Tarifa Zero para revolucionar os transportes

Membros da gestão Erundina contam em livro a história de sua luta pela gratuidade no transporte público em São Paulo – e defendem a urgência da proposta para o Brasil de hoje. Quem apoia nosso jornalismo concorre a 4 exemplares

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Outras Palavras e Fundação Rosa Luxemburgo sortearão quatro exemplares de Tarifa zero – a cidade sem catracas entre os apoiadores do nosso jornalismo. O formulário de participação será enviado por e-mail e as inscrições serão aceitas até terça-feira, 6/9, às 14h.

Em 1988, ainda no período de transição após a ditadura, a esquerda alcançou o feito de chegar à prefeitura da maior cidade do país. Com a paraibana Luiza Erundina à frente, muito se fez. Os mutirões autogeridos de construção de casas, o Orçamento Participativo, as Casas de Cultura, o Movimento de Alfabetização (MOVA), a abertura da Vala de Perus… é até difícil falar de tudo. Tanto que nem sempre lembramos de uma das mais ousadas propostas que o “governo democrático-popular” apresentou para São Paulo à época: a instituição da tarifa zero nos transportes.

Em Tarifa zero – a cidade sem catracas, livro lançado por nossos parceiros da Fundação Rosa Luxemburgo, os autores da ideia se reúnem mais uma vez para contar a história de seu surgimento, recepção, tramitação legislativa e posterior reformulação, que resultou na vitoriosa municipalização do transporte público na capital paulista.

Lucio Gregori, engenheiro, era Secretário Municipal de Transportes. Chico Whitaker, arquiteto, era vereador e líder do governo na Câmara. José Jairo Varoli, economista, era diretor da CMTC. E Mauro Zilbovicius, também engenheiro, era chefe da assessoria da Secretaria de Serviços e Obras. Todos nomes de grande qualificação técnica. Mas como ressaltam no livro, muito mais que técnico, o projeto da Tarifa Zero era político.

Nos estertores da ditadura, as esquerdas se encontravam em uma encruzilhada. Gerir a nova ordem democrática, ainda que liberal-burguesa, ou seguir lutando por transformações sociais mais amplas? Os idealizadores da proposta decidiram pela estratégia de testar até onde poderia ir essa democracia, fazendo propostas que apontassem na direção de uma sociedade radicalmente mais justa e fraterna.

Foi com esse horizonte em mente que surgiu a ideia de zerar a tarifa de condução nos transportes públicos da maior cidade do Hemisfério Sul. Como escrevem os autores, a proposta “escancarou os limites políticos efetivos desse sistema produtivo”. Ainda mais por estar atrelada a outra proposta ousada – a gratuidade se sustentaria por meio de um fundo municipal financiado por uma reforma progressiva do IPTU, onde “quem tem mais paga mais, quem tem menos paga menos, quem não tem nada não paga”.

Como era de se esperar, os representantes do secular atraso político, social e econômico da nação se posicionaram de forma contrária. O livro detalha as fortes reações na Câmara Municipal, de maioria opositora, e principalmente, nos meios de comunicação. Dia e noite, jornais e programas de TV denunciaram a insensatez da prefeita que queria dar “ônibus de graça”, uma irresponsabilidade financeira que também ameaçava as frotas das (ilibadas!) empresas do setor, que ficariam em risco de serem destruídas pelos vândalos e marginais. Houve resistência até mesmo dentro do PT – nos marcos das discussões estratégicas que se davam na época, aqueles ligados a uma perspectiva mais moderada e recuada fizeram muitos óbices à ideia.

A despeito de tudo isso, a prefeitura foi às ruas com a bandeira da tarifa zero. O secretário dos Transportes apresentou a proposta em coletivas de imprensa, reuniões abertas lotadas de povo foram realizadas em todas regiões da metrópole para organizar sua implementação e uma campanha publicitária de Chico Malfitani esclareceu nas TVs e rádios o que propunha o governo. Em 28 de setembro, o Projeto de Lei foi protocolado na Câmara. Em pesquisa de novembro de 1990, a Tarifa Zero tinha 76% de apoio entre a população.

O projeto, porém, não foi nem sequer votado. Mas por quê?

Muito honesto em seu propósito de documentar os fatos da época, o livro não se furta de explicitar também os problemas da campanha. Com uma bancada inexperiente em temas parlamentares, repleta de ex-exilados e quadros oriundos do ambiente dos movimentos sociais, a esquerda apresentou o projeto em momento inadequado. As restrições regimentais a propostas que alteram impostos fizeram com que o PL da Tarifa Zero tramitasse por um tempo muito curto, o que inviabilizou a construção de maioria para a aprovação.

Entretanto, a luta dos autores pela democratização do transporte público não parou por aí. No ano seguinte, a prefeitura democrático-popular aproveitou o caldo de mobilização e aprovou a municipalização dos transportes (Lei 11.037/1991), que ampliou e renovou a frota, reduziu a lotação dos ônibus pela metade e levou a satisfação dos passageiros a 65% – índice jamais batido até hoje. A Tarifa Zero não foi aprovada mas, argumentam os autores, “foi buscando o impossível que se chegou à maior mudança efetiva e possível que pode e deve ser implementada nas cidades do Brasil”.

Longe de ser impossível, a bandeira da Tarifa Zero não ficou para o museu das boas ideias. A injustiça no acesso aos transportes e no direito à cidade seguiu inspirando a insatisfação popular, como na Revolta do Buzu de 2003 em Salvador, na Revolta da Catraca de 2004 em Florianópolis e, claro, nas Jornadas de Junho de 2013. E de lá pra cá, só cresce o número de cidades que adotam a gratuidade nos transportes públicos: já são 46 municípios por todo o Brasil, segundo levantamento de Daniel Santini, da Fundação Rosa Luxemburgo. Metrópoles da China aos EUA, da Austrália à Estônia – nesse caso sendo a própria capital do país, Tallinn – também aderiram à proposta.

A Fundação já organizou no Brasil dois seminários com o tema Transporte como direito e políticas de passe livre em debate, com as contribuições de Judith Dellheim, Allan Alaküla e do próprio Daniel Santini sendo publicadas em Outras Palavras.

A Tarifa Zero é uma proposta que vira do avesso a lógica dos transportes, combatendo pela raiz sua mercantilização pelas empresas e abrindo o horizonte da fruição da cidade pelas grandes massas populares. É importante e oportuno conhecer sua história pelas mãos de quem a introduziu no Brasil e seguiu refletindo sobre a temática nos últimos 30 anos, inclusive para defender sua implementação em larga escala no processo de reconstrução do país pós-bolsonarismo.

Por isso, Outras Palavras realizará em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo o sorteio de quatro exemplares de Tarifa Zero – a cidade sem catracas, de Lucio Gregori, Chico Whitaker, José Jairo Varoli, Mauro Zilbovicius e Márcia Sandoval Gregori. 

O formulário de participação no sorteio será enviado por e-mail para os membros do Outros Quinhentos. As inscrições ficarão abertas até a terça-feira que vem, 6/8, às 14h.

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