A sede dos homens e dos animais

As cisternas eliminaram a sede humana mortal do Nordeste. Mas circulam imagens de animais nas cidades, em busca de água e comida. Não nos esqueçamos deles, e lembremos: o modelo agrícola atual é devastador a todos os seres vivos

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Na longa experiência de vida aqui pelo Semiárido Brasileiro, sertão do Nordeste, sempre em equipe, vimos pessoalmente muita fome, sobretudo na década de 80. Ali, em Campo Alegre de Lourdes, na divisa com Piauí, na chamada seca de 79 a 83, nossos olhos viram a fome, a sede, as migrações, os saques, a mortalidade infantil e adulta, o sofrimento das mulheres para colocar uma lata de lama nos potes. Essa via-sacra era cotidiana e muitas vezes a água contaminada dos barreiros estava a uma légua – 6 km – distante de suas casas. Hoje, com as cisternas, as adutoras de porte pequeno e médio, com todas as políticas públicas, a sede mortal já não é mais um problema chave nesses fenômenos socioambientais macabros como naqueles tempos.

Entretanto, não sai da memória a fome e a sede dos animais. Era desesperador vê-los arrodearem as casas de tarde pedindo água e comida, sobretudo o balido das ovelhas e cabras. Por isso, entendo perfeitamente aqueles que, além de se sensibilizarem com a fome humana, também se preocupam com a fome e a sede dos animais.

Esses dias circulam na internet várias cenas de animais selvagens invadindo as cidades, inclusive onças pintadas e gatos do mato. Quando seus habitats são destruídos, extinguem-se seus espaços de moradia e suas cadeias alimentares. A devastação das matas e florestas impactam diretamente a fome e a sede dos animais.

Porém, a cena mais gritante apareceu no ano passado, quando centenas de jacarés se aglomeravam esquálidos numa lagoa do Pantanal, como que querendo encontrar um último espaço de vida. Essas cenas nos remetem para a ligação umbilical entre o ambiente e a fome. Ambientes preservados sustentam a cadeia alimentar dos animais e saciam a fome humana, se a agricultura for familiar e agroecológica. Porém, devastar para produzir algumas comodities agrícolas como cana, soja e florestas plantadas, não gera alimentos, mas a fome de humanos e dos demais animais.

Nessa Campanha da Fraternidade contra a fome, que vai atravessar esse ano, mas é para sempre, não nos esqueçamos também da fome e da sede dos animais. Na Fraternidade Universal de São Francisco somos todos irmãos. Fratelli Tutti!

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