Em Ronaldo Lima Lins, diálogo com a razão e seu duplo

No mundo contemporâneo – onde impera em todos os recantos sociais, a razão cínica – a frágil fronteira entre a verdade e a mentira, entre o falso e o verdadeiro, deve ser muito bem pesada e pensada

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Por Sérgio da Fonseca Amaral

Essa é uma introdução ao ensaio “Verdade. Que mentira…”, do livro “O felino predador: ensaio sobre o livro maldito da verdade”, de Ronaldo Lima Lins. Para ler o texto original, clique aqui

Leia o perfil do autor Ronaldo Lima Lins e a resenha de “Jacques e a Revolução”, sua obra em cartaz no Rio

Jacques e a revolução e o abre-alas do seu autor

Outras Palavras publica o segundo texto da pequena série sobre o escritor, ensaísta, poeta e dramaturgo Ronaldo Lima Lins, autor da peça “Jacques e a revolução ou Como o criado aprendeu as lições de Diderot”.

A série coincide com a temporada da peça no Parque das Ruínas (Rio de Janeiro), durante todo o mês de outubro. Procura-se, de algum modo, desenvolver espécie de um programa de teatro online, aberto ao público leitor deste site. (Theotônio de Paiva)

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Ronaldo Lima Lins é um autor pródigo e um homem incansável: professor, profissão, parece, mal vista nestes tempos que correm, é escritor de diversos gêneros de escrita: de ensaios a peças teatrais, da narrativas à poesia.

Com um livro sobre o teatro de Nelson Rodrigues, leitor de Beckett, e um ardoroso vínculo com a tradição intelectual francesa, seja moderna, com Sartre, um de seus ícones, ou antiga – com especial atenção voltada ao século XVIII e aos tempos da revolução francesa –, Ronaldo tem em Diderot e Rousseau duas grandes referências. Daquele tomou emprestado a personagem Jacques, modernizando-a na peça Jacques e a revolução, ou como o criado aprendeu as lições de Diderot, trazendo-o aos nossos tempos para abordar uma temática que o acompanha e faz cócegas em seu espírito: a questão da verdade, mentira e o vinculo inerente às duas: a astúcia (ou brasileiramente falado, a malandragem ou a esperteza).

Sobre isso trata o ensaio “Verdade, que mentira”, do livro O felino predador: ensaio sobre o livro maldito da verdade, de 2002, que pelo título o leitor já é mergulhado num tema tão controverso. No mundo contemporâneo – onde impera em todos os recantos sociais, sobretudo na mídia reverberatória da fala do poder, a razão cínica, já analisada por Peter Slortedijk em A crítica da razão cínica – a frágil fronteira entre a verdade e a mentira, entre o falso e o verdadeiro, deve ser muito bem pesada e pensada. Depois de um longo tempo atacando a ideia de verdade, os pensadores, de modo geral, deveriam reexaminá-la para distinguir quais verdades não existem e quais deveriam existir. O clarão de um certo jornalismo televisivo hegemônico nos leva a sentir nostalgia de algum tempo em que seria imperioso separar nitidamente a verdade da mentira e não embaralhá-las ao ponto de não sabermos mais o que é uma coisa e outra. A angústia de saber que está sendo ludibriado deixa alguns telespectadores matutando: que mundo é esse em que verdade e mentira formam um monstrengo a partir de pedaços recombinados? Mesmo apontando a interconexão radical entre uma e outra, é disso que trata “Verdade, que mentira”, pois, há no ensaio o vislumbre de que nossa tragédia se dá no momento em que nos cegamos nos fios emaranhados de verdades e mentiras, transformando a sociedade num labirinto infernal, sem saída, rumo a caminhos cada vez mais obscuros, trevosos, onde personas com suas máscaras irreconhecíveis terminam sendo os arautos das verdades falsas e das falsas verdades, ao mesmo tempo que escondem e escamoteiam as verdadeiras mentiras, as verdadeiras verdades e as mentiras verdadeiras. Uma outra tríade que poderia ser incluída no instigante ensaio de Ronaldo Lima Lins “Verdade, que mentira”.

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