Apelo sem proselitismo algum

O desfecho da eleição ameaça seriamente a existência de quatro pessoas que me são infinitamente queridas — necessárias como o ar que respiro, pois da existência delas depende a minha

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Por Aírton Paschoa | Imagem: Pablo Picasso, O Enterrro de Casagemas (1901, detalhe)

Queridxs amigxs,

Como sabem, nunca fui de fazer proselitismo político e não é nesta altura da vida que o faria. Vou pedir-lhes apenas um instante de reflexão, nada mais, nesta quadra difícil que atravessa o País.

Tenho um filho gay, um filho petista, uma nora feminista e ativista de direitos humanos e uma mulher que ensina economia e marxismo na USP e na Ufabc, quatro criaturas amáveis e gentilíssimas, como sabe quem as conhece, incapazes de fazer mal a uma mosca, bem formadas que são de cabeça e de coração.

Essas quatro criaturas merecem existir?

No Brasil de Bolsonaro, a resposta é não. As quatro devem ser exterminadas. E aí está a morte deplorável, com 12 facadas nas costas, do Mestre Moa na Bahia, aí estão, a duas semanas da eleição, os quase cem ataques a negros, a mulheres, a nordestinos, a LGBTQs.

É este mesmo o país que queremos?

Dizer que o Bolsonaro nada tem que ver com isso, ou que se trata apenas de discurso de campanha, ou que será ele controlável depois de eleito, significa fazer vista grossa à promoção permanente que faz da violência (de que já foi inclusive vítima) como meio de resolver conflitos inerentes a toda sociedade democrática; significa fazer vista grossa às crescentes milícias que vem fomentando seu discurso de ódio e sua campanha odiosa, as quais milícias aterrorizam e insultam e agridem a quem pensa ou reputam diferente, tudo com a cobertura de nossa polícia, cuja formação infelizmente autoritária defende tais grupos.

Todos sabem que o PT já passou treze anos e meio no governo e não fez nada daquilo que falam tanto, não transformou o Brasil na Venezuela, não forjou nenhum regime totalitário, não proibiu de atuar igreja, imprensa, polícia, promotores, juízes, não fez absolutamente nada do que seus inimigos caluniosamente alardeiam. Foi um governo comum, com grandes erros e grandes acertos, com corrupção, às vezes grande também, como são todos os governos, pela qual aliás vem pagando, e que procurou, com políticas públicas, abrandar nossa imensa desigualdade social, — verdadeiramente vergonhosa aos olhos de países civilizados (os quais, diga-se de passagem, veem com preocupação o cenário de guerra no Brasil).

Por isso peço-lhes apenas que meditem, mas meditem também com o coração, sobre o tempo sombrio que anuncia a eleição do Bolsonaro.

Fosse ele um candidato qualquer de direita, como tantos que já tivemos e temos, jamais estaria escrevendo esta carta. Só o faço porque seu governo, que nem começou e já se mostra terrorista, ameaça seriamente a existência de quatro pessoas que me são infinitamente queridas, mais que infinitamente queridas, aliás, simplesmente necessárias, como o ar que respiro, pois da existência delas depende a minha.

Recebam o abraço melhor deste pai e sogro e marido apreensivo (e que decerto não é o único).

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9 comentários para "Apelo sem proselitismo algum"

  1. Arthur disse:

    Infelizmente parece que a candidatura desse abjeto sujeito ponha às claras a violência, a intolerância e o primitivismo que estão na origem da formação do Brasil.Claro que deve-se levar em conta para isso o papel da mídia canalha, das elites econômicas, da máfia togada etc. Porém, lamentavelmente o Brasil caracteriza-se a mais de cinco séculos pela injustiça,privilégios para poucos, violência e primitivismo.

  2. maria Tereza Goudard Tavares disse:

    Muito bom artigo, sensível e amoroso,. A vida é maior que o ódio e a ignorância. A vida pede vida.Não abriremos mão da democracia. A Vida é o maior valor que podemos preservar. Não vamos
    apostar no ódio.

  3. Maria Victoria de Mesquita Benevides disse:

    Airton e Leda, li com grande interesse e intensa emoção o artigo acima. Posso perfeitamente me colocar na mesma situação e sentir o que vocês sentem. Estamos numa fase terrível de nossa história e temos medo.
    Mas estamos Junto e vamos continuar ,Estou repassando. Um grande abraço, Maria Victoria Benevides

  4. danmoche disse:

    Airton, na dialética da historia, ao ascenso do fascismo correspondera o de uma contracorrente democrática. Se cuide e cuide dos seus. A vida, Le Haim!

  5. Alan Silva disse:

    A guerra é psicológica, meus caros! A partir da eleição Bolsonaro, haverá o mundo dos loucos e o das mentes saudáveis. Adivinha qual mundo será o vosso? A imagem antropológica do guerreiro Bolsonaro vai atormentá-los a todo instante. Tenho certeza que a snowflake generation irá parar na psiquiatria. Vocês são subprodutos da própria ideologia. Não irão resistir à queda do império, que foi construído com base na novilíngua. O munda de fantasias ruirá. Ah, ordem (palavrinha que os atormenta) é poder! Veja o que o Bolsonaro fez com seu oponente. Este está desconcertado. Até negou o Kit Gay e virou “religioso”. Vocês (subprodutos das agendas) não perceberam ainda que são descartáveis pela própria esquerda?

  6. eduardo teixeira disse:

    Prezado amigo me solidarizo com sua e nossa posição lembrando , sem fazer ironia , que sua situação se complica pois dentro da visão eugenistica da facção voce tambem está sob risco dado o demonstrativo de seu quadro familiar

  7. priscila figueiredo disse:

    belíssimo apelo para que evitemos a realidade mais grotesca

  8. Paulo Cezar de Mello disse:

    O autor desse belo texto é Antonio Martins ou Aírton Paschoa? Como aparecem os nomes dos dois, fiquei em dúvida.

  9. MC disse:

    Uau, grande artigo/apelo! Disse muito bem a quantos um governo fascista pode afetar. Precisamos unir nossas forcas agora para evitar decadas de sofrimento…

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