Cachaça: diversa e macunaímica como o Brasil

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“Outras Palavras” apresenta, em curso com degustação, origens, sabores e estilos de destilado cuja riqueza é enfim reconhecida, após séculos de preconceitos e menosprezo 

Por Maurício Ayer

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Curso-degustação na sede de Outras Palavras

R. Conselheiro Ramalho, 945 – Bixiga – São Paulo (mapa) – Metrô S. Joaquim ou Brigadeiro

Sábado, 15/8, das 13h30 às 19h30

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A diversidade da cachaça não tem igual no mundo dos destilados. Ela é produzida praticamente em todo o território brasileiro, com diferentes culturas locais de variedades de cana, fermentação, destilação e armazenamento/envelhecimento em madeira. Ao contrário de se restringir ao carvalho, como acontece de modo quase universal mundo afora com outros destilados, a produção de cachaça utiliza dezenas de madeiras diferentes, tanto importadas como nativas.

Com base nessa diversidade, naturalmente surge a questão: é possível se falar em “territórios da cachaça”, como se fala em “terroir” do vinho? Há argumentos favoráveis e contrários a essa denominação, a depender dos critérios adotados.

A julgar apenas pelas características da geografia física (terra, clima, topografia, etc.) não é seguro afirmar que sim, e há quem argumente que se pode produzir cachaça em qualquer lugar – seria mais uma questão de tecnologia do que de natureza e arte, digamos assim. No entanto, há quem procure provar o contrário, e use variedades de cana e leveduras em função da geografia local em busca de aromas no produto final que dariam fundamento a essa tese.

CACHACA_bannerSe o critério da cultura de produção for levado em conta, aí as diferenças são mais evidentes, pelo menos no que se refere às tradições locais ou regionais. A fermentação e o armazenamento, além do teor alcoólico, são campos em que o gosto regional ainda deixa sua marca.

No curso “Cachaça: tão diversa quanto o Brasil” vamos nos colocar estas questões da melhor maneira possível: degustando!

Além de abordar a história da cachaça, suas principais características, seus estilos e tipos de produção, vamos experimentar exemplares típicos de algumas das tradicionais regiões produtoras do país.

Paraty (RJ), cuja fama atravessa os séculos, talvez seja a primeira região cujo nome se tornou sinônimo de cachaça. É também uma das únicas Denominações de Origem da bebida. Ao lado dela, somente Salinas (MG) também tem esse reconhecimento. Essa cidade se celebrizou com a lendária figura de Anísio Santiago e sua cachaça Havana, longamente envelhecida no bálsamo, mas também por outras dezenas de marcas, inclusive as que hoje estão nas estantes de qualquer bar de várias capitais brasileiras, Boazinha e Seleta. Mas antes da fama de Salinas, era Januária (MG) que fazia a fama do norte de Minas Gerais, sobretudo com cachaças envelhecidas na umburana.

O Nordeste brasileiro, região de centenas de produtores, será representado no curso pela Região do Brejo (PB), com sua cachaças brancas, de alto teor alcoólico, tradicionalmente amaciadas em barris de freijó. Menos coesa em suas características típicas, mas igualmente rica em produção de cachaças de qualidade, a região do Vale do Paraíba estará presente com exemplares de São Luís do Paraitinga (SP). Por fim, a região das franjas da Serra Gaúcha, em particular o município de Ivoti (RS) oferece uma cachaça doce, suave e complexa, resultante de blends de diferentes madeiras.

O objetivo é quebrar preconceitos e difundir o culto à boa cachaça.

Para reencontrar o valor da cachaça

A cachaça é o primeiro produto genuinamente brasileiro. Mesmo sem um registro oficial das primeiras destilações por aqui, temos razões para crer que ocorreram já nas primeiras décadas do cultivo de cana-de-açúcar. Alambiques de barro, utilizados pelos portugueses na produção da bagaceira, teriam sido trazidos nas caravelas e disseminados junto com os engenhos de açúcar. O momento histórico ditava a necessidade: a expansão das navegações transoceânicas aumentava a demanda por destilados, cuja alta concentração de álcool significava menor volume nos navios e maior durabilidade que o vinho, por exemplo.

Instalada ao longo de toda a costa brasileira, a cachaça percorreu os caminhos das tropas, do ouro e dos escravos. Armazenada e transportada em barris, primeiro os importados da Europa mas depois aqueles produzidos com as madeiras nativas, desenvolveu uma grande variedade de cores, aromas e sabores.

Passados séculos, durante os quais o status social da cachaça teve seus altos e baixos, hoje o destilado nacional brasileiro vive intensa transformação. Nas últimas décadas multiplicaram-se os novos rótulos, e as marcas buscaram qualificar sua produção e marketing. Surgiram associações de produtores, promovendo feiras e premiações. Também a legislação e os acordos internacionais evoluíram, de modo a proteger e impulsionar a cachaça mundo afora.

Só que, ao mesmo tempo que se definem padrões de produção que podem ajudar a impulsionar o mercado da cachaça, também surgem pressões contrárias às peculiaridades regionais e locais, que tendem a equalizar o mercado e reduzir sua riqueza e diversidade. Em paralelo, este mercado em evolução não tem identificado com clareza o que pode ser considerado como valor, de maneira que a relação qualidade/preço ainda é bastante caótica.

Cabe então questionar: será que estamos sabendo enxergar (e saborear) o verdadeiro valor da cachaça? Será que se soubermos reconhecer e valorizar os bons produtores e suas culturas tradicionais de produção não vamos ajudar a dar clareza ao mercado, de modo que os bons produtos sejam de fato os mais valorizados?

Estas são outras questões que serão abordadas neste curso.

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2 comentários para "Cachaça: diversa e macunaímica como o Brasil"

  1. Maurício Ayer disse:

    Amigo Joaquim Alves, a Serra das Almas é excelente, sou um fã incondicional. É tida como sendo a primeira cachaça com certificação de produto orgânico. Em particular, a que é envelhecida na garapeira eu aprecio muito, tenho sempre uma em minha casa.
    Acontece que qualquer curso precisará fazer um recorte. E isso significa escolher algumas (pouquíssimas!) e excluir outras (uma enormidade!!!!). Garanto que todas as cachaças que vamos degustar fazem linda figura ao lado da ótima Serra das Almas, não perdemos em qualidade, não, pode ter certeza. Um abraço!

  2. Joaquim Alves disse:

    Citando ACM (e isso não significa admiração pela sua figura), que disse certa vez que “reuniões do partido (PFL) das quais ele não participava, não tinha poder de decisão”, eu digo que degustação de cachaça sem a inclusão das produzidas em Abaíra e daquela microrregião da Chapada Diamantina, não tem o mesmo valor. Bairrismo à parte, Abaíra e região (Jussiape, Rio de Contas, Piatã, Ibicoara e Mucugê) possui um micro clima e “terroir” ideais para a produção de cachaça de ótima qualidade, comparável a outras regiões citadas no artigo. A marca “Serra das Almas” de Rio de Contas produzida pela fazenda Vaccaro é uma delas, além da marca cooperada “Abaíra”, que leva o nome da cidade em que é produzida. É diferente das demais regiões, possui características próprias e é de excelente qualidade. Podem ir lá conferir.

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