A China hoje e o pensamento de Mao Tsé-Tung

Ele liderou a revolução chinesa e influenciou muitas concepções políticas do país que, em poucas décadas, projetou-se como potência global. Curso destrincha suas ideias. Quem apoia Outras Palavras tem descontos e concorre a duas vagas

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Uma análise do cenário internacional contemporâneo que não dê a devida ênfase ao novo lugar que a China ocupa no mundo não está completa. Feitos da República Popular da China como a erradicação da extrema-pobreza e o fortalecimento de laços de cooperação com países periféricos são marcos do lento declínio da hegemonia norte-americana e do florescimento de modelos alternativos de sociedade. Porém, não raro os analistas geopolíticos abordam o país sem minimamente apresentar as ideias e a própria figura de Mao Tsé-Tung, líder que os governantes chineses creditam como unificador e modernizador da China. Essa lacuna fragiliza bastante o entendimento geral sobre os contornos da República Popular de orientação socialista fundada em 1949 por Mao, que tanto chama a atenção dos especialistas hoje.

Por isso, junto de nossos parceiros da plataforma de cursos Caixa de Ferramentas, sortearemos duas vagas no curso “O Pensamento Mao Tsé-Tung” entre os apoiadores do nosso jornalismo, além de oferecer 20% de desconto na compra das aulas. Entrevistamos Diogo Fagundes, editor do LavraPalavra e bacharel em direito pela USP, que ministrará as aulas, para saber mais sobre o curso e também sobre as ideias do fundador da China moderna.


Enquanto pensador, Mao Tsé-Tung abordou um arco bastante amplo de tópicos e ramos do conhecimento – escreveu contribuições para a filosofia, a política, a teoria militar, e os problemas de Estado e governo. Como o curso pretende apresentar suas ideias?

O curso dará prioridade ao estudo dos textos originais de Mao Tsé-Tung, utilizando comentadores e estudiosos apenas como apoio secundário. Nossa intenção é tratar Mao como um clássico do pensamento político, o que pressupõe um estudo atento de sua própria produção intelectual – que, como no caso de todo grande pensamento, é profundamente articulada às questões conjunturais e práticas. Mao produz textos aparentemente filosóficos ou gerais a partir de puras intervenções políticas ou militares.

Partimos, portanto, do ponto de vista que concebe o pensamento político de Mao como uma invenção original na história do marxismo, talvez a maior depois da decisiva contribuição do Lenin e dos fundadores, Marx e Engels. Sua influência se desdobra não apenas nas inúmeras guerras de libertação nacional e guerrilhas de esquerda do Terceiro Mundo, mas também em vários aspectos da chamada “nova esquerda” que marcou o cenário de revoltas estudantis e populares dos anos 60-70 na Europa, nos EUA, no Japão, México, Brasil, etc.

Outra das premissas do curso relaciona-se ao entendimento da própria política como um pensamento racional próprio, com suas próprias categorias e procedimentos, diferenciados de outros pensamentos (científicos, artísticos, etc.), ainda que com intersecções com eles.Acreditamos que esta premissa decorre da contribuição do próprio Mao, que nos ajudou a entender a política como um campo autônomo de investigação e ação.

Entre uma introdução geral, com foco no importante movimento (contra-)cultural e jovem da intelligentsia chinesa no quatro de maio de 1919 e no marxismo-leninismo divulgado pela III Internacional, esclarecendo as condições históricas e culturais que irrigaram as fontes do pensamento de Mao Tsé-Tung, e uma tentativa de balanço final do seu legado para o pensamento político contemporâneo nas mais diversas experiências no mundo, o curso compreenderá quatro grandes eixos temáticos, ao meu ver, adequados para iniciar uma exploração do conjunto de seu pensamento: teoria do conhecimento político, dialética, organização e estratégia política e transição socialista.

Estes quatro eixos podem ser lidos a partir das grandes tensões que percorrem o percurso paradoxal de Mao: homem de Estado e líder militar ao mesmo tempo que rebelde incitador da revolta de massas em direção ao comunismo, portanto, contra o Estado; grande figura da reconstrução da nação chinesa, um Founding Father contemporâneo, ao mesmo tempo que foi o revolucionário que tentou ir mais longe na direção do igualitarismo e da abolição das grandes divisões sociais e hierárquicas.

