Bolsonaro e o SUS

Candidato do PSL à Presidência foi salvo pelo SUS, mas suas propostas para a saúde vão na contramão do fortalecimento do Sistema

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10 de setembro de 2018

BOLSONARO E O SUS

Na véspera do 7 de setembro, quando muita gente já estava de olho no feriado, a notícia do atentado cometido em Juiz de Fora (MG) contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) deixou o país elétrico. Em um primeiro momento, imperou a desinformação. Diferente das campanhas eleitorais nos Estados Unidos, e talvez pelo estado de crise econômica que afeta a mídia brasileira, não havia muitos “carrapatos” com o candidato – ou seja, repórteres escalados para acompanhar os políticos em campanha onde quer que seja. Mesmo em círculos de jornalistas, houve dificuldades para confirmar informações sobre a gravidade e extensão do ferimento, algo que acabou sendo feito numa apuração pelo telefone feita do Rio pela repórter da revista Piauí Malu Gaspar – que também revelou em primeira mão que o autor confesso do crime, Adelio Bispo de Oliveira, sofre provavelmente de um transtorno mental, e afirmou aos agentes da Polícia Federal que ao desferir a facada estava cumprindo “ordem de Deus”.

Depois, com a coletiva de imprensa concedida pela equipe de médicos da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora que operou Bolsonaro, foi explicado que o candidato chegou ao hospital com hemorragia interna, algo comum já que o ferimento aconteceu no abdômen (a falta de sangue nas imagens divulgadas após o atentado foi um dos elementos de confusão da história). Deu entrada na unidade por volta das 15h40 e foi submetido a uma laparotomia. Paulo Gonçalves de Oliveira Junior, especialista em cirurgia vascular, foi chamado às pressas para ajudar a identificar a fonte do sangramento, que fez cair a pressão de Bolsonaro para 7 por 4. Os médicos então detectaram que o intestino grosso, a veia mesentérica e um ramo dela, haviam sido atingidos, e que havia lesões no intestino delgado. As veias e o intestino delgado foram suturados. Já a lesão no intestino grosso está sendo tratada por colostomia.

A história da cirurgia foi contada por outra repórter da Piauí, Consuelo Dieguez, numa matéria que circulou muito nas redes sociais com o título “SUS salva Bolsonaro por R$ 367,06”. Ela pesquisou os valores da tabela usada pelo Sistema Único de Saúde para remunerar unidades conveniadas, caso da Santa Casa. E divulgou que o procedimento custa esse valor, que seria dividido entre os médicos que participaram da cirurgia e que o hospital receberia ao todo R$ 1.090,80.

O pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alcides Miranda chamou atenção na sua página do Facebook para o fato de que os valores da tabela são repassados para as entidades conveniadas e contratadas pelo SUS, e que os médicos não recebem (ou dividem, no caso) o valor do procedimento médico (como os R$ 367,06) mas geralmente recebem um salário mensal.

Fato é que o SUS, mesmo por meio de uma unidade conveniada, foi protagonista nessa história – e muita, mas muita gente comentou que se não fosse o sistema público, Bolsonaro e todas as outras pessoas que precisam de cuidados médicos numa emergência estariam muitíssimo vulneráveis e nossos índices de mortalidade, provavelmente, aumentariam.

O candidato defende a desconstrução do Sistema, com o uso de “vouchers” pagos pela Viúva, de modo que a população possa usar um determinado número de consultas e procedimentos na rede particular.

Bolsonaro, aliás, foi transferido para o Hospital Israelita Albert Einstein – um dos maiores do país, que apesar de lucrativo, também é beneficiado pelo SUS com isenção fiscal por meio de um programa chamado Proadi.

DEBATE MORNO

Ontem teve debate com presidenciáveis, desfalcado por Bolsonaro, hospitalizado, e Haddad, que ainda não foi confirmado pelo PT como o cabeça de chapa. Foi o pior até agora. Organizado pela TV Gazeta e pelo Estadão teve comentários sobre saúde nos três blocos, resumidos para o Outra Saúdepela repórter Leila Leal, da Eté Checagem.

