Roger, Huck e Fernanda não são lá muito defensáveis; mas será essa a agenda crítica possível?

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Leandro Karnal. Quem? “Não seria melhor discutir o Luciano Huck?”

Autores mais densos e debates mais ricos nos permitiriam entender melhor de onde vêm aquelas figuras tão tristes, de onde surgiram e a que servem esses ruídos

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Não se trata aqui de defender o obscurantismo político de Roger, do Ultraje a Rigor. Ou o convite boçal de Luciano Huck para as jovens brasileiras ficarem com estrangeiros, definidos como “príncipes encantados”. Ou as diatribes improvisadas de Fernanda Torres sobre feminismo; menos ainda sua curiosa percepção sobre machismo. Muito pelo contrário. Mas de tentar identificar uma overdose da reação a esses personagens, como se coubesse a eles pautar a agenda nacional. E, aos que têm algum histórico de pensamento crítico, apenas reagir.

Do jeito que as coisas vão, estamos assim: os reacionários propõem e os revolucionários reagem. Em uma curiosa inversão de papéis. Ou estaríamos distraídos em relação ao debate político nas redes sociais? Talvez algum arqueólogo das redes identifique, daqui a uns 20 anos, uma mobilização incrível de internautas arejados, nesta semana de fevereiro de 2015, bem menos a reboque, mais pró-ativa. Mas o que deu para observar por aí, em termos de crítica internética de costumes, foi mais ou menos isso.

Quase nenhum esforço de discutir notícias relevantes sobre direitos humanos terá tido tanto alcance quanto a percepção ultrajada do vocalista, que se viu tratado pelos Rolling Stones como “lixo”. Assim como a titulação do líder indígena Ailton Krenak como doutor honoris causa da Universidade Federal de Juiz de Fora não terá gerado 1% do burburinho causado pelo apresentador global, mesmo que o apresentador ria sozinho (dos hackers aos huckers) desse marketing espontâneo. Sim, o artigo da atriz precisava ser desconstruído. Mas o problema maior está em Fernanda ou na agenda – machista – dos meios de comunicação?

A excessiva personalização tem nos desviado do necessário combate aos verdadeiros centros do poder. E, em alguns casos, a reação a essas ideias espasmódicas pode significar apenas uns pontapés em cachorros mortos, ou ao menos defuntos caninos no nosso círculo retroativo de amizades. Isto na melhor das hipóteses. Pois a pior significa a elevação de figuras politicamente irrelevantes (como o vocalista que se considera genial) a patamares que elas não merecem. Como se doze ou treze disparates de Roger fossem mais relevantes que qualquer esboço de ideia de Umberto Eco.

O próprio intelectual italiano nos terá alertado sobre certos nivelamentos por baixo do debate contemporâneo, mas insistimos em cair neles como patinhos. Como se preferíssemos dar mais visibilidade a uma rima pobre de alguma música infantilizada dos anos 80 a qualquer verso de Walt Whitman. Em uma espécie de Síndrome de Marylou. São os simulacros de Huck (as casas e carros aleatórios como símbolos de seu falso bom mocismo) a erigir um falso debate encantado numa falsa rede contestatória – com Fernanda ou algum desinformado de plantão dedilhando alguma pauta caótica.

sobreheroesytumbas

Versão para HQ de “Sobre Heróis e Tumbas”, do argentino Ernesto Sabato

Estou tentando evitar aqui menções a FHC ou Lula (já que se falava de príncipes encantados) porque, nesses casos, sabemos que quase não há diálogo possível entre os torcedores. E porque estamos aqui a debater outro fenômeno, o dos tristes monólogos culturais. Está bem, vou mudar a frase: tristes monólogos do entretenimento, que amplificamos com nossa boa vontade, às vezes até com certo ódio e rancor, um tanto contraproducentes para qualquer estratégia de construir uma agenda contestatória positiva. Mesmo os tristes tópicos de Huck-Roger (o Brasil em tempos de Huck-Roger) talvez ganhassem graça se fossem rebatidos com luvas de pelica. Mas não. Dobramos a meta, só que às avessas.

Afundamos na areia movediça, entramos para os subterrâneos do entretenimento sórdido (penso na descida de Fernando Vidal Olmos aos subterrâneos de Buenos Aires, no “Sobre Heróis e Tumbas” de Ernesto Sabato) como se estivéssemos destinados a esse cadafalso. Debate-cloaca. Debate regressivo, com o sorriso franco e puro de Huck a nos pautar o descenso. Quando poderíamos estar trocando um Roger por um Darcy Ribeiro, por exemplo. Um Huck por um Karnal. Não pelas pessoas – mas pelas ideias. Até porque melhores autores e debates mais ricos nos permitiriam entender melhor de onde vêm aquelas figuras tão tristes, de onde surgiram e a que servem esses ruídos.

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3 comentários para "Roger, Huck e Fernanda não são lá muito defensáveis; mas será essa a agenda crítica possível?"

  1. Boa, Alceu.

    Viver no agora, atentos!, With the Man, kosmos of Manhattan:

    “I exist as I am, that is enough,
    If no other in the world be aware I sit content,
    And if each and all be aware I sit content”
    (Walt Whitman, canto de mim mesmo)

  2. Marcos disse:

    Ruídos e dejetos interessam. Se eu não me engano estamos a assistir e participar de uma grande blogoterapia. No fundo o que interessa é continuar falando nomadicamente. Uma vez iniciada ela flui entre estranhos e esbarra em algum sujeito-resíduo matriz, como Huck, por exemplo, para uma interrupção do devir qualquer coisa em um dispositivo aglutinador que torna possível a agonística discursiva. Não se fala nem de Huck nem de Roger. Eles são apenas resíduos do inconsciente que ativa novas forças para a continuidade da errância dissipadora. São como carinhas na nuvem que permite o escoar da fala para algum ponto X onde se dá o encontro ressonante ou dissonante. Ao se estabelecer uma narrativa do politicamente correto se cria automaticamente as calhas múltiplas e esquizo de abastecimento e desabastecimento que se recusam a fluir pelo leito soberano da plausibilidade lógica e instrumental. Não se trata de construir à maneira da teia canônica do conhecimento arbóreo hierarquizado, onde existe falso e verdadeiro. Trata-se de tratar resíduos como unidades múltiplas e singulares numa cadeia caótica sem início nem fim. Aonde se acha que vai parar, quando se varre da vida instrumental, toda a riqueza da diferença que não se deixa definir pelos conceitos universais, que é naturalmente esquizo? Isso pode ser depositado sem qualquer retorno num grande aterro sanitário de idéias rejeitadas? O que estamos assistindo é uma grande percolação, ou percolagem de material sombrio e residual que encontrou nas redes uma forma de expressão, de dissipação.

  3. marcio ramos disse:

    … haha o povo conectado no face. A televisão idiotizou a internet deus voz…

    … a pauta aqui:

    Instituto de Munique identifica herbicida em 14 marcas de cerveja alemãs
    http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/43341/instituto+de+munique+identifica+herbicida+em+14+marcas+de+cerveja+alemas.shtml

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