Este legado paradoxal pode ser visto nas radicais diferenças entre as orientações políticas que dizem seguir sua influência: de um lado, inspiração para as grandes frentes políticas policlassistas, incluindo capitalistas nacionais, contra o imperialismo e outros inimigos maiores; de outro, inspiração para tentativas quase anarquistas de evitar o engessamento institucional e burocráticos do marxismo-leninismo tradicional.

Outras grande tensão que forma um fio condutor ao longo do curso envolve a disjuntiva entre uma visão do pensamento Mao Tsé-Tung como apenas uma aplicação particular do leninismo às condições chinesas versus uma visão do maoísmo como uma nova etapa universal do pensamento marxista.

Por fim, outra chave de interpretação a ser considerada envolve a dualidade entre a possível universalidade de concepções políticas maoístas em contraposição aos aspectos de seu pensamento mais circunscritos às condições particulares da China. Decifrar esta chave talvez seja o objeto mais difícil almejado pelo curso.

Outras Palavras e a plataforma de cursos Caixa de Ferramentas sortearão duas vagas no curso “O Pensamento Mao Tsé-Tung” entre os apoiadores do nosso jornalismo, além de oferecer 20% de desconto. O formulário para participar será enviado por e-mail. As inscrições estarão abertas até a quinta-feira, dia 23/06 às 15h.

Nas últimas décadas, a China chamou a atenção por seu crescimento econômico acelerado. Porém, em contraste com os países que “fizeram crescer o bolo sem dividi-lo”, esse crescimento veio em paralelo à erradicação da extrema pobreza no país. Conhecer as formulações de Mao pode ajudar a compreender os rumos atuais do país que ele liderou?

Sem dúvida. Apesar de o Partido Comunista Chinês ter criticado parte do legado de Mao Tsé-Tung, em particular sua visão da luta política de classes como o principal eixo da transição socialista, materializada na Revolução Cultural, vários aspectos desta herança foram absorvidos e são referência até hoje em dia para a ação do Estado chinês. De certa forma, a China atual lembra muito o que Mao formulara para o período chamado de Nova Democracia, no qual elementos de mercado e propriedade privada ainda eram mantidos e incentivados.

É necessário, por exemplo, entender como a visão anti-dogmática de Mao influenciou certas concepções experimentais da política estatal chinesa, como a prática de realizar testes em pequena escala antes de reproduzir modelos num nível maior. Os motes de “procurar a verdade nos fatos” e “emancipar as mentes”, utilizados pelo Deng Xiaoping, são criações maoístas. Uma das diferenças fundamentais da China após Mao em relação à URSS após Stalin está nesta maneira diferente com que as lideranças políticas destes Estados lidaram com o papel destas figuras historicamente imponentes e decisivas. Na China, muito habilmente houve uma absorção seletiva do Mao com o intuito de criticar aspectos tidos como desestabilizadores e “perigosos” para a autoridade do Estado e do Partido, mantendo as grandes coordenadas básicas de seu legado.

Também é notável que os documentos oficiais do Partido Comunista Chinês continuem fazendo referência à análise das contradições na sociedade chinesa para formular sua linha política. O conceito de “contradição principal”, por exemplo, é aplicado para caracterizar qual a orientação mais geral das tarefas políticas em cada conjuntura. Assim, a partir do 19º Congresso, com Xi Jinping, foi afirmado que a contradição principal da sociedade chinesa não é mais entre as necessidades materiais básicas da população e a insuficiente capacidade produtiva – o que prescrevia uma política de foco concentrado no desenvolvimento das forças produtivas no período iniciado pelas reformas de mercado em 1978 –, mas entre a diversidade de demandas populares vis a vis as diferenças, polaridades e insuficiências causadas por este desenvolvimento econômico, o que implica numa ênfase maior à qualidade e não à quantidade do crescimento econômico bem como na correção das desigualdades, polarizações e outras questões (como a poluição atmosférica) introduzidas pelo desenvolvimento econômico.

