Assange: segue a “execução em câmara lenta”

Em Londres, defesa do jornalista acusa os acusadores ao sustentar: EUA querem vingar-se de quem revelou sua espionagem global. Mas decisão – parcial – só sairá em dois meses. E saúde do fundador do Wikileaks deteriora-se

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Foi um novo sinal de como estão se esvaziando a democracia e os direitos humanos no Ocidente, mesmo quando não há partidos neofascistas no poder. Dois juízes da Suprema Corte do Reino Unido conduziram, nesta terça e quarta-feira (20 e 21/2), a audiência em que a defesa de Julian Assange contesta sua extradição para os Estados Unidos. O jornalista, encarcerado na presídio de Belmash, em Londres, sequer pôde comparecer, impossibilitado por seu enfraquecimento físico. Seus advogados ridicularizaram a acusação, exercida por procuradores norte-americanos que querem deportá-lo. Mas dois longos agônicos se passarão até que a decisão seja pronunciada. E, na melhor das hipóteses, ela exigirá um novo período de confinamento.

O jornalista Chris Hedges, que acompanha o caso há anos, reportou as audiências. Os acusadores de Assange tentaram negar que sua prisão seja fruto de uma vingança política, contra quem revelou os crimes brutais do Estado norte-americano e a vigilância global exercida por este. Alegaram que o jornalista “feriu o Estado de direito” ao revelar a identidade de informantes do Pentágono – que teriam, em consequência, sofrido represálias. Em certo momento, afirmaram que as revelações do WikiLeaks não incluíam fatos “de interesse público” e que revelar material relevante, classificado como secreto pelos Estados, não faz parte do trabalho dos jornalistas.

A defesa contra-atacou. Como não considerar de interesse público a informação sobre as atrocidades cometidas em diversas partes do mundo por soldados norte-americanos, jamais punidos por seus abusos? Hedges acrescenta: embora não esteja incluído no processo, o motivo principal das agências de espionagem norte-americana foi a revelação do pacote de documentos conhecido por Vault 7. Eles expuseram as ferramentas de espionagem que permitem à CIA acessar os telefones, computadores e TVs de qualquer pessoa, transformando-os em instrumentos de vigilância e gravação contra seus usuários – mesmo quando os aparelhos encontram-se desligados. Seria também isso alheio ao interesse público?

Na avaliação de Hedges, os dois juízes britânicos pareceram, ao longo das audiências, concordar com os argumentos da defesa. Mas a procrastinação jurídica contra Assange persistirá. A decisão só será emanada em dois meses. Se o fundador do WikiLeaks tiver seu recurso negado, poderá ser extraditado em poucas horas para os EUA. Embora caiba um recurso à Corte Europeia de Direitos Humanos, não está claro se a justiça britânica a respeitaria, e nem sequer se aguardaria por seu pronunciamento antes de despachar Assange.

Em caso de vitória deste, o caminho permanecerá pedregoso. Será preciso então apresentar a demanda ao conjunto da Suprema Corte do Reino Unido e esperar por um julgamento em data indefinida. Durante todo este período, Assange continuará isolado do mundo – como esteve nos últimos 12 anos. Ele passou sete anos exilado na pequena embaixada do Equador em Londres, de onde não podia tirar os pés, sob o risco de ser preso. Arrancado de lá pela polícia inglesa em abril de 2019, foi trancafiado em Belmash, onde permanece.

Está também fragilizado psiquicamente. Caso extraditado aos EUA, pode ser condenado a 175 anos de prisão. Sua esposa, Stella Moris, teme que, nestas condições, cometa suicídio. Todo o processo, sustenta Chris Hedges, equivale a uma “condenação à morte em câmara lenta”. Nem sempre foi assim. Em 1973, a Suprema Corte dos EUA livrou o jornalista Daniel Elsberg de prisão por suposta “espionagem”. Dois nos antes, ele havia tornados públicos os “Documentos do Pentágono” [Pentagon Papers], um imenso dossiê sobre o envolvimento de Washington na Guerra do Vietnã. O material, que mostrava como os presidentes norte-americanos haviam mentido sistematicamente para a população sobre o conflito, contribuíram para a mudança da opinião pública e a posterior derrota dos EUA. Mesmo assim, a Justiça decidiu que o direito à informação do público devia prevalecer.

O fato de o entendimento ter mudado, e de modo tão brutal, é um triste sinal de decadência.

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