PLC dos apps: temos algo a comemorar?

Apesar de suas limitações, projeto que regulamenta o trabalho dos motoristas é passo adiante: reconhece o vínculo empregatício nas plataformas, especialmente com a proteção previdenciária. Luta, agora, é para que ele não seja desfigurado no Congresso

Motoristas de Uber em manifesto na Esplanada dos Ministérios, em 2018, pela regulamentação da atividade. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O governo Lula enviou para o Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLC) 12/2024 cujo texto foi acordado entre representantes de motoristas de aplicativos, dos proprietários das empresas de aplicativos e do governo federal.

O referido projeto suscitou muitos debates, incertezas e incompreensões na categoria, na imprensa, nos operadores do direito, na academia e nos dois lados do espectro político, à esquerda e à direita.

Participei da etapa de debates no âmbito do GT Tripartite criado pelo governo em 2023 compondo a bancada dos trabalhadores e me arrisco aqui, em algumas linhas, a apontar preliminarmente aspectos que julgo relevantes para compreensão do que está em jogo do ponto de vista de quem se orienta pela garantia de direitos a mais de 700 mil pessoas que trabalham como motoristas de aplicativos, objetos do PLC 12, mas que vai influenciar na luta para efetivar direitos a mais de um milhão de pessoas cujo trabalho é mediado por plataformas de aplicativos, principalmente entregadores de moto e bike, mas também para uma parcela cada vez mais crescente que faz uso dessas plataformas para acessar uma ocupação remunerada em diversas ocupações e atividades econômicas.

Como o PLC 12 versa apenas sobre motoristas, vamos às questões fundamentais que a meu ver impactaram até agora o resultado desse processo.

O primeiro aspecto é a posição que prevalece no STF e no Congresso Nacional quanto ao arcabouço jurídico que o Brasil deve ter a fim de garantir – ou não – a efetivação de direitos, que mesmo sendo estabelecidos na Constituição de 1988 são burlados pelas empresas de aplicativos de transportes de passageiros, como Uber e 99.

Nos últimos quase dez anos de contínua supressão de direitos, como na legalização da terceirização irrestrita ou na reforma da legislação trabalhista e previdenciária, o que se verificou nesses dois poderes é a prevalência de uma sanha ultraliberal de desmonte de garantias trabalhistas a fim de facilitar os negócios e lucros do grande capital através da redução ao limite do valor da força de trabalho e também da força política da classe trabalhadora brasileira em seu conjunto.

Enquanto parcela da justiça do trabalho segue reconhecendo a burla promovida por empresas nas relações de trabalho, a exemplo das inúmeras decisões do TST sobre vínculo trabalhista aos motoristas, o STF aponta que vai derrubar todas as decisões que reconhecem direitos aos trabalhadores, ao dar repercussão geral e, portanto, vincular todas as decisões da justiça de trabalho às decisões regressivas e precarizantes do Supremo. Ao decidir pela repercussão geral, o STF botou uma faca no pescoço das trabalhadoras e trabalhadores que recorrem à justiça do trabalho para fazer valer os direitos negados cotidianamente por essas plataformas. Se no combate ao golpe bolsonarista o STF tem exercido papel esperado de uma instituição democrática, nas questões econômicas, em particular nas relações de trabalho, a maioria do STF se coloca de costas aos princípios constitucionais da valorização social do trabalho e do princípio do não retrocesso social.

Já a posição que prevalece no Congresso Nacional não é segredo para ninguém: a maioria das duas casas se sente muito à vontade para defender os interesses bilionários das empresas de aplicativos, independentemente do que isso possa significar para milhões de pessoas que recorrem ao trabalho árduo junto às plataformas para auferir alguma renda.

Por outro lado, um aspecto muito importante, decisivo a meu ver, que se colocou como obstáculo ao avanço da regulação no âmbito do GT Tripartite diz respeito à ampla diversidade de opiniões e percepções existentes no interior da categoria de motoristas de aplicativos. Até pelo fato de ser uma “categoria” recente, “formada” no auge da propaganda antisindical e do desmonte da legislação trabalhista, com razoável aderência das fake news bolsonaristas e da pregação das hostes ultraliberais e das empresas, esperar uma adesão consciente e em massa à defesa da CLT, da organização sindical e de uma regulamentação que estabeleça limites ao vale-tudo empresarial seria esperar demais, infelizmente.

Para reverter esse quadro de divisão e profunda dispersão ainda será necessário muito trabalho de esclarecimentos e conscientização, debates e, principalmente, muita mobilização de ao menos a parcela mais consciente de motoristas, o que vale também vale para entregadores.

Essa ausência de unidade mínima entre os motoristas acabou por ser agravada pela decisão do GT de buscar estabelecer uma remuneração mínima no patamar de R$ 32,25, medida importantíssima inclusive para a definição das alíquotas de contribuição ao INSS, mas pelo fato de a maioria já receber uma remuneração maior, acabou por gerar desconfianças no setor quanto aos objetivos do GT.