No primeiro, Geraldo Alckmin (PSDB) prometeu corrigir a tabela SUS, sobre a qual falamos há pouco, e disse que vai estender o programa implantado por ele em São Paulo, chamado Santas Casas Sustentáveis, para todo o país. Também disse que pretende cobrar dos planos de saúde o ressarcimento ao SUS (que já existe) e, segundo ele, pode trazer R$ 3 bilhões para o Sistema. Já Álvaro Dias (PODE) citou o estudo do Banco Mundial para argumentar que há verba para saúde e o problema é a ineficiência e a corrupção.

No segundo bloco, o assunto foi o projeto de lei 6.299, conhecido como “Pacote de  Veneno”, que visa flexibilizar e desregulamentar normas de aprovação e uso de agrotóxicos no país. Dias defendeu que “agrotóxicos são aplicados em todos os países do mundo”, que basta “fiscalizar a aplicação” e afirmou que “ou usa agrotóxico, ou não alimenta” a população. Já Guilherme Boulos (PSOL) afirmou ser “absolutamente” contra o “PL do Veneno” e defendeu que a solução é reforma agrária com produção agroecológica. O candidato lembrou que o Brasil é país que mais consome agrotóxicos no mundo.

Por fim, no terceiro bloco, o saneamento básico foi abordado e Alckmin afirmou que quase metade da população brasileira não tem acesso às redes de esgoto, enquanto Henrique Meirelles (MDB) disse que 20 das 30 maiores cidades não têm redes de esgoto. Ambos acreditam que a falta de saneamento é principal causa dos problemas de saúde.

Também teve Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (rede) falando sobre o SUS. Ele prometeu resolver a dificuldade de acesso aos médicos especialistas nos municípios brasileiros e, para isso, quer criar policlínicas que atendam 12 especialidades, conforme modelo do Ceará. Marina afirmou que quer “fazer do SUS o plano de saúde dos brasileiros”. E, para isso,  ampliar a cobertura, valorizando a atenção básica e a Estratégia Saúde da Família e implantando para valer a regionalização, que é a organização das pouco mais de 400 regiões de saúde que existem no país.

POR AÍ

Em campanha pelo interior do Ceará, Ciro Gomes declarou que pretende criar um prêmio de R$ 100 mil destinados a unidades básicas de saúde e postos. Será no âmbito de um programa de avaliação do cumprimento de metas de satisfação dos usuários.

A SAÚDE NOS PROGRAMAS

Os pesquisadores Ligia Bahia (UFRJ), Mário Scheffer (USP) e Ialê Falleiros (Fiocruz) analisaram neste artigo como a saúde aparece nos programas dos candidatos à Presidência protocolados no Tribunal Superior Eleitoral. Eles verificaram a relevância das propostas para a melhoria da rede de serviços e da saúde da população.

No financiamento, por exemplo, verificam que a maioria (sete candidatos) propõem aumento de recursos federais para o SUS, mas Ciro, Daciolo (Patriota), Meirelles e Marina não dão clareza de como isso vai ser feito, enquanto Boulos, Lula e João Goulart Filho (PPL) definem metas, fórmulas e percentuais. Já Bolsonaro e João Amoedo (Novo) consideram que os gastos com saúde são excessivos. E os programas de Alckmin, Álvaro Dias, Eymael  (DC) e Vera (PSTU)não tratam do tema.

Concluem: “as proposições dos programas de saúde dos candidatos a presidente do Brasil em 2018, embora marcadas pela diversidade de formatos e pela fragmentação de conteúdos, contém pontos de convergência: aumento de recursos para a saúde, expansão da rede de atenção básica, uso de tecnologias de informação (principalmente o prontuário eletrônico) e priorização do acesso aos serviços de saúde em atenção a agendas de movimentos identitários. (…) As principais divergências dos programas referem-se às despesas com saúde, políticas de apoio ou restrição a serviços privados e filantrópicos e gestão direta ou terceirizada de estabelecimentos públicos. (…)

Nenhum programa assume compromissos com a redução das disparidades regionais dos indicadores de saúde. Outras ausências dos programas são propostas relativas a qualidade, como se o direito à saúde fosse meramente o ingresso em serviços de saúde e não o atendimento resolutivo, digno e continuado. Tais lapsos sugerem que as plataformas contém inconsistências técnicas importantes que poderão se refletir em políticas governamentais pouco embasadas no conhecimento disponível”.

