Um concerto em Palmira

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Na Síria, em anfiteatro romano onde o ISIS executou ao vivo 25 prisioneiros, orquestra russa toca Bach e Prokofiev. Moscou parece ter compreendido a importância do “soft power”

Em julho de 2015, os ultra-fundamentalistas do ISIS, que controlavam, na Síria, a cidade de Palmira, encenaram uma cena macabra, num anfiteatro construído pelos romanos no século II. Vinte e cinco prisioneiros foram executados, diante das colunas erguidas há dois milênios, por 25 crianças e adolescentes. Em setembro de 2015, a Rússia entrou na guerra contra o ISIS, apoiando com ataques aéreos o exército nacional sírio. Em 23 de março deste ano, Palmira foi reconquistada; e os fundamentalistas, expulsos. Ontem, Moscou celebrou o feito em alto estilo. Exatamente no mesmo local da execução, a orquestra sinfônica Mariinsky, dirigida pelo maestro Valery Gergiev — que é também o principal regente das sinfônicas de Londres e Munique — executou obras de Bach e dos compositores russos Sergei Prokofiev e Rodion Shchedrin.

Foi um ato de celebração e propaganda meticulosamente preparado. Além dos músicos, um grupo seleto de jornalistas internacionais foi convidado pelos russos, conduzido de avião a Damasco e em ônibus especiais até Palmira. Entre a plateia havia ainda os embaixadores de dezenas de países junto à Unesco.

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O investimento foi mínimo, diante das repercussões. A TV russa transmitiu o espetáculo ao vivo, do início ao fim. Em seguida, registrou o agradecimento feito, ao vivo, pelo presidente Vladimir Putin (que, segundo sondagens, é apioado por 80% da população russa) aos músicos. Mas o objetivo ia muito além de alcançar apoio interno. O concerto ocupa, hoje, as páginas principais de dezenas de grandes jornais, TV e portais em todo o mundo.

Interessada em projetar seu poder num mundo conturbado, a Rússia realizou, nos últimos anos, um esforço que vai muito além da impressionante modernização de seu exército. Ela parece ter compreendido o poder do soft power, a capacidade de convencimento. Investe, por exemplo, somas consideráveis para manter agências de notícias profissionais com sedes em Nova York e Londres. Russia Today e Sputnik News não se parecem em nada à sisudez e oficialismo do antigo Pravda. A campanha militar na Síria foi breve e pontual: terminou em 26/3 último. Não há sinais de atentados aos direitos humanos, ao contrário do que ocorre frequentemente com os EUA.

Mas a apresentação musical de ontem resgata uma iniciativa da resistência soviética ao nazismo. Em agosto de 1942, durante o cerco alemão a São Petesburgo (então Leningrado), os músicos famintos da sinfônica da cidade tiveram o privilégio de executar a apresentação inaugural da Sinfonia nº 7 de Dmitri Shostakovich.

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