Sorteio: Novo livro expõe as violações da Vale

Publicada pela Boitempo, obra destrincha as engrenagens criminosas da mineradora que geraram catástrofes ambientais. Ruy Braga assina prefácio, que publicamos com exclusividade. Quem apoia nosso jornalismo concorre a dois exemplares

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O solo movediço da globalização: trabalho e extração mineral na Vale S.A. é o novo livro do sociólogo Thiago Aguiar. Escrito a partir de sua pesquisa de doutorado na USP concluída em 2019, o livro de Aguiar apresenta as consequências funestas para os trabalhadores e para o meio ambiente da transformação da Vale, privatizada de forma criminosa pelo governo FHC em 1997, em uma corporação global pautada pela lógica do capitalismo contemporâneo, processo que tomou forma nas últimas duas décadas. A partir do trabalho de campo desenvolvido no Brasil e no Canadá e das entrevistas realizadas com dirigentes sindicais e gestores da Vale, temos acesso privilegiado tanto às dinâmicas de trabalho e organização sindical quanto aos processos internos de reestruturação aos quais a empresa foi submetida.

A obra foi recém-publicada pela Boitempo Editorial, e já pode ser adquirida no site da editora. O trecho que publicamos aqui no blog do Outros Quinhentos faz parte do prefácio elaborado para o livro por Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da USP e orientador de Thiago Aguiar no doutorado, e apresenta os contornos gerais do trabalho e seu contexto. Boa leitura a todos!

Outras Palavras e Boitempo Editorial sortearão entre os apoiadores do nosso jornalismo dois exemplares de O solo movediço da globalização. Também serão disponibilizados descontos de 20% no site da editora. O formulário para participar do sorteio será enviado por e-mail. As inscrições ficarão abertas até a terça-feira (10/05), às 15h.

Como a Vale produz Marianas e Brumadinhos, por Ruy Braga

No dia 5 de novembro de 2015, o maior desastre ambiental na área de mineração do mundo aconteceu no município de Mariana, em Minas Gerais. Uma barragem da Samarco, empresa controlada pela Vale, em sociedade com a companhia anglo-australiana BHP Billiton, rompeu-se, provocando uma enxurrada de lama tóxica e vitimando dezenove pessoas, em sua maioria trabalhadores. A bacia hidrográfica do Rio Doce, a mesma que nomeou a mineradora, foi devastada, com o sacrifício de grande parte da vida aquática, destruindo, de quebra, a economia de subsistência de inúmeras comunidades tradicionais existentes na região, em especial, tribos indígenas.

Tragédias nessa escala não se improvisam. Elas são meticulosamente preparadas. Há método, cálculo de risco e planejamento. Existe toda uma estrutura burocrático-administrativa por trás da catástrofe. E há muitos responsáveis que, até o momento, não foram punidos. O livro de Thiago Aguiar, O solo movediço da globalização: trabalho e extração mineral na Vale S.A., é uma contribuição decisiva para que possamos compreender os diferentes condicionantes econômicos e sociais existentes nesses desastres – e em outros que se avizinham. Trata-se de uma obra de raro apuro teórico e metodológico, cuja importância para a sociologia do trabalho brasileira e internacional merece ser devidamente destacada.

Em primeiro lugar, Thiago Aguiar narra em detalhes o complexo processo de transformação da Vale, uma tradicional empresa estatal umbilicalmente associada ao ciclo industrializante do país, em uma grande corporação mundial na liderança da produção de minério de ferro e de níquel. Partindo da análise dos inúmeros impactos que uma mudança tão profunda acarreta ao cotidiano da empresa, o autor enfoca a experiência coletiva dos trabalhadores da Vale, em especial aqueles organizados sindicalmente, tanto no Brasil quanto no exterior. Para tanto, ele manuseia com grande maestria os instrumentos da pesquisa etnográfica em dois países, Brasil e Canadá, entre os quais a Vale mantém operações extrativas de grande monta. É importante frisar que a realização de estudos com técnicas de observação etnográfica em dois países não é nada usual na sociologia brasileira.

