⏯️ Moro X Bolsonaro: Conflito ou farsa?

As condições de governo do presidente ficarão abaladas. Mas vale defender Moro, ligado ao neoliberalismo e aos EUA? Um terceiro caminho – um programa de emergência associado ao Fora, Bolsonaro! – abre esperanças em meio à pandemia

Por Antonio Martins, em Outro Olhar

Súbita e inesperada, a demissão de Sérgio Moro, em 24/4, despertou, nas últimas horas, reações contraditórias. A vasta maioria dos que sentem o país irrespirável, desde o golpe de 2016, saudou a saída do ministro com panelaços e protestos, no momento restritas às janelas. Mas houve quem se questionasse: vale a pena agir em resposta à manifestação de um ministro tão ligado, ele próprio, ao projeto neoliberal e à ruptura democrática, após 2015?

Nossa aposta é que sim, vale! Ela leva em conta, é claro, a operação desencadeada pela Rede Globo, a partir da própria sexta-feira, em favor de Moro. Mas a análise vai muito além. Lembra que governos tão esdrúxulos como o de Bolsonaro – minoritários, mas dispostos a aplicar a qualquer custo seu poder sobre o Estado – são possíveis devido a uma coalizão que deve e pode ser quebrada.

O amálgama que conforma o governo Bolsonaro é composto, essencialmente, por três setores distintos – contraditórios entre si e unidos por razões oportunistas. Dele participam os protofascistas, ressentidos contra a emergência das maiorias e dispostos a ir às ruas para reprimir abertamente os que são vistos como “de baixo”. Neste amálgama estão incluídos os que, mobilizados pelo antipetismo, voltam-se conta qualquer ideia de esquerda. Mas ela é consolidada e solidificada, em especial, pelo capital financeiro – este mesmo, que viu no capitão o personagem essencial para realizar seus anseios de controle completo sobre a sociedade.

Nossa análise sustenta que é preciso romper este amálgama; que fazê-lo – não importa o que isso signifique, em termos de perspectivas eleitorais de quem quer que seja – é a tarefa mais urgente, num Brasil submetido à regressão e agora a uma pandemia devastadora. E que qualquer projeto de esquerda digno deste nome precisa dialogar com estes objetivos.

Moro deseja ser presidente? É claro que sim! Mas enfrentar esta ameaça será muito mais possível em meio a um ambiente de debate democrático de ideias – que só surgirá se o governo Bolsonaro for inviabilizado. Quando isso ocorrer, estará aberto espaço para que as idias ultraliberais do ministro se manifestem? Evidentemente!

Há motivos para que temamos isso? Não estamos suficientemente convencidos de que nossas ideias pós-capitalistas poderão se contrapor às hegemônicas? Sim, é claro, haverá fatores opostos que não poderemos controlar. A pressão incessante do capital financeiro A promiscuidade cada vez maior entre dinheiro e política. O medo das maiorias, oprimidas pelo quotidiano e dispostas, quando não há contraponto., a ceder. Tudo isso é real e não é novo. Mas, a demissão de Moro obriga a perguntar; não estamos diante de um fato novo, que rompe o amálgama e abre brechas para atuar e falar à sociedade?

Mas… falar o quê O vídeo anexo a este texto sugere que, diante da pandemia, é possível – e urgente – construir uma saída alternativa à de Bolsonaro. A orientação “fiquem em casa” é justíssima, porém será cada vez mais insuficiente. A ela precisam ser agregadas, já, propostas que assegurem às maiorias condições de vida digna; e que rompam a chantagem (morrer de covid ou padecer de fome ou de pobreza) proposta por Bolsonaro. Elas começam uma renda da cidadania real, muito acima dos R$ 600 transformados em lei (e em grande medida ainda não pagos pelo governo). Incluem a proibição das demissões; a recomposição obrigatória das dívidas, imposta aos bancos, com juros próximos de zero; a suspensão do pagamento das contas de serviço público; o refinanciamento dos aluguéis, no caso das famílias de baixa renda e das micro e pequenas empresas; o alívio às pressões financeiras que afligem Estados e Municípios, impedindo-os de manter o SUS e oferecer serviços públicos dignos; o abrigao das mulheres e famílias vítimas de violência doméstica em hotéis, agora desocupados.

Estas ideias já estão presentes nas formulações de movimentos e redes – entre elas, a Plataforma pela Reforma Política. Precisam ser debatidas, ampliadas e em especial expressas, de forma clara e insistente, pelos partidos de oposição a Bolsonaro. Juntas, e associadas ao Fora, Bolsonaro!, formam um feixe de ideias que permite vislumbrar outro país, capaz de superar a pandemia – porque livro do pandemônio. A tempestade política que se seguirá à demissão de Moro pode abrir caminho para esta virada. Mas é preciso construí-la

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