Mesmo errando no diagnóstico, o Dr. quer dar o remédio

O que está por trás da declaração do presidente da Unimed Brasil de que “saúde para todos não é mais possível”?

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Por Luiz Vianna Sobrinho no Outra Saúde

Autor de ‘Medicina financeira: a ética estilhaçada’ analisa declaração do presidente da Unimed Brasil de que “saúde para todos não é mais possível”

25 de maio de 2018

No dia 11/5, em série intitulada UOL Líderes, este site publicou entrevista com o Dr. Orestes Pullin, cirurgião graduado em Londrina e com MBA em gestão pela São Camilo, atual presidente da Unimed Brasil. Sua questão: o problema do sistema de saúde do país. Então, ao longo da entrevista ele traça seus diagnósticos e propõe o tratamento.

Embora dirija um aglomerado de 346 cooperativas médicas que tem se equiparado em suas práticas às demais operadoras de planos de saúde, logo no começo de sua entrevista, o colega já deixa escapar sua intenção em se apropriar do objeto maior, que é o sistema de saúde brasileiro: “Está chegando o momento de se discutir a saúde de forma bastante séria dentro do país”.

Assim, sua questão não é mais a sobrevivência das várias unidades em insolvência pelo país, nem a própria manutenção de sua carteira de mais de 18 milhões de usuários frente à sanha das grandes corporações multinacionais que avançam sob o sistema. Não há alusão aos projetos frustrados de verticalização que deixaram esqueletos de grandes hospitais, como os de Macaé e Niterói, no Estado do Rio. Nem aos luxuosos hospitais que colocaram as cooperativas em ruína financeira, como os de Florianópolis e o do Rio de Janeiro. A sede da Barra da Tijuca foi vendida e o portentoso Hospital Unimed encontra-se à venda, por R$ 690 milhões; ainda assim, a cooperativa regional foi salva pela ANS em uma operação de ultima hora, que deixou muita desconfiança no próprio corpo técnico da agência. É desse grupo de gestores que vem ‘agora’ o momento de pensar sério sobre o sistema de saúde de todo o país.

A formulação, desta forma, ignora todos os anos de luta do pensamento sanitário, como se nunca tivesse sido com seriedade a vida de centenas de pesquisadores, acadêmicos e militantes até a construção do modelo de sistema de saúde que culminou com a Constituição Cidadã.

Sua frase, a mais importante da entrevista, demonstra assim a falta de conhecimento das raízes dos problemas que enfrentamos hoje e, de certa forma, até explica porque comete tantos equívocos em seu diagnóstico.

Assim, lamentar-se que o setor público e o privado trabalham de forma separada é não entender que o setor privado tem interesse final na expectativa de lucro, sua ótica é do liberalismo econômico, como estímulo ao crescimento e mesmo ao funcionamento adequado do dispositivo. Para este, se não há a liberdade de ganho financeiro individual, não há estímulo e o sistema não anda. O espírito coletivo, ou espírito público tem outra teleologia e realmente seus interesses não podem se misturar. Se um visa o resultado financeiro, o outro tem metas sociais.

Quem os confunde é porque pensa a sociedade como uma empresa, uma redução contemporânea do gerencialismo rasteiro.

Ora, nessa mesma curiosa semiótica diagnóstica estranha que no setor privado cada organização pense individualmente; contradizendo a própria cantilena liberal de caracterizar o mercado pela competição. A não ser que se refira a proposta de “ganha-ganha” entre os players, tão acalentada por Michael Porter, que não tem vingado sem sacrifício de alguma parte, nem que seja do financiamento estatal. Ainda mais em zonas do chamado capitalismo periférico, onde se encontra o Brasil, com suas instabilidades político-econômicas que resultam em maior risco e maior voracidade dos investidores.

Mas desde o início o destaque do texto é o comentário de que a Constituição Federal foi feita num momento em que não se imaginava que o setor público não teria como sustentar financeiramente um sistema de saúde para todos os cidadãos.

O que não se imaginava é que o sistema de seguridade social – saúde e previdência – seriam atacados pela maré neoliberal que tomou de assalto os fundos públicos em todo o mundo. O avanço sobre as conquistas do estado de bem-estar social se iniciou no Brasil pouco tempo após a citada Constituição, no governo Collor, com o primeiro grande corte no financiamento da saúde. Continuou com a ocupação dos recursos do Estado pelos sistemas de OSs; pela política de estímulo econômico com isenções fiscais para a saúde suplementar; e culmina agora com o congelamento do teto de gastos públicos da EC 95, no novo arrocho para bancar os juros dos rentistas.

No entanto, ao se declarar e assumir que o Estado não cumprirá seu dever de assegurar saúde a toda a sua população, requer a pergunta: quem o Estado deixará de fora da cidadania? Ou o doutor estaria confundindo, como é comum à classe, saúde com hospital-médico-ambulância?

Ou pior, estaria tratando a economia do país pela ótica da sinistralidade dos planos de saúde?

O doutor deveria saber, diante do alcance que pretende para as suas propostas, que os gastos com saúde e educação geram riqueza e não perdas. Logo, o conceito contemporâneo é de real investimento. E o ganho, embora financeiro, não tem finalidades empresariais, mas sociais.

Logo, na hora de pensar um remédio, melhor estudar mais a fundo qual é problema. É preciso melhorar o diagnóstico, antes de propor um tratamento.

 

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