Educação: contra a terra arrasada, voltar aos mestres

As ideias de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire dão pistas para construir um novo projeto de país, através de um ensino público crítico e conectado às novas tecnologias. O primeiro passo: superar ideia neoliberal que o vê como “custoso”

Anísio Teixeira, considerado o criador da escola pública no Brasil
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O baiano Anísio Teixeira (1900-1971) e o mineiro Darcy Ribeiro (1922-1997) se completavam. Juntos traçaram os rumos para a educação no Brasil como projeto para o desenvolvimento. A eles se junta o pernambucano Paulo Freire (1921-1997). Eles são referência mundial em educação.

Décadas de abandono da educação, mais os quatro anos de destruição do sistema, chegamos a uma situação de caos. O que fazer?

Saídas para o caos em que foi mergulhada a educação há; está tudo nas obras desse trio de gênios. Anísio e Darcy estavam juntos no Conselho Nacional de Educação quando inventaram a Universidade Nacional de Brasília (UNB). O presidente João Marques Goulart (1919-1976), o Jango, convocou Darcy Ribeiro para ser o chefe da Casa Civil da Presidência da República, sem chance de recusar, e Anísio ficou de reitor na Universidade pensada para ser modelo para o ensino superior no país, para pensar o país.

Paulo Reglus Neves Freire estava na Zona da Mata Pernambucana trabalhando no Movimento de Educação de Base. O MEB, projeto de alfabetização de adultos que empolgou setores da juventude: todo mundo queria ir alfabetizar. Os Centros Populares de Cultura (CPC) da UNE foram criados com a intenção de fazer ação cultural junto com os marginalizados.

Alfabetizando, Paulo Freire criou uma pedagogia: um método. No governo, Darcy transformou o projeto de alfabetização e o método em política pública de Estado e colocou, claro, Paulo pra dirigir. O golpe dos militares, de 1964, pôs tudo a perder e os três tiveram que partir para o exílio.

Anísio Teixeira é uma figura singular, sua extensa obra teórico e prática requer muito espaço. Para se ter uma ideia, eu digo com todas as letras, Anísio inventou a Escola Pública para o Brasil e, não fosse Anísio, não teríamos nem Darcy nem Freire. Convivi com Freire e com Darcy que se vivos fossem endossariam minha assertiva.

Na Republica Velha, a educação existia somente para os filhos dos oligarcas. Para o resto a má escola para manter marginalidade e perpetuar a hegemonia.

Nada havia além da má escola.

A Revolução de 1930 veio para mudar a ordem oligarca e dar voz às demais classes emergentes. A Revolução veio com um projeto de criar condições para ingressar na era industrial e tecnológica e o único caminho era a educação. Vargas semeou o país de escolas: escola normal para formar professoras, escolas primárias e secundárias, escola técnicas para formar técnico de nível médio, universidades federais em cada estado.

Anísio, em 1932, trabalhava na Secretaria de Educação do Distrito Federal no Rio, então capital, quando criou a Universidade Federal do Rio de Janeiro e lançou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Nova era a palavra chave, que incitava a gerar a nova escola e o novo homem para a sociedade industrial.

Os Pioneiros previam um sistema completo de educação para atender as necessidades dessa nova era que se iniciava: a das grandes transformações. Propunham o ensino universal, obrigatório e gratuito até os 18 anos, financiado pelo Estado e por fundos gerados envolvendo sociedade civil. O manifesto está disponível em PDF na web, vale a pena.

O conceito de escola nova não satisfazia. Anísio foi convidado para assumir a Secretaria da Educação na Bahia, aceitou e foi desenvolver na prática o que entendia como conceito para educação integral, mais que integral, progressiva. Em 1936, criou na Bahia o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, a primeira Escola Parque, a fonte para o desenvolvimento de teorias associadas à prática. Tudo está documentado.

A escola pública, universal e laica, gratuita e pautada pela liberdade. No complexo educacional funcionavam quatro escolas-classe de mil alunos cada, integradas à Escola Parque com capacidade para quatro mil alunos. O conceito foi elogiado pela Unesco, que o recomenda para ser adotado como política pública por países que pretendem se desenvolver.

Anos mais tarde inspirou o projeto adotado por Darcy Ribeiro e Leonel Brizola com a criação dos Cieps no estado do Rio de Janeiro e, anos depois, por Marta Suplicy, com os CEUs no município de São Paulo.