OUTRO RESUMO

Nexo fez também o seu apanhado das propostas dos 13 postulantes ao Planalto e aponta que a área “deve representar o maior desafio” para o próximo presidente, já que é apontada sistematicamente como a maior preocupação dos eleitores. A última pesquisa a medir isso foi a Ibope divulgada no último dia 26, quando 75% dos brasileiros consideraram a saúde pública “ruim ou péssima”, aumento na comparação com pesquisa do mesmo instituto feita em 2011, quando o índice foi de 61%. Segundo o Nexo, a alta das críticas nesses sete anos aconteceu porque mais pessoas passaram a usar os serviços assistenciais do SUS: um salto de 51% para 65%.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

A revista Poli, editada pela Fiocruz, enviou aos candidatos à Presidência cinco perguntas. Na área da saúde, quis saber a posição deles sobre as polêmicas mudanças na Política Nacional de Atenção Básica, aprovadas ano passado, que tiraram o foco dos recursos federais da expansão da Estratégia Saúde da Família, liberando dinheiro para todos os tipos de arranjos assistenciais existentes país afora. Responderam seis candidatos. Lula, Guilherme Boulos, João Goulart Filho e Vera Lúcia se opuseram. Marina e Álvaro Dias não entraram na polêmica.

AUDITORIA NO MAIS MÉDICOS

A Controladoria Geral da União apontou irregularidades no programa Mais Médicos. Os problemas estão na execução dos contratos por parte da Organização Pan-Americana de Saúde, a Opas. De setembro de 2013 a março de 2016, o governo brasileiro repassou R$ 4,1 bilhões para a Opas, mas R$ 316 milhões não foram usados no período determinado, diz o órgão. “Até agora não houve nenhuma comprovação de que esses recursos teriam sido compensados em contratos posteriores”, afirmou ao Estadão o coordenador-geral da auditoria da área de saúde da CGU, Alexandre Gomide Lemos. É o caso do não preenchimento de 1.750 vagas no período que vai de fevereiro e novembro de 2015. Em outra frente, as passagens aéreas compradas pela Opas também foram questionadas, A CGU constatou uma diferença de R$ 44,8 milhões a mais do que o declarado pelo Ministério da Saúde em voos internacionais, e R$ 34,8 em voos nacionais. A Opas respondeu que não faria comentários até receber o relatório.

O órgão aponta ainda falhas do Ministério da Saúde para monitorar o funcionamento do programa. E que o pagamento de despesas feito diretamente pela pasta também tem problemas. É o caso de R$ 2 milhões, de um total de R$ 87 mi, pagos em desacordo com a faixa determinada para profissionais que já se desligaram do programa ou até mesmo não constam na lista dos participantes.

Ainda segundo a CGU, os critérios de preenchimento de vagas não ficaram claros, pois áreas consideradas mais vulneráveis – que teriam prioridade para receber os médicos – foram as menos beneficiadas pelo programa. Em nota, o Ministério respondeu que tem até outubro para se adequar às recomendações da CGU e afirmou ter pedido o ressarcimento dos valores pagos indevidamente. A pasta disse que criou um grupo de trabalho para analisar os dados de prestação de contas a cada seis meses.

MOSQUITOS TRANSGÊNICOS

Pela primeira vez, mosquitos geneticamente modificados serão liberados na África. O governo de Burkina Faso foi o primeiro a dar autorização, mas outros dois países – Mali e Uganda – estão no âmbito do projeto financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates, ao custo de US$ 70 milhões. A intenção é eliminar a malária na região. Os machos são estéreis, e a intenção é diminuir a população desses insetos. As pessoas que vivem nas áreas onde se pretende liberar os insetos precisam dar seu consentimento, e os pesquisadores precisam organizar equipes e manter laboratórios para monitorar o processo – e esses são alguns dos desafios da empreitada, segundo a Stat. 

A reportagem, contudo, não entra em detalhes sobre as polêmicas que envolvem os mosquitos transgênicos, recentemente alvo de um relatório da ONG britânica GeneWatch. O Brasil é um dos poucos países em que esses insetos foram liberados e o relatório dá conta justamente dessa experiência, e conclui que foi ineficiente para reduzir a população de mosquitos.

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