O jornalismo insensível e a banalização do desemprego

170201-Desemprego

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Que a velha mídia oriente-se pelos dogmas de mercado, já não se estranha. O grotesco é não enxergar o drama humano de 12,3 milhões de pessoas

Por Cristina Fróes de Borja Reis e Fernanda Graziella Cardoso

A estatística recém-divulgada da pesquisa PNAD contínua do IBGE é desoladora: 12,3 milhões de pessoas desocupadas no país no último trimestre de 2016. Em relação ao mesmo período de 2015, o crescimento foi de 36%, ou seja, três milhões de pessoas desocupadas a mais. Quando se compara a 2014, a quantidade de pessoas desocupadas simplesmente dobrou.

Números tão expressivos, envolvendo tantas pessoas e famílias, demandam uma reflexão cuidadosa e responsável. O que teria acontecido com a economia, a política e a sociedade brasileira em apenas dois anos para implicar tal catástrofe socioeconômica? Mas, ao contrário, as manchetes da mídia de massa são análises superficiais, banalizando tais acontecimentos. Milhões de desempregados adicionais são tratados pela grande mídia com a mesma negligência e irresponsabilidade com que defendem as reformas conservadoras em marcha desde que Temer se tornou presidente interino.

Não é de hoje que no Brasil o jornalismo econômico tem uma lógica tacanha de funcionamento, via dois gatilhos principais. De um lado, aguardam as estatísticas (especialmente as de inflação, produção, emprego, balança comercial e, diariamente, da cotação do dólar e dos movimentos das bolsas de valores) para tratar da conjuntura superficialmente, sem refletir sobre as raízes estruturais que as implicam. Ou de outro, aguardam novidades da política econômica que pretendam enfrentar aquela conjuntura superficialmente analisada. Tais políticas são apresentadas seletivamente e com viés favorável aos interesses de grupos específicos (que também controlam a grande mídia), sempre preocupados com o humor do mercado. Entrevista-se meia dúzia de “especialistas”, fracamente diversificados em termos de abordagem e ocupação. Pertencem, quase que invariavelmente, a instituições como consultorias, bancos e universidades correlacionadas àqueles mesmos grupos no poder. Em meio às frases entrecortadas, propõem parcamente o contraponto (para validar a “ética” da notícia), geralmente encaixado de forma obscurecida e deturpada.

Porém por trás das estatísticas, existem pessoas reais atingidas pelas políticas econômicas. O desemprego, em particular, é uma questão social profunda. A desocupação não desejada de uma pessoa provoca o aumento das dificuldades financeiras das famílias. O bem estar diminui de forma geral e envolve outras esferas da vida social. Geram-se ou se agravam traumas psicológicos: há muito sofrimento humano envolvido. Mais além, o desemprego deflagra pobreza, miséria, violência e uma triste sorte de problemas sociais. E ainda, a redução do emprego e da renda torna mais aguda e de difícil solução a crise econômica, na medida em que solapa o consumo e o investimento. Considerando, ademais, a situação desfavorável da demanda externa, caberia ao Estado atuar anti-ciclicamente e promover medidas de impacto estrutural em prol do desenvolvimento sustentável.

Mas, para isso é preciso democracia, que foi justamente o alvo maior do golpe de 2016. Desde então o propósito da política econômica e das “reformas” constitucionais tem sido enfraquecer o Estado e as instituições democráticas, num esforço endossado pela narrativa midiática. Defendem o regime macroeconômico da austeridade, que promove uma política monetária com taxa de juros elevadas, por um lado, e uma política fiscal engessada de vez pela PEC 241-55, aprovada em dezembro de 2016. Paralelamente, direitos vão sendo eliminados via “propostas” autoritárias de reforma previdenciária, trabalhista, da saúde e do ensino médio, entre outras – somadas à desnacionalização de recursos estratégicos, ataques aos movimentos sociais, inclusive às universidades públicas, e mudanças nas regras orçamentárias – por exemplo, relativa ao seguro desemprego.

Os resultados do austericídio não deixam dúvidas: os maiores golpeados são os trabalhadores. Lutar pelos direitos, pelo emprego e pela renda requer o reconhecimento da raiz do problema e, para tal, faz-se mister a disputa pela narrativa. É, portanto, necessário o aprofundamento do nível e da pluralidade do debate público sobre política macroeconômica.

Cristina Fróes de Borja Reis e Fernanda Graziella Cardoso são professoras de Economia e de Relações Internacionais da UFABC, coordenadoras do grupo de pesquisa em Cadeias Globais de Valor e do Núcleo de Estudos Estratégicos em Democracia, Desenvolvimento e Sustentabilidade da UFABC.

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2 comentários para "O jornalismo insensível e a banalização do desemprego"

  1. Lucia disse:

    Interessante.

  2. Paulo Cardoso disse:

    Enquanto não lembrarmos de que nossa “república” inexiste, combateremos o vazio e obteremos o nada. Há de ser lembrado, que a passagem do império à “república” correspondeu a simples substituição de placas: retirou-se a placa de Império em seguida em seu lugar afixou-se a placa de “república”.
    Mantiveram-se todos elementos hierárquicos e funcionais exatamente idênticos aos imperiais. Resultado: hierarquia imperial, onde condes, barões tornaram-se diretores, chefes de seção e que tais.
    A aristocracia manteve-se intocada com idêntico patrimonialismo, agravada pela adoção da cessão de empregos públicos como moeda de troca para o voto.
    O cidadão sustenta o funcionalismo e este se nomeia pela aristocracia, para se tornar eleita e se representar.
    E o povo sustenta essa máquina disfuncional, cara e protegida pela aristocracia.
    Melhor veneno do que este contra a indústria não existe.
    Resultado: taxação elevadíssima para sustento desta burocracia de desserviço e esquecimento total do povo, que continua sendo tratado como mera fonte de votos nas eleições, fartamente por ele nutrida.
    O governo se mete em todas atividades principais e desmancha o valor da indústria, nervo central em qualquer país que pretenda conquistar espaço no mercado mundial.
    A saída desta submissão à burocracia aristocrática reside na reclassificação funcional do servidor público de estatutário para celetista (CLT). Esta simples decisão aliviará em 60% o custo previdenciário atual. Razão de ser desta previsão pagar a pleno o salário do aposentado público, enquanto que o produtor da riqueza plena do país, recebe os tetos vergonhosos fixado pela Previdência da CLT.
    Ao igualar os proventos e direitos de estatutários ao dos sujeitos à CLT, a voz do povo será ouvida. Aí então terá a força de representação jurídica à altura de sua estatura social. O povo será ouvido.

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