Filho de Ernesto Sabato rejeita homenagem que eliminaria nome de Kirchner
Publicado 17/01/2016 às 02:15
Cineasta não aceita troca de nome de túnel; diz que nome do escritor não deve ser usado para dividir ainda mais os argentinos, “para vingança ou revanche”
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)
O cineasta Mario Sabato recebeu na sexta-feira uma mensagem de um grupo de moradores de Santos Lugares, na Grande Buenos Aires, onde seu pai, o escritor Ernesto Sabato, viveu por décadas até a sua morte, em 2011, e onde fica o museu em homenagem ao argentino, a Casa de Ernesto Sabato. Os vizinhos comunicavam iniciativa de trocar o nome de um túnel que une o bairro ao vizinho Caseros. O nome atual homenageia o ex-presidente Néstor Kirchner (1950-2010).
A homenagem foi concebida apenas um mês após a chegada ao poder do antiperonista Mauricio Macri, que sucedeu Cristina Kirchner. Possui, portanto, um contexto revisionista. Mario Sabato recusou a homenagem.
O cineasta escreveu a seguinte nota para Denise, a porta-voz da demanda dos moradores:
Estimada Denise:
Muito agradeço seu interesse em honrar a memória de meu pai.
Meu pai não era peronista, e durante o governo de Perón minha família passou momentos difíceis. Quando derrubaram Perón, o nomearam diretor de uma revista muito conhecida. A bonança nos durou pouco. Recebeu denúncias concretas de que estavam torturando sindicalistas peronistas, e não hesitou em torná-las públicas. Isto, claro, lhe valeu a demissão da revista e, por um tempo, a inimizade de muitos de seus amigos. Que logo entenderam, como ele, que não havia torturas más (as que fizeram durante o peronismo) nem torturas boas, as que se estavam praticando contra os peronistas.
Desde aquela denúncia, solitária e mal vista pelo poder e pelos meios de comunicação, meu pai teve o afeto de muitos peronistas, que o transmitiram a seus filhos. Há muita gente, estou seguro, sobretudo humilde, que sofreria com a prosperidade de uma iniciativa como a que a senhora nos propõe.
Apelo à sua imaginação e conhecimento da região. Evidente que para mim, para a Casa de Ernesto Sabato, seria uma honra que algum lugar do bairro que meu pai tornou famoso no mundo inteiro levasse seu nome.
O importante é que não gera conflitos desnecessários, já nos sobram muitos nestes momentos de crispação.
Rogo que abandone a iniciativa de que o túnel mude seu nome para o de meu pai.
Reitero meu agradecimento, e peço que entenda que não quero que o nome de meu pai seja usado para dividir ainda mais os argentinos. Ainda que saiba que não seja sua intenção, me desgosta que ele seja usado para algo que soe a vingança ou revanche.
QUEM FOI SABATO
Ernesto Sabato (1911-2011) é um dos principais escritores argentinos do século XX, ao lado de Jorge Luis Borges, Roberto Arlt e Julio Cortázar. Escreveu três romances, “O Túnel”, “Sobre Heróis e Tumbas” e “Abaddón, o Exterminador”, todos editados no Brasil. Além de numerosos ensaios. Em 1984, recebeu na Espanha o Prêmio Miguel de Cervantes. Durante o governo de Raul Alfonsín (1983-1989), coordenou o projeto “Nunca Más”, que investigou os abusos cometidos pelo regime militar argentino.
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“Creo que hay que resistir: éste ha sido mi lema. Pero hoy, cuátans veces me he preguntado cómo encarnar esta palabra”
Ernesto Sabato
“Creo que hay que resistir: éste ha sido mi lema. Pero hoy, cuátans veces me he preguntado cómo encarnar esta palabra”
Ernesto Sabato
Esqueceram de incluir Adolfo Bioy Casares e Rodolfo Walsh.
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