Que substituirá a social-democracia?
Wallerstein afirma: ilusão num capitalismo “humanizado” persiste; converteu-se em crença nos BRICs; perdurará até surgimento de novo projeto transformador
Publicado 19/09/2011 às 18:01 - Atualizado 01/09/2020 às 14:29
Tradução: Antonio Martins
A social-democracia teve seu apogeu no período entre 1945 e o final dos anos 1960. Naquele momento, representou uma ideologia e um movimento que lutaram pelo uso dos recursos do Estado para assegurar alguma distribuição em favor das maiorias, de distintas formas concretas. Expansão dos sistemas de Saúde e Educação. Garantia de níveis de renda ao longo da vida, por meio de programas que atenderam às necessidades dos sem-emprego, particularmente as crianças e idosos. Programas para reduzir o desemprego. A social-democracia prometeu um futuro sempre melhor para as gerações seguintes, algo como a elevação permanente da renda nacional e das famílias. Chamou-se isso de “estado do bem-estar social”. Era uma ideologia que refletia o ponto de vista segundo o qual o capitalismo poderia ser “reformado” e assumir uma face mais humana.
Os social-democratas foram particularmente poderosos na Europa Ocidental, Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos (onde eram chamados Democratas do New Deal). Em outras palavras, nos países ricos do sistema-mundo, aqueles que poderiam ser chamados de integrantes do mundo pan-europeu. Seu sucesso foi tão vasto que seus oponentes à direita também adotaram o conceito de estado do bem-estar social, limitando-se a reduzir sua abrangência e seus custos. No resto do mundo, os estados tentaram pular no bonde por meio de projetos de “desenvolvimento nacional”.
A social-democracia foi um projeto muito bem-sucedido durante este período. Tornou-se viável graças a duas realidades daquele tempo: a incrível expansão da economia-mundo criou os recursos que fizeram a redistribuição possível; e a hegemonia dos Estados Unidos no sistema-mundo assegurou relativa estabilidade e, em especial, a ausência de violência grave no interior desta zona rica.
O quadro cor-de-rosa não durou. Ambas as realidades se esgotaram. A economia-mundo deixou de se expandir e entrou em longa estagnação, na qual ainda vivemos; e os Estados Unidos iniciaram seu longo, ainda que lento, declínio enquanto potência hegemônica. Ambas realidades aceleraram-se consideravelmente no século 21.
A nova era iniciada nos anos 1970 viu o fim do consenso centrista em torno das virtudes do estado de bem-estar social e do “desenvolvimento” estimulado pelo Estado. Tal consenso foi substituído por um nova ideologia mais à direita — chamada de neoliberalismo, ou Consenso de Washington — que sustentava os méritos da gestão da sociedade pelos mercados, mais que pelos governos. Afirmou-se que este programa baseava-se na realidade, supostamente nova, da “globalização”, diante da qual “não havia alternativa”.
A implementação dos programas neoliberais parecia favorecer altos níveis de “crescimento” nos mercados de ações, mas ao mesmo tempo levou, em todo o mundo, a níveis crescentes de endividamento e desemprego – e a níveis mais baixos de renda para a vasta maioria das populações do planeta. Ainda assim, os partidos que haviam sido os pilares os programas social-democratas, à esquerda, moveram-se para a direita, retirando ou reduzindo o apoio ao estado do bem-estar social e aceitando que o papel dos governos reformistas deveria ser reduzido consideravelmente.
Embora os efeitos negativos sobre a maioria das populações fossem sentidos mesmo no interior do mundo pan-europeu rico, eles afetaram de modo mais agudo o resto do mundo. Que seus governos fizeram? Começaram a tirar partido do declínio relativo econômico e geopolítico dos Estados Unidos (e, mais amplamente, do mundo pan-europeu). Focaram em seu próprio “desenvolvimento nacional”. Usaram o poder de seus aparatos de estado e seus custos de produção mais baixos para se converter em nações “emergentes”. Quanto mais à esquerda estivessem sua retórica, e mesmo seu compromisso político, mais eles mostraram-se determinados a “desenvolver”.
