possa governar sem muita interferência dos tribunais e do Congresso”. O mesmo percentual discordou.

Mais do que a ascensão de Trump à presidência em 2016, sua resiliência e manutenção de base de apoio a despeito dos inúmeros escândalos e acusações contra ele são sintoma de algo mais profundo, relacionado ao descrédito da população estadunidense com seu sistema dito democrático.

Em um ambiente assim, clama-se por uma figura de autoridade, cenário que também se vê em outros países nos quais extremistas se saem bem. Tanto é que os principais adversários do ex-presidente na legenda temem atacá-lo por saberem que precisam de sua base e de suas crenças. DeSantis mimetiza a guerra cultural trumpista, enquanto Haley busca um figurino mais moderado, mas comunga de boa parte do ideário do líder das pesquisas.

O fator nevasca

O estado de Iowa está sob alerta de tempestades de inverno. Segundo a meteorologia, são esperados 15 a 30 centímetros de neve nas regiões central e no sudeste até terça-feira, e a temperatura pode chegar a incríveis -20ºC.

Para o professor de ciências políticas Steffen Schmidt, o mau tempo deve afetar a participação dos eleitores mais velhos no caucus, o que poderia afetar Trump desproporcionalmente, já que ele tem mais apoiadores na faixa etária mais elevada do que Haley e DeSantis.

Por seu lado, os trumpistas tentam manter a mobilização utilizando de uma estratégia comum à extrema direita em todo o mundo: as fake news. No ex-Twitter, uma jornalista pró-Trump publicou uma postagem sugerindo que o “Estado profundo”, representado pelo complexo militar estadunidense, estaria provocando a tormenta para prejudicar o ex-presidente e favorecer Haley. Por mais absurdo que seja, o tuíte tinha 8 mil curtidas até pouco mais de 11h30 da sexta-feira (12). Sinal dos tempos. E da nova forma de “fazer política”.

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