Por que o Vietnã está vencendo o coronavírus

Em janeiro, país já estava preparado. Mobilizou hospitais, criou campanhas e aplicativos de Saúde, decretou quarentena e pune quem espalha fake news. Fortalecido pelo sucesso, propõe agora aliança do Sudeste Asiático contra epidemias

Imagem: Vietnannet.vn
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A covid-19 é um problema verdadeiramente global, atingindo mais de 2,1 milhões em 17 de abril, com mais de 147.000 mortes em todo o mundo.

Desde o impacto direto na saúde até as consequências econômicas, sociais e políticas, a pandemia tem o potencial de remodelar países em todo o mundo – mesmo os que ainda não reportaram casos confirmados. Mas, embora os problemas sejam semelhantes, os impactos e as respostas de cada país são únicos.

Neste artigo apresentamos as medidas e repostas a covid-19 no Sudeste da Ásia, uma das seis regiões da Ásia, incluindo a Indochina e uma grande quantidade de ilhas. A organização que melhor representa a região é a Asean – Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) – com Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia, Brunei, Vietnã, Laos, Mianmar e Camboja. É o quarto bloco econômico do mundo, atrás da União Europeia, dos Estados Unidos e da China. Tem uma população de quase 700 milhões de pessoas.

Todos os membros da ASEAN relataram casos decovi-19 em seu território.

No começo de fevereiro Cingapura registrara mais de 80 casos de covid-19, o número mais alto fora da China. O país agiu rapidamente isolando doentes e testando todos com sintomas de gripe e pneumonia. Quem entrara em contato com os enfermos foi rastreado e colocado em quarentena.

Usou-se o “método de rastreamento de contatos” desenvolvido durante a epidemia de Sars em 2003, que abrange o registro meticuloso dos dados de contato, com funcionários entrando nos edifícios e entrevistando os infectados sobre seus movimentos recentes. Além disso, Cingapura multa indivíduos que não usam máscaras em público como medida preventiva. Eles podem prender por até seis meses ou multa de US$ 7 mil para quem ficar próximo de outra pessoa de forma intencional nas filas ou em locais públicos. Isso fez com que a vida pública continuasse normalmente. Todos os restaurantes, shoppings, escolas e escritórios permanecem abertos até o momento. 

Para resumir, Cingapura fez três ações básicas na gestão do surto de covid-19: fechar as fronteiras cedo, rigoroso rastreamento de contatos e muitos testes. Esse tipo de rastreamento de contatos apresentado em Cingapura é impensável no Ocidente, seja Europa, Estados Unidos ou Brasil. Eles defendem que é mais eficaz descobrir quem está infectado e isolá-los ao invés de todos ficarem colocados num ineficaz estado de semiconfinamento.

Porém, no dia 19 de abril, Cingapura ultrapassou a Indonésia em infecções por coronavírus e agora tem o maior número de casos no sudeste da Ásia. São 6.558 casos, à frente da Indonésia, que agora possui 6.248 casos, e das Filipinas, com 6.087 casos. Foi confirmando que dos 596 casos adicionais, apenas 25 são cingapurianos ou residentes permanentes. Esse aumento nas transmissões locais acontece entre os trabalhadores estrangeiros alojados em dormitórios muito apertados. Cingapura capturou 12 dos mais de 20 dormitórios afetados como áreas de isolamento com a maioria dos residentes infectados de Bangladesh, Índia, China e Mianmar. A expectativa agora é que exista uma segunda onda mais forte do vírus, situação similar ao Japão.

Nas outras ilhas do sudoeste asiático, as situações de Malásia, Filipinas, Indonésia, Brunei e Timor-Leste são muito diversas.

Na Malásia, país de 31 milhões de pessoas, mais de 5.000 foram infectados com covid-19 e 83 mortes foram relatadas. Depois de uma demora inicial para tomar medidas, o número de casos confirmados no país disparou após um evento religioso realizado em Sri Petaling, um subúrbio de Kuala Lumpur. O evento organizado pelo movimento missionário islâmico Tablighi Jama’at contou com a participação de cerca de 16 mil pessoas de toda a Ásia, sendo 14.500 malaios e 1.500 eram estrangeiros de Brunei, Indonésia, Cingapura e alguns outros países. O país registrou suas duas primeiras mortes pela doença em meados de março, nas quais uma delas havia participado do evento em Sri Petaling. Em abril uma série de medidas mais drásticas foram tomadas. Os bloqueios foram implementados em todo o país e também foi imposto um toque de recolher para todos os veículos das 22h às 6h diariamente. Foram mais de 9 mil pessoas presas por violar a ordem. O governo passou a implantar testes massivos para detectar casos positivos mais cedo e ajudar a minimizar a disseminação da covid-19.