Se existe um ponto em que a maioria da categoria concorda é que o valor que recebem hoje pelo trabalho realizado está muito defasado, muito abaixo do que precisam para cobrir os custos e sobrar algum para levar pra mesa dos filhos. Independente da regulamentação, essas pessoas precisam de um reajuste salarial urgente, e isso não é possível arrancar numa mesa tripartite sem muita pressão dos trabalhadores, com manifestações e greves. Mesmo quem não tem experiência em negociação sindical consegue perceber a dificuldade de convencer uma pessoa que está no vermelho, cujo ganho mal dá para bancar os custos com o carro, a apoiar uma luta para estabelecer um patamar mínimo, mesmo que isso seja muito útil como referência para a contribuição do INSS.

Portanto, se existem variadas e divergentes opiniões sobre CLT, vínculo trabalhista, papel do sindicato, do Estado, sobre a autonomia relativa que têm os trabalhadores na definição da sua jornada de trabalho (e completa falta de autonomia na definição da remuneração), a direita e o bolsonarismo se aproveitaram para propagar confusão e fake news. Apesar das canalhices ditas pelo bolsonarismo, eles perceberam qual é a principal mudança contida no PLC 12: vai ter sindicato e negociação coletiva, o que provoca urticária na laia do Bozo.

A despeito das controvérsias, o PLC 12 contém aspectos muito positivos que devem ser defendidos pelos trabalhadores e suas organizações e aliados. Até agora, as empresas nunca admitiram que exista uma relação de trabalho entre elas e os motoristas. Para eles, o que existe é uma relação comercial, cível, entre a plataforma e o dono (ou locatário) de veículo que aceita uma corrida solicitada por um terceiro, o cliente. Com o PLC 12, a relação realmente existente é reconhecida como relação de trabalho, o que de acordo com a legislação brasileira vai derivar uma série de consequências, como atuação e fiscalização do Estado (MTE, MPT), organização sindical, negociação coletiva. Não tenho dúvidas que com organização e luta coletiva a categoria de motoristas de aplicativos será capaz de vergar a intransigência patronal e fazer valer seus direitos.

A principal conquista imediata do PLC 12 é a garantia de acesso à proteção previdenciária com alíquota reduzida de 7,5% paga pelo trabalhador apenas sobre um quarto da remuneração total, enquanto as empresas terão de contribuir com 20% para a proteção básica garantida pelo INSS. Se adoecer, mesmo sendo considerado um autônomo, o trabalhador terá direito ao auxílio-doença, por exemplo, muito diferente do que vigora atualmente: se o motorista ficar doente, fica sem nenhum rendimento.

Também é um importante avanço a definição de que 3/4 do rendimento será a título de reembolso ou indenização pelos custos com gasolina, pneus, depreciação do carro, IPVA e demais gastos do trabalhador na realização do trabalho. Outras questões não menos importantes como acesso do trabalhador à informações, transparência dos dados, limites à exclusão do trabalhador do aplicativo e criação de cadastro único com todas as pessoas que trabalham para essas plataformas, permitirão acompanhamento e fiscalização dos instrumentos públicos de regulação (Estado, sindicatos etc).

Se o texto do PLC 12 contém conquistas importantes a serem defendidas pelos trabalhadores, é importante atentar para sua tramitação no Congresso Nacional, pois o bolsonarismo e a direita liberal podem tentar desidratar as conquistas e avanços, principalmente no que concerne à organização sindical e negociação coletiva. Por outro lado, ao reconhecer avanços, não me coloco no rol daqueles que veem o projeto como a oitava maravilha do mundo, pois não é autônomo quem não têm autonomia para definir sua remuneração nem sobre o funcionamento dos algoritmos das plataformas.

Mas se é verdade que o projeto não é a oitava maravilha do mundo, sequer a relação de forças no Congresso e no judiciário e na própria sociedade permitem, o PLC poderá se constituir num grande avanço para que no futuro próximo, com muito trabalho de esclarecimentos, convencimento e conscientização essa categoria não apenas possa avançar na consolidação de todos os direitos estabelecidos pela Constituição de 1988, como pode contribuir com a luta do classe trabalhadora em seu conjunto ao edificar, renovar e atualizar a organização e luta sindical no Brasil.

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Um comentario para "PLC dos apps: temos algo a comemorar?"

  1. Rubens disse:

    Matéria faz parte do conjunto de Fake News… Os motoristas por app NÃO querem essa PL como está, não querem ser CLT, façam uma pesquisa e verá que estou correto tornando inverdade o acima.

    Queremos maior valor por KM e maior valor por tempo em corrida. Bem como maior segurança, fiscalização da UBER, etc…

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