Esta atitude poderá ajudá-los, como fez em realação aos países do mundo pan-europeu no período pós-1945? Não é nem um pouco certo que sim, apesar das impressionantes taxas de “crescimento” de algumas destas nações – particularmente os tão-falados BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China) – nos últimos cinco ou dez anos. Porque há sérias diferenças entre o atual estado do sistema-mundo e o vivido no imediato pós-1945.
Primeiro, os custos de produção são hoje, apesar dos esforços dos neoliberais, consideravelmente maiores que os do período pós-1945, o que ameça as possibilidades reais de acumulação de capital. Isso torna o capitalismo um sistema menos atraente para os capitalistas. Os mais sagazes, dentre estes, estão procurando meios alternativos de assegurar seus privilégios.
Segundo, a capacidade das nações emergentes para ampliar, a curto prazo, sua riqueza exerce grande pressão sobre os recursos necessários para atender suas necessidades. Surgiu, em consequência, uma corrida sempre crescente por terras, água, alimentos e recursos energéticos. Ela está levando a lutas ferozes e, ao mesmo tempo, reduzindo a capacidade global dos capitalistas em acumular capital.
Terceiro, a enorme expansão da produção capitalista criou sérias pressões sobre a natureza em todo o mundo, a ponto de provocar uma crise climática, cujas consequências ameaçam a qualidade de vida em todo o mundo. Este processo desencadeou um movimento que busca questionar as virtudes do “crescimento” e do “desenvolvimento”, enquanto objetivos econômicos. A exigência crescente de uma perspectiva “civilizacional” diferente é o que está sendo chamado, em países da América Latina, de movimento pelo “bien vivir”.
Quarto, as demandas de grupos subalternos por participação real nos processos de tomada de decisões dirigem-se não apenas aos “capitalistas”, mas também aos governos de “esquerda” que estão promovendo o “desenvolvimento” nacional.
Quinto, a combinação de todos estes fatores, mais o declínio visível do antigo poder hegemônico gerou um clima de flutuações constantes e radicais, tanto na economia-mundo quando na situação geopolítica. O resultado foi a paralisia tanto dos empreendedores quanto dos governos do mundo. O grau de incerteza – no longo e no curto prazo – elevou-se acentuadamente, e com ele o nivel real de violência.
A solução social-democrata tornou-se uma ilusão. A questão é: que irá tomar o seu lugar, para a vasta maioria das populações do planeta?
O eterno problema do capitalismo é que ele precisa diminuir o preço da mercadoria para gerar mais-valia, com a automatização e ocorre o desemprego, devido a diminuição de consumo. Vivemos na era do comércio, tudo, absolutamente tudo, precisa ser vendido, mas para quem, se matamos o mercado consumidor? O capitalismo é auto destrutivo, a grande charada. quando começa a comer a si proprio, ele pára, retrocede, com medidas socialistas. Sobrevive, ressurge da cinzas como uma fênix. mas o lucro diminui, como o objetivo é cada vez mais mais valia, novamente, investe em automatização, mais desemprego, novo processo de antropofagia.Até o proximo recuo. Estamos em um deles. medidas socializantes são necessárias e serão tomadas.Ele renascerá. Até quando? Não sei. Infelizmente, o futuro é só para os videntes.
Na raiz da natureza humana (e, portanto da sobrevivência e vivência) há a idéia e a relação de VALOR: “isso é bom ou ruim para mim e para os meus ou para o todo, etc, etc.”. Significa que: o capitalismo é essa semente. Significa mais: capitalismo não é só um modo de produção, mas um Estado de Espírito. Claro que o Poder (qualquer que seja: de direita, de esquerda ou de bandinha) de-forma a noção-prima de VALOR para INTER~ESSE-DE-GRUPO. Daí tanto faz comunismo, budismo, anarquismo, democracia, etc, etc, a corrupção ideológica é um fato.
As ideologias são a espuma do chopp.
Eis o link, com abraços!
http://www.iwallerstein.com/socialdemocratic-illusion/
Os políticos social-democratas assumiram as políticas neoliberais, permitiram diminuir os impostos dos ricos e das empresas, polarizar o valor do trabalho, e abandonar a criação de empregos. É isto é que inviabiliza um estado capaz de atuar pelo bem-estar da maioria.
Ou seja, abandonaram as bases materiais que viabilizam um Estado de bem-estar. Não foi problema da concepção deste Estado.
Este artigo é da autoria do Wallerstein? Qual a referência, por favor.