A Indonésia, a quarta nação mais populosa do mundo, com 264 milhões de habitantes, composta por 17.000 ilhas, das quais 8.000 estão povoadas – colocam-na em uma posição mais perigosa em comparação com a maioria dos países da região. O presidente Joko “Jokowi” Widodo admitiu publicamente que  subestimou o vírus, resultando em várias semanas perdidas. Em março, o presidente Joko Widodo chegou a apresentar um plano para oferecer descontos de 30% aos viajantes em voos e acomodações para tentar impulsionar seu setor de turismo. Em 5 de abril, a Indonésia se tornou um dos países com a maior taxa de mortalidade por covid-19 do mundo. Estava em cerca de 9%, logo abaixo da Itália. Em 15 de abril, havia 4.839 casos confirmados e 459 mortes.

As Filipinas também demoraram para tomar medidas, em especial de restringir viagens e turismo da China, contribuiu em parte para seu status continuado como um dos países líderes em casos relatados de covid-19 no sudeste da Ásia. O Ministério da Saúde das Filipinas registrou no dia 19 de abril um total de 6.259 casos confirmados de coronavírus e 409 mortes. Na tentativa de conter a pandemia, o presidente Rodrigo Duterte colocou toda a ilha de Luzon em detenção em meados de março, ordenando que metade da população de 107 milhões do país ficasse em casa, fechando escolas e empresas e suspendendo o transporte público em uma tentativa de impedir a propagação da Covid-19. Duterte afirmou em 02 de abril que tinha dado ordens às policias do país e aos militares para atirarem em quem descumprir as regras de isolamento. “Minha ordem para a polícia e os militares foi, se houver problemas, se houve ocasião em que eles revidem e em que suas vidas estejam em perigo, atire neles para matar. Entendido? Para matar. Em vez de causar problemas, eu vou enterrá-lo”, declarou Duterte, em pronunciamento na TV. Mais recentemente, Duterte ameaçou uma aplicação, “semelhante a uma lei marcial”, do bloqueio de Luzon se as violações das medidas de quarentena continuassem.

Em Brunei o primeiro caso de covid-19 foi detectado em 9 de março de 2020. O sultão de Darussalam tomou as medidas como a proibição de viagens, restrições a reuniões públicas e solicitando que as pessoas trabalhassem em casa, mas o governo garantiu que não faltassem itens essenciais. Mesquitas e outros locais de culto foram fechados. E deu uma diretiva a todos os empregadores de que eles não devem deduzir os salários ou as férias anuais dos funcionários em isolamento ou quarentena. 

Além disso, o governo de Brunei anunciou que pagará 25% dos salários dos funcionários do setor privado por três meses para amortecer as perdas sofridas pelas empresas. Isso inclui uma parte do salário dos trabalhadores de micro, pequenas e médias empresas (MPME) que ganham BD $ 1.500 (US $ 1.053) ou menos. O governo também renunciou ao aluguel de pequenas lojas e barracas de comida.

No Timor-Leste, o mais inusitado foi o primeiro-ministro Taur Matan Ruak que retirou em 8 de abril o seu pedido de demissão do cargo que apresentou em 22 de fevereiro, citando a necessidade de continuidade na liderança política do país para ver a batalha contra a pandemia global de coronavírus.

Na Indochina os países também vem lidando com a pandemia de diferentes formas.

A Tailândia foi o primeiro país da região com casos confirmados. Depois de um atraso, fechou suas fronteiras, proibiu visitantes estrangeiros e impôs um toque de recolher parcial. As autoridades tailandesas admitiram publicamente que o impacto de medidas como o distanciamento social foi limitado. Há preocupações de que o governo tailandês, liderado por Prayut Chan-o-cha, que assumiu o poder em um golpe em maio de 2014, possa usar poderes ampliados para censurar a imprensa e reprimir oponentes. 

No Mianmar, os primeiros casos foram relatados em 23 de março. O governo regional impôs um toque de recolher das 22h às 4h em todos os municípios e impôs semi-bloqueios em sete municípios com o maior número de casos. No início de 16 de abril, o governo proibiu reuniões de cinco pessoas. Com grande setor têxtil voltado para exportação, os efeitos econômicos já são vistos. Os volumes de exportação de produtos manufaturados tiveram o maior impacto. O setor de vestuário, que emprega mais de 700.000 trabalhadores e responde por US$ 4,6 bilhões em receita de exportação – ou 10% de todas as exportações – enfrentou choques de oferta e demanda. Mianmar exporta 70% desses produtos para países europeus, a maioria dos quais vem aplicando bloqueios e fechando lojas não essenciais. Como resultado, até agora, 25.000 trabalhadores de mais de 40 fábricas de roupas foram demitidos.

