A Bolívia a um passo de derrotar os golpistas

Apesar das protelações, pesquisas e primeiros resultados mostram clara vitória eleitoral de Luís Arce, do MAS. Resultado confirma: onda de direita na América Latina pode ser batida. Futuro presidente liderou reformas anti-neoliberais

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Tudo é incerto numa Bolívia devastada por quase um ano sob golpe de Estado, mas o apoio popular a Luís Arce, ex-ministro de Evo Morales parece capaz de derrotar a brutalidade das elites. Passadas poucas horas do pleito presidencial deste domingo, duas pesquisas de boca de urna sinalizaram que o economista do Movimento ao Socialismo (MAS) havia ultrapassado com folgas os requisitos para liquidar a eleição já no primeiro turno. Arce teria ultrapassado 52% dos votos, contra pouco mais de 30% de Carlos Mesa e 15% do ultradireitista Luís Fernando Camacho. Segundo a Constituição boliviana, basta ter 40% dos votos, e mais de dez pontos percentuais de distância sobre o segundo colocado.

Ainda na noite de ontem (18/10), a presidente ilegítima Jeanine Áñez confirmou o prognóstico, numa rede social, ao afirmar que os dados de que dispunham indicavam a eleição de Arce. Mas a atitude do Tribunal Superior Eleitoral, que deixou de divulgar os resultados parciais de seu sistema de contagem rápida, levantava suspeitas de que, como no ano passado, possa haver tentativa de melar os resultados. As próximas horas serão decisivas.

Luís Arce, candidato do MAS, prepara-se para votar, no em 18/10

A vitória de Arce premia uma resistência popular e política que não se curvou à brutalidade do golpe e seus podersosos aliados internacionais. As eleições de 20 de outubro do ano passado, deram vitória a Evo Morales. Mas foram imedidatamente contestadas pela oligarquia branca, que contou com o apoio da Organização dos Estados Americanos (OEA). Sem dispor de nenhum dado concreto, esta entidade, sob forte influência dos EUA, declarou as eleições irregulares – o que seria negado por investigação independente meses depois. A pressão combinada das elites e de Washington desencadeou, a partir de 8 de novembro, o golpe propriamente dito. Falanges de extrema direita sequestraram familiares dos ǵovernantes e dos líderes do Legislativo, forçando-os a renunciar. As forças policiais amotinaram-se. Evo precisou deixar a Bolívia para não ser preso ou morto. A presidência foi assumida pela senadora Jeanine Áñez, que se aproveitou da onda de violências. Sua posse, ilegítima e ilegal, foi no entanto tolerada pela oligarquia, pelos EUA e pelos governos neoliberais da região. Brasília destacou-se, nesta ação infame. Em junho deste ano, revelou-se que, nos dias que precederam o golpe, Jeanine viajou secretamente ao Brasil, por 16 dias – fazendo paradas na capital e em diversas outras cidades.

Embora assumisse sob a promessa de permanecer poucos dias no poder, a presidente golpista estendeu seu mandato o quanto pode. Novas eleições foram marcadas e adiadas três vezes. Para confirmar que ocorressem no último domingo, foi necessária uma grande mobilização indígena e popular em julho – um paro que interrompeu as principais estradas e avenidas do país.

A jornada de paros de julho, que obrigou o governo golpista a finalmente realizar eleições

Nem Evo nem seu vice, Alvaro Garcia Linera, igualmente exilado, puderam concorrer. Mas a escolha de Luís Arce como candidato do MAS tem sentido simbólico igualmente importante. Arce dirigiu o ministério da Economia durante quase todo o período do governo de esquerda em La Paz (afastou-se por meses para tratar, no Brasil, um câncer de rim). Comandou duas políticas estruturais que deram à Bolívia prosperidade econômica inédita e permitiram as medidas de redistribuição de renda que reduziram fortemente a pobreza.

A primeira, e mais importante, foi uma série de nacionalizações – em especial do petróleo e do gás, antes controlados por empresas estrangeiras. Com a riqueza natural investida na melhora das condições de vida, a Bolívia foi, no período entre 2006 e 2019, o país latino-americano em que o PIB mais cresceu. Também sob a batuta do então ministro, começou um processo graditivo, porém decidido, de industrialização. Um dos alvos principais era o lítio, indispensável para produção das baterias hoje indispensáveis no mundo digital. A Bolívia tem as maiores reservas do metal do mundo, mas a decisão de tirar proveito delas levou o bilionário Elon Musk a escrever, há poucas semanas, sobre o país: “Vamos dar o golpe em quem quisermos. Lidem com isso”.

Nada está resolvido ainda, mas a provável vitória de Luís Arce torna muito mais complexo –e menos desfavorável – o xadrez político da América Latina. A onda conservadora, que se impôs na região a partir do início da década agora acumula três derrotas eleitorais importantes: no México e Argentina – os dois países mais ricos, depois do Brasil; e agora na Bolívia, onde há a força simbólica da mobilização popular enfrentando neoliberais e ultradireitistas.

Os acontecimentos podem contribuir para a reflexão política no Brasil. Eles indicam estas duas correntes conservadoras são mais vulneráveis do que às vezes se pensa – desde que haja oposição resoluta a elas e busca de alternativas.

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2 comentários para "A Bolívia a um passo de derrotar os golpistas"

  1. Joma disse:

    A Democracia Boliviana, através de Luís Arce, venceu, mas as ideias anti-democratas do Evo Morales não venceram. Evo Morales queria ser um ditadorzinho ao modo de Maduro, mas suas más intenções falharam. Evo queria manipular o Tribunal para se recandidatar irregularmente, mas o Tribunal não o permitiu e assim teve a ousadia de cometer fraude nas eleições para poder ficar no poder – nessas eleições de 2019 o Evo deveria ter naturalmente cedido a candidatura a Luís Arce mas não o quis fazer, pois desejava perpetuar-se no poder.
    E por aqui neste Brasil, o irresponsável Bolsonaro venceu as eleições presidenciais porque a esquerda, acima de tudo a do PT e restante extrema-esquerda, vive golpeando a si própria, à Democracia e à Transparência. E porque o Bolsonaro é populista, o povo brasileiro dá-lhe seu apoio político facilmente em troca de apoios sociais que têm que ser obrigatórios em qualquer governação. A Esquerda, se quiser vencer eleições, tem que passar por uma profunda renovação política.

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