Década perdida

Pesquisa inédita da FGV mostra que país regrediu, e o percentual de pessoas abaixo da linha da pobreza voltou ao patamar de sete anos atrás

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14 de setembro de 2018

DÉCADA PERDIDA

Estudo inédito do economista Marcelo Neri (FGV) revela que o percentual de pessoas abaixo da linha da pobreza voltou ao patamar de sete anos atrás. Em 2017, a situação afetou 11,18% dos brasileiros; em 2012, 10,52%, o que leva o país a uma situação próxima a 2011, quando afetou 12,43%.

Não é difícil encontrar os brasileiros que experimentaram uma piora nas condições de renda e bem-estar depois de 2014, quando a tendência de redução da desigualdade atingiu seu melhor desempenho. O UOL foi à periferia de Maceió e conversou com várias pessoas que perderam o emprego, vivem de bicos, só fazem uma refeição por dia, não têm mais poder de compra, dependem da caridade para complementar sua alimentação…  “Eu venho diz sim, dia não. Pego uma quantidade para dois dias. Muitas vezes, a sopa é o único alimento da gente. O preço das coisas aumentou e não dá mais para comprar a mesma quantidade de antes. Recebo R$ 80 de Bolsa Família e isso só dá para pagar água e luz”, disse Marise da Silva Santos, moradora da periferia da capital alagoana, aos repórteres que a encontraram na fila da sopa que é distribuída às 17h, mas começa a se formar às 15h.

Segundo o estudo, a recessão econômica tem parte importante da culpa, mas a falta de políticas públicas para os mais pobres também. E embora haja uma melhora nos números da economia, o bolo da desigualdade cresceu e não dá mostras de diminuir. Os grupos que tiveram as maiores perdas na renda foram os jovens de 15 a 19 anos (-20%), aqueles que só têm até oito anos de estudo (-11,6%) e quem vive no Nordeste (-6,4%).

FOME AVANÇA

Esses resultados parecem ser corroborados pela tendência mundial apontada pelo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Lançado na terça, ele constatou alta no número de pessoas que ingerem menos calorias por dia do que o necessário. Em 2017, foram 821 milhões; 15 milhões a mais do que no ano anterior. E entre as causas para o aumento – que acontece pelo terceiro ano consecutivo – estão os eventos climáticos extremos… E as crises econômicas. A FAO, porém, ainda não mede um aumento nos números da fome no Brasil, que na comparação com outros países lusófonos, é apontado como exemplo de redução da fome, junto com Angola. A entidade mede a melhora por uma comparação entre o biênio 2004-2006, quando 8,6 milhões de pessoas passavam fome por aqui, e o biênio 2015-2017, quando 5,2 milhões se encontraram nessa situação. Mas o diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, tem declarado desde o ano passado que o país pode voltar ao Mapa da Fome. E outros repórteres foram a campo e verificaram famílias que enfrentam o problema depois de anos de comida na mesa (aqui e aqui).

TEMPESTADE PERFEITA

A pesquisadora Ligia Bahia (UFRJ) foi entrevistada pelo Tutameia, site criado por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena. E na conversa que durou duas horas, ela afirmou: “Está se anunciando, infelizmente, uma tempestade sanitária perfeita. A gente vai fazer uma pororoca. Tínhamos graves problemas. Alguns estavam sendo atenuados e estávamos indo para frente. Teremos um retrocesso que vai encontrar os problemas sobre o quais ainda não tínhamos conseguido ter solução”. A médica se refere ao aumento da mortalidade infantil, redução da cobertura vacinal que faz voltar doenças já superadas como o sarampo, epidemias, como a de febre amarela, aumento nos números da violência, com recordes de assassinatos, retrocessos no combate à Aids e nas políticas voltadas às doenças mentais e abuso do consumo de drogas. E, também para ela, tudo isso tem que ser analisado tendo como pano de fundo as políticas de austeridade, que cortam programas sociais e verbas para a ciência, e a crise econômica, que aumentou desemprego e achatou salários.

FIM DA CAMPANHA

Termina hoje a campanha nacional de vacinação contra o sarampo e a pólio. Ainda não há um balanço atualizado, mas na última terça o Ministério da Saúde divulgou dados preliminares do Programa Nacional de Imunizações que indicavam que a média em todo o país tinha chegado a 94,7%, muito próximo dos 95% recomendados pela OMS. O problema é que em alguns estados os números não eram bons, caso do Rio de Janeiro (78%), Roraima (83%), Distrito Federal (86%), Acre (87%) e Piauí (87%).

MUDANÇAS

O Ministério da Saúde revogou a regra para compra de remédios no SUS. Agora, a indústria farmacêutica não precisa mais apresentar o Certificado de Boas Práticas de Fabricação, documento emitido pela Anvisa. Bastará o registro do produto, também obtido na Agência. Para o presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos, entrevista pelo Estadão, a medida “afrouxa” as exigências que podem garantir a segurança dos produtos, na medida em que o certificado de boas práticas é renovado a casa dois anos, enquanto o registro é renovado a cada cinco. A Anvisa afirmou que os documentos têm objetivos diferentes. O registro comprova a segurança e a eficácia do remédio, enquanto o certificado atesta as condições de fabricação, não sendo exigido para um medicamento específico, mas para linhas de produção. Já o Ministério afirma que nada disso vai trazer insegurança e joga a decisão no colo do Tribunal de Contas da União, que teria pedido a mudança.