O número de infecções por covid-19 no Miammar subiu para 111 no total, com mais quatro casos confirmados registrados em 19 de abril.

O Camboja tomou algumas medidas tardias, incluindo a suspensão de vistos estrangeiros, a declaração de estado de emergência e o cancelamento das celebrações do ano novo. Com o país registrando oficialmente algumas dezenas de casos a partir de abril e começou a alocar mais recursos econômicos para o setor de saúde em meio a preocupações com o sistema de saúde do país e sua capacidade de lidar com casos crescentes.

Embora o Laos tenha registrado apenas alguns casos até agora, o governo tomou medidas agressivas, incluindo o fechamento de fronteiras, a restrição de reuniões em massa, o cancelamento de eventos comemorativos e um bloqueio parcial. Também recebe assistência da China desde março.

A resposta rápida do Vietnã permitiu que ele contivesse o vírus inicialmente, apesar de sua alta vulnerabilidade como país que compartilha uma fronteira de 1.100 quilômetros com a China. Até o momento, o Vietnã não teve vítimas fatais como resultado da pandemia.

O Vietnã se preparou para o surto antes de registrar seu primeiro caso. Tendo experiência em responder à Sars, gripe aviária e outras epidemias, o Vietnã agiu rapidamente nos primeiros sinais da covid-19 em janeiro. 

O Ministério da Saúde emitiu expedições urgentes sobre prevenção de surtos a agências governamentais relevantes em 16 de janeiro e a hospitais e clínicas em todo o país em 21 de janeiro. Registrou seus primeiros casos em 23 de janeiro na cidade de Ho Chi Minh, apenas dois dias antes do feriado do Ano Novo Lunar. Dois cidadãos chineses de Wuhan chegaram ao Vietnã em 13 de janeiro e viajaram pelo país antes de serem hospitalizados em 23 de janeiro. Logo depois, o governo vietnamita aumentou sua resposta organizando o Comitê Diretor Nacional de Prevenção de Epidemias em 30 de janeiro , no mesmo dia em que Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto como Emergência em Saúde Pública de Interesse Internacional

Em 1º de fevereiro, quando o país registrou apenas seis casos confirmados, o primeiro-ministro vietnamita Nguyen Xuan Phuc assinou uma decisão declarando uma epidemia nacional do que era então conhecido apenas como o novo coronavírus (nCoV). Em 9 de fevereiro, o Ministério da Saúde realizou uma teleconferência com a OMS e 700 hospitais em todos os níveis em todo o país para disseminar informações sobre a prevenção e lançou um site para disseminar informações ao público em geral

Em 12 de fevereiro, uma quarentena de 21 dias foi imposta na província de Vinh Phuc, ao norte de Hanói. Essa decisão foi desencadeada por preocupações com o estado de saúde dos trabalhadores migrantes que retornavam de Wuhan, China, onde o vírus se originou. Foram 10.000 pessoas em quarentena por três semanas. 

Em 10 de março, o Ministério da Saúde lançou o aplicativo móvel de declaração de saúde para ajudar o público a relatar suas condições médicas e seguir a operação de rastreamento de contatos, pouco antes da OMS declarar uma pandemia global em 11 de março . 

O Vietnã anunciou um bloqueio nacional para combater a covid-19, com quase 100 milhões de pessoas ordenadas a não sair, exceto por necessidades alimentares e médicas, a medida mais extrema tomada ainda depois que o país teve sucesso inicial em limitar sua primeira onda de infecções. O governo vietnamita disse está prosseguindo “com o princípio de que todos os lares, vilas, comunas, distritos e províncias entrem em autoisolamento”. A organização de base da sociedade é, assim como na China, essencial para que as diretrizes territoriais sejam eficazes.

Como um estado de partido único, com serviços militares e de segurança grandes e bem organizados, o Vietnã conseguiu tomar decisões rapidamente e adotá-las prontamente. Oficiais de segurança do Partido Comunista podem ser encontrados em todas as ruas e cruzamentos em todos os bairros e em todas as aldeias. As forças armadas também estão empregando soldados e material na luta contra o coronavírus. O Vietnã também está aplicando uma espécie de retórica de guerra em sua luta contra o coronavírus. O primeiro-ministro disse: “Todo negócio, todo cidadão, toda área residencial deve ser uma fortaleza para evitar a epidemia”. Isso afetou muitos vietnamitas, que se orgulham de sua capacidade de se unir em uma crise e enfrentar dificuldades.

