R$ 1.000 para “hostilizar” Ciro? Brasil inventa os mercenários do escracho

endireitabrasil02

Reprodução/Facebook

Caso envolvendo militantes de direita deve servir para refletir sobre prática, ainda que não remunerada, aceita por setores da esquerda; é hora de se discutir os escrachos

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Os mercenários são soldados específicos. Lutam não pelo amor a uma nação, a uma causa. Mas especificamente por dinheiro. Possuem milênios de história. Do antigo Egito à Síria contemporânea. Não são universalmente aceitos: um cidadão austríaco que optar pela atividade perderá automaticamente a cidadania. Maquiavel não era simpático a eles: preferia as tropas próprias. Motivo: eram um risco mesmo em caso de vitória.

E eis que o fascismo brasileiro inventa os mercenários do escracho.

O post do Movimento Endireita Brasil sobre Ciro Gomes, acima, foi publicado na noite desta sexta-feira, quase no sábado. Chama a atenção pela exibição pública da prática. Terá sido ela utilizada em outras situações, na surdina? Nota-se pela demanda do MEB que as pessoas são medidas pelo dinheiro: tanto o que o político gasta como aquilo que receberão para escrachá-lo. (Quanto valerá um escracho no Lula? Dez Ciros? Vinte Barolos?)

O Endireita Brasil tem uma página com 560 mil seguidores no Facebook.

Due Cuochi = um restaurante no Itaim-Bibi, com “ambiente contemporâneo e acolhedor”. Itaim-Bibi = um bairro de classe média alta em São Paulo. Barolo = um vinho tinto elegante e persistente produzido desde 1966 na região do Piemonte, na Itália, pelos marqueses de Barolo. Parece que a safra de 1985 foi ótima.

Escracho = algo utilizado tanto pela direita pela esquerda. Espécie de baculejo civil. Um dos comentários é de alguém de esquerda: “Que merda é essa? Não entenderam as premissas do escracho”. Pois o recurso – uma humilhação ou sequência de humilhações, à margem da Justiça – tem sido utilizado por militantes de movimentos diversos. Com ou sem “premissas”.

Outro comentarista à esquerda pergunta ao MEB: “Quando vão anunciar pagamento pra matar petistas ou comunistas ou quem vestir vermelho?” E o próprio movimento descreve a estratégia: “Vamos fazer do Brasil inteiro a prisão para esses políticos safados”.

endireitabrasil04

Reprodução/ Facebook

Porque, no fundo, é a isso que leva a pretensão de fazer justiça com as próprias mãos. Todas as comparações com a palavra linchamento não serão ilegítimas. Pois é disso que se trata: linchar. Linchamento não é uma palavra restrita a apenas um momento histórico no Missouri. E “hostilizar” é um eufemismo para humilhar, por meio da agressão verbal e da exposição pública: “Filmem”. O salto para a violência física mostra-se iminente, como descrevem os incitadores: “Ciro é esquentadinho”.

Juridicamente, desconfio que os esquentadinhos que, eventualmente, reajam a esse assédio possam ser menos responsabilizados que os agressores. A depender das circunstâncias. Não sei. Peço a ajuda dos universitários. Mas sei que, antes disso, a polícia e o Ministério Público podem fazer algo a respeito. Terão disposição política de fazer isso com quem se anima a tirar selfies com tanques da Tropa de Choque? E os líderes políticos? Condenarão apenas os excessos praticados pelos que defendem as causas opostas?

queimada

Marlon Brando: mercenário em “Queimada” (1969), de Gillo Pontecorvo

OS LIMITES DO ESCRACHO

Encaminhamentos policiais e jurídicos à parte, é o momento de se refletir sobre o diálogo entre as pontas direita e esquerda do extremismo político. Não é à toa que um dos indignados com o post do MEB lamente apenas o fato de se cobrar pela hostilização, não o escracho em si. Pois este deveria ser feito, em sua opinião, “pelo amor à bandeira”. Como uma espécie de ato heroico. Ora, qual a diferença em relação a certas bandeiras e convicções de movimentos à esquerda, ou movimentos de minoria pós-modernos?

Pouca. Pois esse amor exagerado às causas não constitui exatamente um “amor”, mas fanatismo. A partir do momento em que os fins justifiquem os meios, há algo errado – com quem escracha, não com os escrachados. E alegar que as causas são “justas” não constitui o melhor argumento para justificar essas performances sádicas. Justas para quem? Em nome de quem? De quê? Quem assinará embaixo das consequências de cada uma dessas investidas? Quem pagará o pato, a mesa quebrada, o infarto ou ou suicídio do escrachado?

PS: post do Movimento Endireita Brasil no Facebook foi apagado por volta das 11 horas deste sábado (02/04).

LEIA MAIS:

Caso Chico Buarque expõe os riscos da “fulanização” da política

Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OutrosQuinhentos

Leia Também:

2 comentários para "R$ 1.000 para “hostilizar” Ciro? Brasil inventa os mercenários do escracho"

  1. João Bosco Feres disse:

    Compartilhei o artigo por considerar a situação muito grave. Todos sabemos que o objetivo da direita neste momento, depois de tentar enxovalhar o PT, Lula e Dilma, é criar um ‘clima moralista de ódio’, para facilitar um golpe de estado. A eterna vigilância é o preço da liberdade. Vamos vigiar e denunciar. Nosso país precisa de voltar à normalidade democrática (independente de nossos gostos pessoais) para que possamos pelo menos possamos tentar restabelecer um clima civilizado de luta política.

  2. João Bosco Feres disse:

    Compartilhei o artigo por considerar a situação muito grave. Todos sabemos que o objetivo da direita neste momento, depois de tentar enxovalhar o PT, Lula e Dilma, é criar um ‘clima moralista de ódio’, para facilitar um golpe de estado. A eterna vigilância é o preço da liberdade. Vamos vigiar e denunciar. Nosso país precisa de voltar à normalidade democrática (independente de nossos gostos pessoais) para que possamos pelo menos possamos tentar restabelecer um clima civilizado de luta política.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *