Por que o Brasil precisa de mais impostos

Coordenador de campanhas da Oxfam desafia o senso comum e dispara: num país marcado pela desigualdade, é preciso tributar os ricos e aumentar fortemente o gasto social. Rafael Georges, entrevistado

Por Patrícia Fachin, no IHU Online

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Coordenador de campanhas da Oxfam desafia o senso comum e dispara: num país marcado pela desigualdade, é preciso tributar os ricos e aumentar fortemente o gasto social. Rafael Georges, entrevistado

Por Patrícia Fachin, no IHU Online

A redução das desigualdades no Brasil depende de pelo menos duas iniciativas: de um lado, uma reforma tributária progressiva e, de outro, a expansão do gasto social, diz Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam Brasil e um dos responsáveis pelo relatório “A distância que nos une. Um retrato das desigualdades brasileiras”, elaborado pela instituição.

Entretanto, adverte, a discussão pública sobre tributação no Brasil está “enviesada para o lado errado”. Segundo ele, em geral os brasileiros veem o imposto como um vilão e resistem a discutir uma reforma. “Nós não deveríamos vilanizar o imposto, mas discutir a qualidade do gasto público e quem realmente paga a conta”, argumenta.

Além disso, pontua, um empecilho que tem dificultado o debate sobre a reforma tributária diz respeito aos confrontos de interesses dos governos estaduais. “Existem vencedores na guerra fiscal e eles não querem largar a ideia de terem controle sobre as alíquotas. (…) Então, esse conflito entre os diferentes agentes empurra o debate para um outro nível, o de rever o pacto federativo, ou seja, rever como se arrecadam e se redistribuem recursos no país para os entes da federação”, sugere na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line.

Na avaliação de Georges, uma reforma tributária que criasse novas alíquotas com base na arrecadação do imposto de renda seria fundamental para reduzir as desigualdades no país. “Essa perda de progressividade tem que ser corrigida e algumas saídas poderiam ser adotadas para isso, como tributar lucros e dividendos”. Somado a essa medida, frisa, “é necessário expandir o gasto social, mas essa discussão precisa se modernizar: o gasto tem que ser expandido, mas sua progressividade e sua qualidade devem aumentar. Também é necessário estabelecer mecanismos de transparência, de prestação de contas e de avaliação e, nesse sentido, tem que ser feito um debate sobre gestão pública, porque só colocar mais dinheiro no pote não resolve o problema”, conclui.

Rafael Georges | Foto: Arquivo Pessoal/Twitter

Rafael Georges é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UnB, onde atualmente cursa o doutorado em Ciência Política. Foi coordenador de campanhas no Greenpeace, assessor parlamentar na Câmara Federal, assessor político na Oxfam Internacional. Atualmente é coordenador de campanhas da Oxfam Brasil.

Confira a entrevista.

Como foi feito o relatório da Oxfam intitulado “A distância que nos une. Um retrato das desigualdades brasileiras”, segundo o qual 5% das pessoas mais ricas do Brasil possuem a mesma fatia de renda que 95% da população? Como chegaram a esses dados?

A Oxfam fez um levantamento razoavelmente amplo de pesquisas que tratavam das desigualdades e definiu três campos para aprofundar a análise do relatório: desigualdade de renda, desigualdade de patrimônio e desigualdade ao acesso a serviços essenciais. Em relação ao primeiro campo, existem muito mais dados disponíveis e, por isso, exploramos mais o aspecto das desigualdades em relação à renda, lançando um olhar sobre como elas recaem de modo mais pesado sobre as mulheres e os negros. Essa abordagem resume a primeira parte do relatório. A segunda parte diz respeito a um olhar que lançamos sobre as políticas públicas e as desigualdades, ou seja, sobre quais são as políticas que aumentaram ou diminuíram as desigualdades ao longo das últimas décadas. Depois fizemos uma reflexão que conseguiu abordar temas chaves que fazem parte de um debate sobre soluções para tratar as desigualdades no país daqui para frente.

Considerando esses três indicadores analisados, em quais as desigualdades são mais expressivas?

A desigualdade é um fenômeno complexo e multifacetado. Selecionamos esses três indicadores para medir as desigualdades porque esses são comumente utilizados, mas existem outros que poderiam ser medidos. Existem desigualdades que não são ligadas somente à renda, ao patrimônio ou ao acesso a serviços essenciais. Existem desigualdades em relação à oferta de infraestrutura urbana, de acesso à cultura, de acesso ao lazer.

Globalmente costumamos fazer um informe anual na época do Fórum Econômico Mundial, em Davos, no qual fazemos um exercício de reflexão sobre as desigualdades econômicas, sobretudo as desigualdades de patrimônio, que são apresentadas pelos famosos dados de que oito pessoas no mundo têm o mesmo patrimônio da metade da população mundial. No Brasil, achamos prudente fazer a mesma análise.

Por que as desigualdades recaem mais sobre estes dois grupos – mulheres e negros? A que fatores associam isso?

Os dados mostram que tanto a população negra quanto as mulheres ao longo das últimas décadas aumentaram sua inserção na economia, seja porque entraram na economia formal, seja porque a renda geral deles aumentou, ou ainda por outros fatores. O fato é que esses grupos estão mais presentes na economia e houve uma redução das desigualdades nesse aspecto. Entretanto, o ritmo de inserção deles na economia ainda é muito baixo, e os negros e mulheres têm enfrentado barreiras muito difíceis. As mulheres, individualmente, enfrentam desafios pessoais, e quando consideramos o coletivo, observamos que existem barreiras sociais para o crescimento das mulheres. O fato de elas serem empurradas para o trabalho reprodutivo é um deles. A mulher em geral é a pessoa que cuida dos filhos, da casa, dos idosos, e esse tipo de trabalho ocupa espaço na agenda dela. Esse papel social que é dado à mulher faz com que ela tenha limites no seu crescimento profissional. Um dos efeitos disso é o não crescimento da renda das mulheres.

A situação da população negra está relacionada a esse tipo de barreira, mas também existem outras, como o racismo, que é praticado no dia a dia. Isso aparece no momento em que se selecionam pessoas para trabalhar em empresas, nas dificuldades que elas têm para chegar a cargos de lideranças. A outra barreira que recai sobre os negros é o acesso à educação geral. Como existe uma correlação entre baixa renda e a população negra, existe uma massa de pessoas que não consegue ter acesso à educação e isso impacta na renda. Então, a desigualdade recai mais sobre esses grupos, porque eles estão na base da distribuição de renda.

Nos últimos anos se comemorou a redução da pobreza e das desigualdades no país, principalmente ao se considerar dados como o aumento do salário mínimo, o aumento do emprego formal e o ingresso de mais pessoas nas universidades. Entretanto, recentemente alguns pesquisadores que utilizam como base de dados as informações do Imposto de Renda afirmaram que as desigualdades sociais não foram reduzidas nos últimos 15 anos. Analisando em retrospectiva, que avaliação você faz das políticas públicas adotadas no país nos últimos anos para enfrentar as desigualdades? Quais foram os pontos positivos das políticas e quais seus limites para tratar essa questão?

Nós incorporamos alguns dados desse estudo do Marc Morgan no nosso relatório. Esses estudos que utilizam dados tributários para analisar as desigualdades são muito interessantes. Os dados apresentados não são novos, porque quando o estudo foi publicado, alguns pesquisadores do Ipea já haviam feito análises e demonstrado que existia uma espécie de estabilidade nas desigualdades de renda no Brasil. De todo modo, esses estudos são um passo largo para entender as desigualdades no país. Entretanto, não podemos comprar o discurso fácil de que nada mudou, porque muita coisa mudou. Se uma pessoa se teletransportasse para o final dos anos 90 e para o final dos anos 2000, ela perceberia uma mudança grande no país. Então, os números sozinhos não dizem tudo.

Agora, existe um dado pessimista e um dado otimista vindo, particularmente, desse estudo mais recente. O dado otimista é que houve uma certa redistribuição de renda dentro da massa dos brasileiros da classe média e da classe baixa. Então, houve redução das desigualdades em relação à renda do trabalho e isso é bom. Por outro lado, existe uma elite que continuou ganhando as maiores parcelas da renda nacional, e isso ocorreu, segundo as análises que tratam das desigualdades, porque o nível educacional ainda está concentrado numa elite muito pequena. Além disso, trabalha-se com a hipótese de que patrimônio gera renda, então, como o patrimônio no país é muito concentrado, há uma elite que detém a maior parte do patrimônio e que consegue gerar renda a partir desse patrimônio, sem gerar renda a partir do trabalho. Por fim, e talvez esta seja a hipótese mais importante, existe uma elite da elite que ganha uma renda não tributada, que é a renda do capital, como os grandes empresários. Trata-se de uma minoria no país, a qual detém uma renda que é muito maior do que a renda vinda do trabalho.

O que deu certo é que o Brasil reduziu a pobreza drasticamente nas duas últimas décadas e houve também uma expansão do gasto público. Essa sempre foi uma bandeira que todos defenderam e não temos que ter vergonha de defendê-la, porque o Estado tem que ter capacidade de investir em saúde, educação, creche, assistência social. O gasto público no país aumentou significativamente por conta do aumento do investimento em assistência social e o programa Bolsa Família se expandiu na década de 2000 e atingiu em cheio a pobreza. Além disso, houve um crescimento da previdência pública no país, e um pouco de investimento na educação, mas a saúde ficou estagnada. No caso da previdência, ela é progressiva e redistribui renda, apesar de que ela poderia distribuir muito mais. Existe um regime próprio da previdência para servidores que é concentrador de renda, porque há poucas pessoas que concentram a maior parte dos benefícios previdenciários. Mas o regime geral do INSS, que atinge os trabalhadores em geral, é progressivo e chega mais em quem mais precisa.

De outro lado, o que não deu certo na tentativa de reduzir as desigualdades foi a política tributária, porque ela é regressiva, ou seja, concentra renda ao invés de distribuí-la, e cobra mais dos mais pobres e menos dos mais ricos. No Brasil, quem financia o Estado são a classe média e os mais pobres, que são justamente os maiores interessados em se beneficiar do Estado, mas não há redistribuição. Então, como os mais pobres são os mais penalizados, há um aumento das desigualdades.

Além disso, o sistema político precisa ser repensado não sob a ótica que tem sido colocada hoje, mas sob a ótica de fazer a democracia reconquistar corações e mentes no Brasil e fazer com que as pessoas confiem de novo nas instituições. Esse é um debate fundamental, porque o modo como a corrupção vem aparecendo no noticiário, em ritmo diário, fez as pessoas perderem a confiança de que o Estado e a democracia são instituições capazes de reduzir as desigualdades. Mas essas são as únicas esperanças, porque a experiência histórica mostra que se não tivermos um Estado forte, participativo, transparente, não conseguiremos redistribuir renda e reduzir as desigualdades.

Um dos tópicos do relatório da Oxfam trata justamente sobre a importância do gasto social para reduzir as desigualdades. Acerca disso, quais devem ser as implicações da PEC do teto do gasto no enfrentamento das desigualdades?

Existem projeções que foram feitas por pesquisadores em relação a quanto o Estado deve deixar de arrecadar. A Oxfam ainda não fez nenhuma projeção sobre isso, mas vemos com preocupação o fato de que o Brasil não se encontra num estágio em que os gastos sociais estejam em um nível altíssimo. Talvez, comparativamente aos demais países da América Latina, sim, mas se compararmos com os países nos quais gostaríamos de nos espelhar, que têm um estado de bem–estar funcional, nossos gastos sociais estão bastante abaixo do esperado. O gasto em saúde, por exemplo, se manteve estagnado nos últimos anos.

É necessário expandir o gasto social, mas essa discussão precisa se modernizar: o gasto tem que ser expandido, mas sua progressividade e sua qualidade devem aumentar. Também é necessário estabelecer mecanismos de transparência, de prestação de contas e de avaliação e, nesse sentido, tem que ser feito um debate sobre gestão pública, porque só colocar mais dinheiro no pote não resolve o problema.

Qual é o peso do mercado de trabalho na superação das desigualdades? No Brasil o mercado de trabalho cresceu nos últimos anos, mas isso ocorreu especialmente no setor de serviços, que tem os piores salários.

Nas duas últimas décadas, o Brasil aumentou a formalização do trabalho e também o salário mínimo, e hoje muitos empregos formais são atrelados ao salário mínimo. Então, quando se aumenta o salário mínimo se aumenta a renda geral de quem ganha pouco, que é a maioria da população. Essas políticas, junto com o combate ao desemprego e o controle da inflação, tiveram um papel decisivo para explicar a queda das desigualdades de renda do trabalho ao longo dos anos 2000. Realmente, o mercado de trabalho tem um peso enorme na redistribuição de renda.

Um cálculo da ONU, que mencionamos no relatório da Oxfam, mostra que o mercado de trabalho resolve muito mais as questões de desigualdade do que os programas de transferência de renda. Esse certamente já é um ponto pacífico. Os problemas sociais resolvem muito mais as questões relacionadas à pobreza do que as relacionadas às desigualdades. O problema é que num contexto de crise, se dependermos somente do mercado de trabalho e do nível de emprego de um país, as variações possíveis no mercado podem jogar muitas pessoas na pobreza. Então, quando há uma crise e um Estado forte, é possível estabelecer uma proteção para não arremessar as pessoas de volta para a linha da pobreza. Isso é importante no combate às desigualdades de modo mais estrutural. Por isso, é importante ter políticas de mercado, políticas trabalhistas fortes, garantir direitos, garantir ofertas de trabalho decentes.

Se tivermos políticas sociais fortes, é possível rapidamente reduzir as desigualdades. Mas, junto com as políticas trabalhistas, precisam ser desenvolvidos outros tipos de políticas, mais estruturantes do ponto de vista das desigualdades.

Alguns teóricos têm sugerido novamente a instituição de uma renda mínima para enfrentar possíveis problemas futuros em relação ao mercado de trabalho e às desigualdades. Como vê esse tipo de proposta para o Brasil?

Eu me pergunto se renda mínima, num país que tem tanta concentração, resolve o problema das desigualdades. Certamente pode resolver a situação de não ter pessoas mergulhadas na pobreza e mantém uma sociedade com capacidade de compra, porque do contrário, se mata o poder de consumo das sociedades. Mas a discussão da redução das desigualdades não pode ser reduzida a isso; a renda mínima é um conceito excelente, mas temos que ampliar os horizontes do debate, pensando numa sociedade mais solidária e redistributiva.

Muitos sociólogos e economistas afirmam que uma reforma tributária poderia resolver parte dos problemas brasileiros relacionados às desigualdades. Que modelo tributário deveria ser adotado tendo em vista a realidade brasileira?

Não vou dar conta de todos os pontos, mas no nosso relatório apontamos algumas mudanças que seriam bem-vindas no sistema tributário brasileiro. A primeira delas seria aquela relacionada ao aumento da progressividade do imposto de renda, porque o imposto de renda hoje cobra mais de quem ganha até determinado patamar, mas a partir da linha dos 20 salários mínimos, começa uma trajetória de queda de quanto efetivamente se paga de imposto. Então, de 20 salários mínimos em diante, menos imposto se paga. Além disso, quem ganha 80 salários recebe uma isenção média de 66% de tudo que ganha de renda. Essa perda de progressividade tem que ser corrigida e algumas saídas poderiam ser adotadas para isso, como tributar lucros e dividendos. Essa medida seria uma equiparação com o que se pratica em outros lugares do mundo. O Brasil é um dos poucos países que praticam esse tipo de isenção sobre lucros e dividendos.

O segundo ponto poderia ser endereçado – e esse governo até tentou fazer isso, mas depois recuou – ao aumento da alíquota máxima do imposto de renda, mas criando novas bandas. Ou seja, uma pessoa que ganha a partir de 4.600 reais paga 27,5% de imposto, independentemente de ela ter um salário de 4.600 reais ou rendimentos mensais de até 400 mil reais. Então, seria importante criar novas faixas de tributação e aumentar a faixa para quem recebe salários maiores. Essa seria uma medida importante para corrigir uma distorção que joga contra a capacidade redistributiva do sistema tributário.

Outras medidas que defendemos estão relacionadas à redistribuição da carga tributária, aumentando os impostos diretos e reduzindo os indiretos, ou seja, os que recaem sobre os produtos e serviços e são repassados para a população, como o imposto que está embutido em qualquer produto que compramos. Ricos, classe média e pobres compram refrigerantes, medicamentos e outros produtos, e todos pagam o mesmo imposto, mas ele recai de maneira diferente no bolso do mais rico, da classe média e do mais pobre. As pessoas mais pobres gastam mais a sua renda com impostos, então é preciso reduzir a carga tributária dos mais pobres e da classe média. A classe média paga muito imposto no Brasil; isso é algo que temos que sublinhar, e ela tem razão de estar insatisfeita.

Quais são as dificuldades e empecilhos de discutir um novo tipo de tributação no país?

Existe uma discussão pública que está enviesada para o lado errado: no Brasil se vilaniza imposto e esse não é um privilégio nosso, mas no país existe uma resistência a se discutir imposto, como se ele em si fosse algo ruim. O imposto é simplesmente a forma que financia o Estado que está aí para oferecer serviços. Nós não deveríamos vilanizar o imposto, mas discutir a qualidade do gasto público e quem realmente paga a conta. No Brasil, como existe uma resistência grande sobre tributos em geral, não conseguimos entrar nessa discussão.

Um dos maiores empecilhos para que se emplaquem reformas tributárias justas é o fato de que as pessoas não querem falar de tributos. Claro que em alguma medida elas não estão erradas, porque em geral as camadas mais baixas e a classe média – e falo de uma classe média larga, que são os 91% que têm renda de até 15 mil reais per capita – pagam muito imposto, seja na renda ou nos serviços, e existe um topo no país que concentra quase 1/3, ou seja, 1% concentra 28% da renda nacional, que praticamente não paga impostos.

Outro empecilho está no fato de que o sistema tributário é altamente complexo, com vários atores que têm interesses que se confrontam. Por exemplo, historicamente, qual é o papel que os governos estaduais têm tido nessas discussões? São papéis difusos e que não se encontram na tentativa de se unificar em torno da reforma de um grande imposto de valor agregado, porque muitos se beneficiam de incentivos que eles têm poder de gerar reduzindo o ICMS nos estados. Existem vencedores na guerra fiscal e eles não querem largar a ideia de terem controle sobre as alíquotas. Os municípios também se apoiam muito no ISS. Então, esse conflito entre os diferentes agentes empurra o debate para um outro nível, o de rever o pacto federativo, ou seja, rever como se arrecadam e se redistribuem recursos no país para os entes da federação. Por ser uma discussão muito grande, em geral ela não tem logrado passar por grandes mudanças, mas se quisermos dar um salto, é preciso encarar o tema da reforma tributária e destrinchar o emaranhado de interesses conflitantes para podermos gerar um sistema justo, porque hoje o sistema prejudica mais gente do que beneficia.

Como esse debate sobre as desigualdades e tributação tem sido feito no cenário político? Alguma proposta em tramitação no Congresso tem lhe chamado atenção? Algum partido tem levantado essa questão com propostas efetivas?

Existem vários projetos de lei sobre tributação e políticas fiscais em geral tramitando na Câmara, mas precisamos tirar essa discussão do âmbito técnico e jogá-la para a sociedade. Claro que o sistema tributário não é simples e precisa de especialistas para fazer a engenharia necessária para que se possa ter um sistema funcional. Mas a discussão é essencialmente política, é uma discussão sobre quem paga a conta do Estado e sobre quem se beneficia dos gastos públicos. Essa discussão tem que ser traduzida.

A Oxfam não tem a pretensão de ser o grande porta-voz desse debate, mas estamos contribuindo e tentando publicizar um tema que precisa chegar à casa das famílias. Essa discussão é mais comum em outros países, mas no Brasil as pessoas precisam perder o medo de discutir tributação, porque enquanto elas tiverem medo, quem ganha são os super-ricos.

Diferentes governos de diferentes partidos tentaram reformas tributárias e não conseguiram. Acho que, para além da eleição, temos que trazer esse debate para o dia a dia, porque essa tem que ser uma agenda de debate público constante. A reforma tributária no Brasil será um grande desafio, tal como a reforma política, que são as mais importantes que temos para fazer.

Deseja acrescentar algo?

Costumamos falar que desigualdades não são naturais e é fundamental que as pessoas entendam isso, ou seja, não se pode achar normal que uma pessoa tenha quase nada e outra tenha bilhões. Existe um mecanismo operando em favor disso, e o contrário desse mecanismo não é a completa igualdade, porque acreditamos na diversidade; o contrário desse mecanismo é uma sociedade justa, que abra espaço para as desigualdades meritocráticas, de quem trabalhou mais, de quem tem mais talento, as quais não conseguimos identificar hoje exatamente porque o sistema é muito injusto.

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