Suas medidas anti-coronavírus passaram a incluir quarentenas obrigatórias de 14 dias para quem chega ao Vietnã e o cancelamento de todos os voos estrangeiros. Ele também isolou as pessoas infectadas e começou a rastrear qualquer pessoa com quem pudesse ter entrado em contato. As autoridades realizaram testes seletivos e potenciais casos em quarentena. Ao contrário de outros países asiáticos mais ricos, o Vietnã não está em posição de conduzir programas de testes em massa. A Coreia do Sul, por exemplo, testou 338.000 pessoas. No Vietnã, esse número é de apenas 15.637 pessoas (números de 20 de março de 2020). Com uma abordagem equilibrada no combate à epidemia e na manutenção de políticas econômicas abertas, garantindo ao mesmo tempo atualizações regulares disponíveis ao público.

O governo também pediu a todos os cidadãos que preenchessem as declarações de saúde on-line e enviaram atualizações regulares de mensagens de texto em todo o país. Ele fornece atualizações diárias sobre infecções à mídia, que relata cada pessoa infectada como um número de caso e anuncia voos e locais relacionados a infecções, pedindo às pessoas que reportem ao hospital se eles estiveram nesses voos ou nesses locais. Em algumas situações em que os testes são solicitados para edifícios inteiros, os gerentes solicitam que os residentes falem se souberem que os vizinhos estão evitando testes. 

A mídia controlada pelo Estado também lançou uma campanha massiva de informação. O Ministério da Saúde até patrocinou uma música no YouTube sobre a lavagem adequada das mãos que se tornou viral. A mídia estatal também cobriu constantemente os pontos críticos da pandemia, como China, Itália, Espanha e Estados Unidos, para aumentar a conscientização pública sobre a seriedade da covid-19 e demonstrar o essencial de uma intervenção governamental sólida. O aparato digital também ajudou a conter a disseminação de rumores e notícias falsas, além de medidas punitivas contra pessoas que divulgam informações imprecisas ou se envolvem em lucros. Qualquer pessoa que compartilhe notícias falsas e informações erradas sobre o coronavírus corre o risco de receber uma visita da polícia e cerca de 800 pessoas foram multadas até o momento.

Laços de solidariedade também são vistos. Um empresário vietnamita na cidade de Ho Chi Minh inventou uma máquina de distribuição automática 24 horas por dia, 7 dias por semana, fornecendo arroz gratuito para pessoas que estão sem trabalho 

O Vietnã também tem prestado assistência aos países do Sudeste Asiático menos desenvolvidos e pressionado por uma resposta regional como detentor deste ano da presidência rotativa da ASEAN, este ano. Bilateralmente, o Vietnã doou kits de teste e máscaras para muitos países. Entre eles, o Camboja, o Laos, os Estados Unidos, Reino Unido e Espanha são seus parceiros estratégicos e abrangentes. O Vietnã propôs a criação de reservas regionais de produtos médicos e essenciais em caso de emergência e organizando exercícios on-line no Centro de Medicina Militar da ASEAN para responder a epidemias. E, por fim, os membros da ASEAN e seus parceiros de diálogo China, Japão e Coreia do Sul concordaram em princípio em estabelecer um fundo conjunto para combater a pandemia. 

Os países do sudoeste asiático vem tendo diferentes respostas para a covid-19. A cooperação regional vem sendo debatida como forma de superar a situação. Destaca-se o caso do Vietnã que, com baixo recurso e eficiência política, está conseguindo conter a pandemia, sendo um ótimo exemplo para os países em desenvolvimento.

É certo que a região sofrerá de diversos impactos. Tailândia e Vietnã dependem muito do turismo. Miammar, Indonésia, Vietnã, Filipinas e Malásia tem polos de exportação. Cingapura como centro logístico depende do comércio global. A expectativa são dezenas de milhões de desempregados na região. Entretanto, mesmo neste cenário, o que estamos vendo é que a resposta da China, Coreia do Sul e do Norte, Taiwan e a mais recente mobilização dos países do sudeste asiático revela uma articulação de políticas muito superior à do Ocidente que, pelo visto, vão demorar mais tempo para controlar a pandemia e reativar a economia. E a consequência geopolítica é que o centro de gravidade do mundo vai se deslocar com mais força e intensidade em direção à Ásia.

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