RUMO À ASTANA

O Conselho Nacional de Saúde aprovou ontem um documento com 13 diretrizes que devem nortear a participação do Brasil na Conferência Global sobre Atenção Primária à Saúde, que acontece nos dias 25 e 26 de outubro em Astana, no Cazaquistão. O evento serve de balanço e atualização à Declaração de Alma-Ata, que completou 40 anos na quarta-feira. Para o Conselho, princípios como a saúde como direito humano fundamental e universal devem ser mantidos. Mas há polêmica à vista. É que a cobertura universal de saúde – agenda prioritária da OMS e objetivo de desenvolvimento sustentável a ser atingido até 2030 – precisa ser problematizada, segundo o órgão. O conceito, diz o documento, “perverte o direito à saúde restringindo-o à lógica financeira” neoliberal, pois enfraquece a meta de Alma-Ata de que os países devem constituir sistemas universais de saúde públicos. De acordo com os exemplos dados pela OMS de cobertura universal, é possível atingir essa meta com um pacote mínimo de serviços que atinja toda a população, ou comprando seguros do setor privado. O Brasil, junto com os países sul-americanos, defendeu essa posição em 2014. Tanto que nas Américas, o termo usado oficialmente é “cobertura e acesso universal”.

CONSTITUINTE SEM POVO

O candidato a vice de Jair Bolsonaro (PSL), general Hamilton Mourão,defendeu ontem que o país precisa de uma nova Constituição. Mas, para ele, a Carta deve ser elaborada por “notáveis”, sem Assembleia Constituinte. Mourão – que em entrevista à GloboNews na semana passada defendeu o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra dizendo que “heróis matam” – considera a Constituição de 1988, que criou o SUS, um “erro”.

CPI DOS PLANOS

Essa semana, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) cobrou do presidente da Casa Eunício Oliveira (MDB-CE) a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Planos de Saúde. Aprovada em 11 de julho, a CPI até hoje não teve seus membros indicados pelos líderes dos partidos. Em ano eleitoral… Por que será?

CUSTOS CRESCENTES

Segundo estudo da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), os custos dos planos de saúde aumentaram quase R$ 49 bilhões entre 2012 e 2017. A entidade concluiu que 70% desse valor pode ser atribuído ao uso que o consumidor faz do convênio. Para a diretora-executiva da Anahp, Martha Oliveira, isso pode ser entendido por dois fatores. O primeiro é o medo de perder o emprego e, consequentemente, o plano, que faria com que as pessoas procurassem fazer check-ups com mais freqüência. E o segundo é a especialização da medicina. “A culpa é do nosso sistema de saúde que é desorganizado. Não há um médico centralizador dos atendimentos. O usuário procura vários especialistas que, por sua vez, indicam vários exames, muitas vezes repetidos”, disse em entrevista ao Valor.

CONFLITO DE INTERESSES

Editorial de hoje da Folha aborda o caso do sofosbuvir, droga capaz de curar 95% dos casos de hepatite C. Como já dissemos, há uma disputa judicial em curso, já que a fabricante do remédio, Gilead, quer impedir que o Ministério da Saúde compre o medicamento genérico produzido pela Fiocruz. Muito mais barato, renderia uma economia de nada menos do que R$ 1 bilhão à pasta. Mas o Ministério sustou a compra do genérico em agosto, diante da contestação da empresa norte-americana. Segundo a Folha:

“No Brasil, a poupança ajudaria um governo atolado em crise orçamentária. Seria prudente, porém, manter os canais de negociação para obter novas reduções de preço sem emitir o sempre problemático sinal de que aqui se quebram patentes facilmente. A empresa pode argumentar, não sem razão, que o privilégio da patente serve para remunerar o investimento realizado ao desenvolver o remédio. Igualmente verdadeiro é o interesse dos enfermos, e esse conflito não se dá sem custos”

STF DECIDIU

A segunda turma do Supremo decidiu na terça que pessoas que importam pequenas quantidades de sementes de canabbis não podem ser enquadradas nos crimes de tráfico internacional de drogas nem contrabando. A definição aconteceu no julgamento de um habeas corpus movido pela defesa de duas pessoas que importaram 15 e 26 sementes. Gilmar Mendes, relator da ação, defendeu que a importação de sementes de maconha para uso próprio é relativa ao artigo 28 da Lei de Drogas, que diz que quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido à advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; e medida educativa de comparecimento à programa ou curso. Votaram com ele Edson Fachin e Ricardo Lewandowski. O único voto contra foi o de Dias Toffoli, que tomou posse ontem como presidente do STF.

QUEM MATOU?

Quem mandou matar Marielle Franco e Anderson Gomes? Hoje faz seis meses que essas perguntas continuam sem respostas.

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