Esse expediente o levou a lugares tão diferentes como Carajás, no coração da Amazônia, e Sudbury, no norte de Ontário, onde revelou detalhes das operações extrativas da Vale por meio da observação da experiência organizativa dos trabalhadores. Dessa forma, pôde trazer à luz as decisões empresariais dominadas pelas dinâmicas da financeirização do capital e que colocam em risco tanto os trabalhadores quanto o meio ambiente. Para tanto, seu olhar foi guiado por uma robusta teoria do capitalismo global, especialmente balizada pela obra de William I. Robinson, que o ajudou a se mover sobre o solo inseguro para os trabalhadores do processo da globalização capitalista. De forma muito engenhosa, Thiago Aguiar tomou o caso da maior empresa latino-americana em valor de mercado como representativo das complexas modalidades de integração da estrutura econômica brasileira à globalização neoliberal.

Assim, teoria e história enlaçam-se, evidenciando as consequências deletérias do processo de subsunção de trabalhadores, comunidades e meio ambiente, aos imperativos econômicos de uma ordem corporativa financeirizada. Nesse sentido, é importante destacar a coragem de Thiago Aguiar em nadar contra a corrente das análises celebratórias frequentes tanto na imprensa quanto na academia nas primeiras décadas do século XXI a respeito do bloco conhecido pelo acrônimo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). De certa maneira, a obra que o leitor tem em mãos corresponde a uma espécie de “história sombria” da formação dos Brics, contada do ponto de vista dos “de baixo”.

Em vez de comemorar a tese segundo a qual o bloco serviria como uma espécie de contrapeso aos “excessos” trazidos pela terceira onda de mercantilização conhecida por neoliberalismo, o autor demonstra a complementariedade existente entre os Brics e a mercantilização do trabalho, da natureza e do dinheiro. Para tanto, o livro retrata a estratégia de relações de trabalho da empresa cujo foco consiste em enfraquecer e isolar os sindicatos. Em acréscimo, Thiago Aguiar analisou o processo de reestruturação das operações da Vale no Canadá após a compra da Inco em 2006, cujas características gestaram, entre 2009 e 2010, a mais longa greve do setor privado canadense em pelo menos trinta anos.

O livro também se voltou para as transformações recentes na estrutura de propriedade e na “governança corporativa” da Vale que promoveram a ampliação da presença de grandes fundos transnacionais de investimento em seu controle acionário após vários anos de expansão internacional da mineradora. Como demonstrado na obra, trata-se de um conjunto de operações impulsionado por fundos estatais e paraestatais durante os governos petistas. Ou seja, além de relacionar a integração de parte da estrutura econômica brasileira à globalização capitalista, Thiago Aguiar revolveu o terreno instável das bases sociais da hegemonia lulista, cuja reprodução dependia parcialmente daquilo que eu e Alvaro Bianchi chamamos há quase duas décadas de financeirização da burocracia sindical. Trata-se de um problema fascinante, proposto por Francisco de Oliveira, quando da publicação de seu conhecido ensaio “O ornitorrinco”2 , porém, ainda não adequadamente explorado empiricamente pela sociologia brasileira.

Ao entrevistar trabalhadores e dirigentes sindicais brasileiros, canadenses e estadunidenses, entre os quais lideranças nacionais da Central Única dos Trabalhadores, do United Steelworkers da AFL-CIO, além de gestores e ex-gestores da Vale, Thiago Aguiar nos ofertou uma contribuição decisiva para o conhecimento empiricamente orientado a respeito tanto da hegemonia precária que caracterizou os governos petistas quanto da dependência desta relação social da ampliação do superciclo de commodities dos anos 2000.

De volta ao início, pouco mais de três anos após a tragédia de Mariana, uma barragem controlada diretamente pela Vale rompeu-se em Brumadinho, matando quase três centenas de trabalhadores e alcançando uma façanha que mais de três séculos de exploração mineira não foram capazes: a companhia conseguiu matar um rio, o Paraopeba. Como armamos no início deste prefácio, não é acidental que a mineradora produza “acidentes” trabalhistas e ambientais com tanta frequência.

Neste livro, Thiago Aguiar nos oferece uma oportunidade ímpar para compreendermos catástrofes como as de Mariana e Brumadinho, e agirmos a fim de evitar que elas se repitam no futuro. De fato, o lado sombrio da globalização capitalista foi iluminado por esta obra politicamente radical e sociologicamente instigante. A urgente resposta da sociedade às ameaças trazidas para nossa existência pela financeirização capitalista se fortalece com livros como este. Lê-lo e debatê-lo são tarefas estratégicas para todos os que lutam por uma sociedade justa e ambientalmente sustentável.

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