Perdemos Fernanda Ramone

Sinóloga, jornalista e animadora cultural, autora de Outras Palavras nos deixou. Desenvolveu um vasto trabalho, sempre intenso e criativo, para ampliar as relações culturais entre Brasil e China. Seu brilho fará falta, em tempos sombrios

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Então, é verdade. Transmitida há pouco por Cauê Ameni, da editora Autonomia Literária, a notícia da morte de Fernanda Ramone está exposta agora nas redes sociais. Seus amigos homenageiam-lhe a irreverência e liberdade, expressa inclusive no ato de se retirar. Nós, que a entrevistamos ainda no final de abril, chegamos a conhecê-la tão pouco.

Mas os poucos encontros, na antiga redação do Bixiga, em São Paulo, bastaram para conhecer sua energia, sua vontade de descobrir, seu espírito crítico. Desprendida, foi à China, mesmo antes de conhecer o mandarim, e lá passou nove anos. Ágil, viabilizou festivais de cinema brasileiro criados do nada. Ao voltar, em 2013, quis estabelecer a ponte também no sentido oposto. Tornou-se uma divulgadora do “Planeta China” – nome de um projeto que levava adiante.

Imagem: João Inácio

Inaugurou uma coluna no site, em 2015. O plano era traçar, aos poucos, um panorama de uma sociedade e uma política muito pouco conhecidas no Ocidente – e menos ainda no Brasil. Sinóloga, Fernanda jamais reduziu-se a sinófila. Examinava com sagacidade os problemas de um país que tentava conhecer cada vez mais a fundo. Seus textos expressam este esforço.

Mas rechaçava, acima de tudo, a tentativa de estigmatizar a China, empreendida de forma cada vez mais tosca desde o início do governo Bolsonaro. Via que, marginalizados durante séculos pelo eurocentrismo, China e Brasil têm mundos a descobrir e a (re)construir, se deixarem de se mirar reciprocamente com os olhos de seus colonizadores.

Em 27 de abril, quando Wuhan havia vencido a pandemia e o sucesso chinês na luta contra a covid-19 despertava espanto, ela concedeu a Outras Palavras a entrevista que acompanha esta nota. Nela emerge, além de uma China distante dos preconceitos, uma Fernanda Ramone intensa, provocadora e criativa. Conhecê-la é permitir que sua energia pulse também em nós. Fará falta.

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