No Brasil, existiram desde os anos 60 diversas organizações de esquerda simpáticas ao marxismo desenvolvido na China – podemos pensar no início do PCdoB, no PRC dos anos 80, em pequenos jornais de hoje em dia e mesmo em grupos próximos ao MST. Apesar disso, não somos familiares com o pensamento chinês: são pouquíssimos os textos de ciências humanas e sociais da academia chinesa traduzidos e publicados aqui,e mesmo clássicos de Mao Tsé-Tung não têm edição no Brasil. Como isso se explica? Você acha que esse cenário deve mudar nos próximos anos?

Acredito que, além da distância cultural, devemos considerar que o legado maoísta foi absorvido com um filtro muito particular no Brasil e na América Latina. Mesmo as influências mais óbvias (como a guerra popular e a estratégia de “cerco às cidades” que o PCdoB tentou realizar no Araguaia) foram condicionadas pela influência da Revolução Cubana, de modo que boa parte do maoísmo latino-americano é uma mistura “impura” entre concepções guevaristas (se preferir, “foquistas”) e maoístas. Além do filtro da Revolução Cubana, que possui intersecções com o pensamento de Mao, apesar de se tratar algo diferente, há outros filtros típicos das ideologias mais fortes em nossas formações sociais: penso no exemplo do “cristianismo popular” do qual partiu a Ação Popular antes de se engajar no caminho maoísta. Aliás, foi a Ação Popular Marxista-Leninista que absorveu de forma mais intensa as influências da Revolução Cultural, mais do que o PCdoB, apesar de grande parte dela ter ingressado neste partido.

Eu diria que estes dois filtros deram uma tonalidade mais romântica e mais voluntarista, talvez até mais “espiritual”, ao nosso maoísmo latino-americano, apesar de estas características existirem, de uma forma ou de outra, na própria fonte original. Não falo isto para rechaçar esta nossa incorporação própria, afinal muitas organizações interessantes e processos riquíssimos, da revolução sandinista na Nicarágua, passando pela guerrilha em El Salvador, até o Exército Zapatista de Libertação Nacional em Chiapas, no sul do México, e o próprio MST, são frutos desta riquíssima influência.

Queria sublinhar aqui que, apesar do que você disse a respeito da ausência de material mais especializado circular no Brasil estar correto, produzimos pensadores originais fortemente influenciados pelo pensamento de Mao Tsé-Tung. De intelectuais que foram dirigentes políticos, como Wladimir Pomar, Duarte Pereira e Éder Sader, todos com contribuições muito próprias e criativas, até nomes famosos em certos ramos da academia, como Márcio Bilharinho Naves (um dos introdutores e maiores intérpretes da obra do jurista soviético Evgeni Pachukanis no Brasil), o cientista político Armando Boito Jr. (referência em Nico Poulantzas e na análise dos governos Lula e Dilma) e Luiz Eduardo Motta (especializado no filósofo francês Louis Althusser bem como no “populismo” latino-americano), há toda uma tradição que está longe de ser desprezível.

Hoje percebo um grande interesse na China nos mais diversos ramos da Universidade, com foco principalmente no “enigma” do desenvolvimento econômico acelerado e na superação de aspectos retrógrados da sociedade chinesa, como a pobreza extrema. Esta influência grande do “socialismo com características chinesas”, ou “socialismo de mercado”, após as reformas de Deng, vem conformando uma espécie de referência maior para novos nacionais-desenvolvimentistas brasileiros, em busca de ressuscitar esta corrente de pensamento nacional importante na história brasileira. Desta forma, a influência está muito mais no campo da economia e das “políticas públicas”, de modo geral, visando a prática mais imediata de condução dos rumos do Estado, do que na política no sentido mais profundo e na filosofia. O pensamento de Mao Tsé-Tung entra aí mais como influência indireta do que inspiração primária.

Apesar destas novidades, do ponto de vista mais estrito do pensamento de Mao Tsé-Tung, o que prevalece, em geral, é a ignorância, acompanhada do preconceito, muitas vezes de cunho orientalista. Isto é decorrência do predomínio ideológico do balanço ocidental e capitalista da Guerra Fria assim como das características da Academia, que se interessa mais por politólogos liberais de segunda ou terceira categoria, para não falar de “filosofia política” moralizante e juridicista, do que por pensamentos radicais (no sentido positivo da palavra) e inovadores da política emancipatória.

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