Mudam os conceitos didáticos e pedagógicos

Não se trata mais de aprender, memorizar, mas sim de compreender e se expressar.

Quantas formas de se expressar existem?

Para isso a escola e os professores têm que oferecer os meios para que se expressem, seja através da fotografia, da pintura ou da dança, da música ou das letras, ou através das novas tecnologias cibernéticas.

Educar não é ensinar matemática ou história, é desenvolver capacidades e o espírito crítico. Nas palavras de Freire, desenvolver o olhar crítico e criativo da realidade. A escola com liberdade, de Anísio, tem que ser também libertadora, como reza a Pedagogia do Oprimido. A criança e o adulto aprendem por experiência trabalhando em seu universo próprio.

Na construção de Brasília, o arquiteto e o urbanista tiveram que refletir para fazer funcionar no concreto armado os conceitos de Anísio. Assim, para cada superquadra foi arquitetada uma Escola Parque. Nela o aluno permanece nove horas, com dois períodos de quatro horas.

A criança entra na escola, assiste aulas das disciplinas regulamentares, tem educação física, oferece arte, oficinas culturais, assistência médica e dentária, café da manhã, almoço, lanche e janta, entrega a criança pra mãe limpinho pra ser curtido e dormir.

Fernando Henrique Cardoso abominou o projeto argumentando ser caro de mais? Em debate público, Brizola lhe contestou: “cara mesmo é a ignorância. Olha o que custa para este país a ignorância não é brincadeira. A ignorância permeada nas elites tem levado o país a essa situação”. Vale a pena ver, é curtinho trecho do debate eleitoral de 1989.

Então é isso. Por considerar cara a educação, os neoliberais deixaram de investir. O país, assim como a educação e a saúde, está à deriva.

A ideia de remodelar o país pela educação está dada nos projetos e nas ideias de nossos próceres, os três gênios da educação. Está dada também pelos técnicos e intelectuais formados na escola desses próceres. Eu sou um deles. O jornalismo que faço é documental, educa e instiga o espírito crítico

Em 1934, como diretor da Instrução Pública no Rio de Janeiro, então capital do país, Anísio publicou o livro Educação progressiva: uma introdução à filosofia da educação em que, profeticamente, vaticinava:

“Vai, porém, muito adiantada a marcha da humanidade, nas suas adaptações e readaptações sucessivas. […] As mudanças são tão aceleradas que, se a distância e a diferença de ritmo entre a escola e a sociedade permanecessem as mesmas de outros tempos, ao terminarmos a nossa educação escolar, seria necessário começá-la de novo, tão longe, tão adiante já se acharia a vida”.

Tão longe e tão distante foi parar a escola e a vida por obra e graça de governos neoliberais que desprezam a educação. Tão árduo e tão longo será o caminho para restabelecer a escola e, mais que tudo, recuperar as pessoas; recuperar o atraso das pessoas.

A má escola gerou 70% da população analfabeta funcional. Essa é a realidade hoje a ser superada. Elites incompetentes, como assinalou Leonel Brizola, levaram o país a essa situação.

Situação de descalabro, com doutores e generais que nunca leram um livro. Meninos e meninas com fome não conseguem estudar. O diagnostico está na mídia, está no relatório da equipe de transição. Tentemos ser o mais propositivo.

Como reverter o país do descalabro, da ruína, para o progresso, para o desenvolvimento, eis a questão crucial da atualidade e só há um caminho: o da educação.

Educação e cultura permeando tudo.

Superar o analfabetismo funcional, a ignorância, colocando todo mundo de novo na escola; na boa escola. Não precisa ser a escola da esquina, mas a escola que funciona em todos os lugares, em todas as horas, com todos empenhados em superar o atraso.

É fundamental recuperar os espaços de memória e criar novos, pois sem memória não há história e povo sem história é povo sem futuro.

Assim como na década de 1930, é preciso envolver as mentes através da educação no projeto de país. Educação voltada a repensar o país, a reconstruir o Estado nacional, pensar a democracia necessária, reconquistar a soberania.

Naquele Brasil de Anísio, o mundo novo que se descortinava era o projeto de incluir o país na modernidade através do desenvolvimento, tendo a indústria como locomotiva. Hoje a situação se assemelha inclusive dada a necessidade de reindustrializar o país. O que difere, sem nos separar, são as novas tecnologias, a necessidade de estar preparado para um mundo novo fundado na cibernética, na inteligência artificial.

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