Stiglitz: por que a Grã-Bretanha pode deixar a União Europeia

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Londres: Nigel Farage, líder do Partido Independentista do Reino Unido (UKIP), aparece num ônibus-cartaz pelo “Brexit”

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Nobel de Economia sustenta: uma Europa cada vez mais desigual e não-solidária frustrou sonhos e despertou rancores. Ele adverte: eventual vitória do “Brexit” terá consequências dramáticas

Por Antonio Martins

Faltando dois dias para o plebiscito (quinta-feira) em que os britânicos decidirão se permanecem na União Europeia (UE) ou deixam o maior bloco econômico do planeta, todas as luzes vermelhas da aristocracia financeira estão acesas. As pesquisas de opinião sugerem que a decisão será tomada por margem mínima. O moderno Guardian, que em certas ocasiões acena à esquerda, parece hoje convertido numa Rede Globo às vésperas da eleição Collor x Lula, em 1989. O jornal oferece sua capa para um artigo em que megaespeculador George Soros adverte: a eventual retirada do Reino Unido desencadeará uma “sexta-feira negra”; as poupanças da população serão corroídas por uma desvalorização abrupta da libra. Os prejuízos se multiplicarão em alta dos preços, queda dos investimentos, falta de empregos.

Quase todo o establishment político — do primeiro-ministro conservador David Cameron ao líder trabalhista “rebelde” Jeremy Corbyn — apoia a permanência da Grã-Bretanha na UE. Mas o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz foi mais fundo, numa conferência proferida há uma semana, na Itália, a estudantes do Instituto de Iseo, fundado pelo também economista Franco Modigliani. Melancólico, Stiglitz também lamentou o risco de um “Brexit”, lembrando que projetaria sombras tão densas, sobre o cenário global, quanto a eventual vitória de Donald Trump, nas eleições presidenciais norte-americanas. Porém, fez questão de colocar o dedo na ferida: a culpa pelo mal-estar cabe às elites europeias.

“O dano já está feito e a Europa é responsável. [As elites] Não foram capazes de melhorar as condições de vida das pessoas, nem de reduzir as desigualdades. Deixaram vivas, no organismo, forças antissistema que se tornaram cada vez mais violenta; tudo isso agravado pelas políticas de austeridade que ampliaram as tensões e prolongaram a crise. Agora, como surpreender-se de que a Grã-Bretanha queira partir”?

Stiglitz frisou que as consequências dramáticas do “Brexit” estão ligadas ao papel especial que Londres desempenha, como um dos centros de um sistema financeiro totalmente assimétrico. Das 250 maiores multinacionais do mundo, 40% tem sede em Londres — contra apenas 9% sediadas, por exemplo, em Paris. Além disso, 30% das trocas comerciais entre EUA e Europa se fazem por meio de Londres, embora a presença inglesa tanto na população quando no PIB da UE seja muito menor. A ruptura provocaria tensão financeira de consequências imprevisíveis, o Nobel da Economia concorda. Mas à diferença do mega-especulador Soros, ele sabe que a democracia vive sob sequestro; e, angustiado, busca saídas libertadoras.

Numa outra reflexão sobre o plebiscito desta quinta-feira, o jornalista Paul Mason, um observador atento dos movimentos altermundistas, dialoga com um dos fenômenos de ressentimento lamentados por Stiglitz: a rejeição aos imigrantes, forte em especial entre os trabalhadores formados na era industrial. É preciso compreender objetivamente as razões de tal sentimento, diz Mason.

A absorção de milhões de imigrantes não foi acompanhada com ampliação das estruturas de serviços públicos, destaca ele. Em metrópoles imensas, como Londres, isso pesa menos. “Mas em pequenos centros, onde o capital social já é reduzido, a população estrangeira não se sente absorvida” — e em muitos casos disputa com os trabalhadores locais estruturas como creches e postos de saúde. Para piorar, aos imigrantes não se dá o direito de voto. Eles não podem, portanto, pressionar o sistema político por políticas públicas mais robustas, nem pela redistribuição de riquezas. “É como se o establishment tivesse criado o tipo de classe trabalhadora que sempre desejou: fragmentada, deslocada, distante politicamente e fraca”.

Assim como Stiglitz, Mason torce pela vitória do “remain” no plebiscito. Mas é uma aposta triste, na opção menos ruim. Também ele já não vê esperança alguma num bloco que, há vinte anos, era visto como sinal de força e virtude da ordem liberal.

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Um comentario para "Stiglitz: por que a Grã-Bretanha pode deixar a União Europeia"

  1. Arthur disse:

    Essa parece uma escolha entre a forca e a guilhotina. De qualquer modo os setores populares serão prejudicados.

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