Muito além da resenha

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Para subsistir, o jornalismo deve ser entendido como parte da cultura. Se as novas transformações da cultura perpassam tudo, devem também pautar o ofício de informar — e ir além da informação

Por Tadeu Breda, de Latitude Sul, em Mar del Plata, Argentina

Jornalismo é cultura? A Fundación Gabriel García Márquez para el Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI) acredita que sim e decidiu reunir em Mar del Plata, Argentina, durante o IV Congresso Ibero-americano de Cultura, trinta jornalistas espanhóis e latino-americanos para discutir como o velho ofício de informar pode acompanhar as profundas mudanças culturais que ganham força em todo o mundo. Em pauta, a necessidade de não ser atropelado pela incompreensão.

Por mais que as novidades culturais muitas vezes passem despercebidas pelo nosso engessado dia a dia de cidadãos trabalhadores, elas estão acontecendo. Às vezes, numa velocidade incompatível com nossa capacidade de entendimento. Outras, com uma carga tão pesada de novidade que trava os melhores esforços de entendimento.

Se é difícil percebê-las, mais é verbalizá-las. Daí a necessidade do jornalismo manter-se fiel à sua vocação — talvez demasiado romântica, talvez perfeitamente possível — de ponte. Ou seja, de ser uma via de diálogo entre mundos que, não raro, não conseguem se entender.

Num caminho irreversível, as novas tecnologias possibilitaram que mais gente expresse sua voz. Gente que estava escondida, calada e invisibilizada. Isso fez com que o mundo tenha se transformado num lugar deliciosamente complexo. E as complexidades, para que possam ser compreendidas, devem ser explicadas. Porque as diferenças estão aí para conviver. E os jornalistas, para auxiliar esta convivência.

Antes restrito às artes e aos espetáculos, já há algum tempo o conceito de cultura tornou-se transversal. São mudanças culturais — científicas, econômicas, sociais, políticas, ambientais — as transformações impostas a nossas vidas pelo avanço das comunicações. É uma obviedade dizê-lo, mas vivemos hoje, com internet e celular, de maneira distinta da que vivíamos antes, sem eles. A forma como trabalhamos, compramos, conversamos e nos organizamos é diferente.

Os países do sul do mundo, ao que parece, já não são mais tão subservientes aos desmandos do norte como outrora. A dívida dos EUA — ou seja, a credibilidade de sua economia — está nas mãos da China. Brasil e Turquia conseguiram convencer o Irã a não enriquecer urânio a níveis militares. Os indígenas deram o tom da Constituição de Equador e Bolívia. Existe mais migração entre países em desenvolvimento do que na antiga direção pobres-ricos. Ditadores árabes foram derrubados pelo povo organizado nas ruas, sem que precisassem disparar um só tiro. A natureza nunca teve tanto valor, e cada vez mais temos a certeza de que nossa democracia burguesa já não é suficiente: queremos mais transparência, mais participação e menos privilégios aos que se enxergam como donos do mundo.

Claro, o jornalismo também mudou. É uma clara mudança de paradigmas o fato de uma pequena organização de hackers, formada por meia dúzia de nerds, ter ganhado toda a atenção da opinião pública mundial no final de 2010. As iniciativas de comunicação independentes proliferam: há repórteres perdidos em todos os rincões do mundo, munidos apenas do objetivo autoimposto de comunicar realidades distintas. São pequenas pontes para a integração dos povos.

Sendo assim, reportar realidades é — ou deveria ser — cada vez mais um ato de produção cultural. Se bem executada, a reportagem vai além do fato e cria novos sentidos para a compreensão do que pretende retratar.

Se não podemos mais não pensar o mundo pelo viés cultural, tampouco podemos pensar o jornalismo de maneira diferente. Se não se esforçam para explicar ou interpretar o mundo em sua complexa profusão de novidades, os jornalistas ficarão à margem da sociedade e perderão importância. E isso já vem acontecendo, porque hoje em dia é perfeitamente possível viver — e informar-se — sem ligar a TV ou abrir o jornal. Há dezenas de novas e sedutoras fontes de informação.

Por isso, o jornalismo deve transcender o fato. Num mundo difícil, que necessita entendimento mútuo, a agilidade noticiosa, em seu afã por rapidez e superficialidade, será um serviço gradualmente descartado por quem não deseja ser atropelado pelas novas ondas da cultura.

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