O Brasil, os EUA e o "Hemisfério Ocidental" (2)
Pensamento dominante em Washington enxerga hoje, em quase todos os governos sul-americanos, uma ameaça a ser contida e derrotada
Publicado 27/02/2014 às 12:36 - Atualizado 15/01/2019 às 18:08
Por José Luís Fiori
“A new form of nationalism may emerge, seeking national or regional
identity by confronting the United States. In its deepest sense,
the challenge of Western Hemisphere policy for the United States is
whether it can help bring about the world
envisioned by Free Trade Area of the Americas,
or whether the Western Hemisphere, for the first time in its history,
will break up into competing blocs;
whether democracy and free markets
will remain the dominant institutions
or whether there is a gradual relapse into populist authoritarianism.”
Henry Kissinger “Does America Need a Foreign Policy?”
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O Brasil, EUA e o “Hemisfério Ocidental”
Washington deve sufocar militarmente ações comuns da América do Sul, propôs teórico geopolítico norte-americano mais influente dos no século XX. Em que medida proposição prevalece?
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Em grandes linhas, foi a visão estratégica de Nicholas Spykman1, formulada na década de 1940, que orientou a política externa dos EUA para a América do Sul — democrata e republicana — durante toda a segunda metade do século XX. Nesse período, só Henry Kissinger teve — dentro dos EUA — uma visão geopolítica do mundo tão ampla e inovadora, mas apesar disso, ele não mudou uma vírgula, com relação à visão hemisférica de Spykman. Com a diferença, que Kissinger foi também um executivo, e ocupou cargos de importância crescente, dentro das administrações republicanas, a partir do primeiro governo de Dwight Eisenhower, em 1953, até o final das administrações de Richard Nixon e Gerald Ford, de quem foi Conselheiro de Segurança, e Secretario de Estado, respectivamente. Nesse tempo, participou de conjunturas e decisões internacionais que o transformaram numa das figuras mais importantes da política externa norte-americana, da segunda metade do século XX. Sobretudo durante as administrações de Nixon e Ford, quando deu uma contribuição decisiva para a formulação da nova estratégia dos EUA, de resposta à crise econômica mundial dos anos 70, e à derrota americana no Vietnã, em 1973.
Ele participou diretamente das negociações de paz no Vietnã, que levaram à assinatura dos Acordos de Paris, em 1973; e das negociações secretas com Chou en Lai e Mão Tse Tung, em 1971 e 1972, que levaram à reaproximação dos Estados Unidos com a China, e a reconfiguração completa da geopolítica mundial, antes e depois do fim da Guerra Fria. Mas ao mesmo tempo, Kissinger tomou várias decisões “sangrentas”, que também foram cruciais, como foi o caso da ordem de bombardeio aéreo do Camboja e do Laos, sem a autorização do Congresso Americano, em 1969; do apoio à guerra do Paquistão com a Índia, no território atual de Bangladesh, em 1971; do apoio e financiamento ilegal da invasão do Chipre, pela Turquia, em 1974; do apoio à invasão sul-africana de Angola, em 1975; e finalmente, também em 1975, do apoio à invasão do Timor Leste, pela Indonésia, que se transformou numa ocupação de 24 anos, e custou 200 mil vidas.
Sobre a América do Sul, entretanto, Henry Kissinger inovou muito pouco, com relação à visão de Spykman, sobre o potencial de ameaça para os EUA, dos países do Cone Sul. Já haviam passado três décadas da publicação da sua obra clássica, “America´s Strategy in World Politics”, em 1942, mas Kissinger seguia considerando inaceitável o surgimento de um poder hemisférico alternativo nessa região, e ainda mais, se fosse da parte de um governo de esquerda, ou comunista. Razão pela qual, apoiou e sustentou os violentos golpes militares2 que derrubaram os governos eleitos da Bolívia, em 1971, do Uruguai e do Chile, em 1973, e da Argentina, em 1976. E existem evidencias inapeláveis de que também teve injunção na Operação Condor3, que integrou os serviços de inteligência das Forças Armadas da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, para seqüestrar, torturar e assassinar personalidades políticas de oposição, nesses países.
Nas décadas de 80 e 90, Henry Kissinger afastou-se da diplomacia direta, mas manteve uma influencia pessoal e intelectual muito grande dentro do establishment americano, e entre as elites conservadoras sul-americanas. Em 2001 — uma década depois do fim da Guerra Fria e da “ameaça comunista” — Kissinger publicou um livro4 que marcou época, discutindo o futuro geopolítico do mundo, e sintetizando os novos consensos da politica externa dos EUA, para o século XXI. Chama atenção, de novo, nesse livro, sua posição com relação à América do Sul: para Kissinger, o continente sul-americano segue sendo — no novo século — uma “zona de influencia” onde os EUA não podem admitir nenhum tipo de contestação à sua supremacia estratégica e econômica. Da mesma forma que no século anterior, só que agora, a grande ameaça à supremacia americana já não vem do comunismo, vem do “populismo autoritário”, e do “nacionalismo” dos governos que rejeitam as propostas norte-americanas de integração econômica, do tipo ALCA, na década de 90, e do tipo Aliança do Pacífico, nos anos mais recentes. Ou seja, desse ponto de vista dominante nos EUA, nesse momento, todos os governos da América do Sul representariam uma ameaça aos interesses norte-americanos, que deve ser contida e derrotada, com exceção da Colômbia, do Peru, e do Chile.
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1 J.L.Fiori, “Brasil, EUA e o Hemisfério Ocidental ” (1), Valor Econômico, 29/01/2014
Eu não me surpreenderia se articulações sorrateiras de terrorismo que ocorreram e ocorrem aqui no Brasil; os EUA não estiver patrocinando. Sito o caso do jornalista da rede Bandeirantes de televisão morto durante um manifesto em São Paulo por um rojão e quando o suspeito foi preso ele clamava de medo de ser assassinado.
A América do Sul precisa acelerar a sua integração(Principalmente cultural) e o confronto com a influência estadunidense é inevitavel e precisamos está munidos dessa conciência para que o poderio ianque seja menos nefasto nas sociedades sul-americanas.