2015 – Mais um ano de naturalização da violência policial (II)

india-prisão

Juvana Xacriabá é presa em Montes Claros (MG)

Cobertura pífia do território nacional pela imprensa e ausência de uma perspectiva histórica contribuem para a perpetuação do modelo de truculência das PMs

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

A falta de perspectiva histórica e geográfica impossibilita uma compreensão plena da violência policial. Não há um acompanhamento minimamente razoável, pela imprensa, da totalidade do território brasileiro e inexiste uma memória – que faça os jornalistas cobrarem do poder público a punição pelos crimes cometidos em outros anos. Vivemos entre a amnésia e um equivalente metropolitano do provincianismo.

Como se viu no primeiro post desta retrospectiva, 2015 – Mais um ano de naturalização da violência policial, a nossa democracia não é absoluta. É para poucos. E, se isso vale para as áreas urbanas, o que se dirá do campo. A violência das polícias na área rural ainda é tratada de modo especialmente ocasional pela imprensa brasileira – que já cobre mal as áreas urbanas. E essa violência existe, como se vê nesta notícia:

10/07 (Autazes, AM): Mulheres e crianças Mura são vítimas de violência policial em Autazes (AM)

Vejamos um trecho do texto:

– Natalina Pinheiro da Conceição, grávida de dois meses, sua irmã Natália Pinheiro da Conceição e Nelcir Gomes Moura foram espancadas e presas por várias horas. Nelcir, que tem uma filha ainda bebê, foi impedida por uma policial de nome Renata de amamentar a criança.

Chocante, não? Mas quem terá visto essa notícia?

Ou estas:

16/07 (Manicoré, AM): No AM, policiais espancaram indígenas que proíbem a pesca esportiva no território Torá/Munduruku

04/09 (Feira de Santana, BA): Entidades repudiam agressão de PMs a indío fulni-ô estudante da UEFS

16/10 (MS): Famílias Guarani e Kaiowá são atacadas, indígenas sofrem torturas e dois seguem desaparecidos

Neste caso o protesto ocorreu em área urbana. O que está longe de significar visibilidade:

10/09 (Montes Claros, MG): Sobre a agressão e prisão arbitrária de uma índia

FALTA DE SEQUÊNCIA

Se existe um problema espacial, uma cobertura territorial precária, há também a mencionada falta de memória. E os casos relativos à violência de outros anos, como ficaram? Houve punições?

Esta execução de dois pichadores aconteceu em 2014. Mas os policiais foram soltos em 2015: PMs acusados de matar pichadores são soltos em SP.

Em meio à dispersão da grande imprensa, a Ponte Jornalismo se afirmou como o veículo de comunicação que fiscaliza mais sistematicamente a violência policial. Com uma memória bem melhor que a dos jornalões.

Este caso de 2014, por exemplo, teve punição: Justiça manda prender 5 PMs por farsa que resultou na morte dos pichadores. Este, de 2013, também: PMs serão denunciados por torturar auxiliar de limpeza da Unifesp.

A coisa complica quando os casos aconteceram muito tempo atrás. Esta chacina, de 1995, ficou sem punição. Prescreveu: Chacina de 13 pessoas no Alemão prescreve e autores ficam impunes.

MORTE DE POLICIAIS

Uma das principais reclamações dos defensores da polícia – ainda que não justifique um único ato de violência – é a falta de notícias sobre mortes de policiais. “Ninguém comenta”, dizem eles. E não deixam de ter razão: neste caso também reinam na imprensa a dispersão e a abordagem protocolar:

14/10 (Rio): Rio é o estado onde mais PMs são mortos no país

09/09 (Fortaleza): Número de policiais mortos no Ceará cresce 57% em 2015

Ou seja, a cobertura da imprensa não contenta ninguém.

DO MEDO À VERGONHA

É claro que cobrir segurança pública não significa ir atrás apenas de histórias de violência, mas acompanhar e debater a problemática. Nesse sentido, a pesquisa Datafolha que mostra o medo da polícia entre os paulistanos merece ser lembrada com atenção: 60% dos paulistanos têm medo da PM, aponta Datafolha.

Novamente uma notícia da Ponte Jornalismo joga luz sobre um aspecto fundamental do problema: a perpetuação de uma cultura da violência. Por que tantas mortes? Para um tenente da Rota, vergonha é não matar em escala:

07/07 (São Paulo): PM que disse ser vergonha não matar 3 pessoas em 5 anos de rua é preso administrativamente

Não à toa, um ex-soldado da PM carioca – preso em Bangu – contou à Ponte que o problema começa lá atrás, bem lá atrás:

20/07 (Rio): “A perversão começa na formação”, diz ex-PM condenado

E ele talvez esteja mais certo do que supõe.

LEIA MAIS:

2015 – Mais um ano de naturalização da violência policial

2015 – Multiplicam-se os vídeos que flagram abusos de PMs

2015 – Rio teve apartheid na zona sul e execução de crianças

Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OutrosQuinhentos

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *