O STF irá chancelar a uberização?

Supremo julgará se há vínculo empregatício entre trabalhadores e corporações-apps. Decisão deverá ser seguida por tribunais do país. Luta contra a precarização está em jogo. Pesquisadores de 34 países afiançam: “Brasil não pode ir na contramão do mundo”

.

Em meio a um deserto regulatório e o lento processo para a formulação de leis e garantias fundamentais para o trabalho de plataformas, na última quarta-feira (28) o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria sobre decisão que pode chacoalhar – provavelmente para pior – a já desequilibrada correlação de forças entre empresas de plataforma e trabalhadores precarizados. Se trata do julgamento que definiu a repercussão geral em casos que exigem o vinculo empregatício entre trabalhadores e aplicativo de plataformas. Na prática, essa votação decidirá se outros tribunais replicarão o precedente em processos semelhantes.

No mesmo dia, em diversas cidades, entidades do mundo jurídico e sindicalistas se mobilizaram em um atos para reivindicar que o STF não suprima as atribuições da Justiça trabalhista e escute os trabalhadores – nos últimos anos, a intervenção do Supremo parte do pressuposto que as duas partes envolvidas negociam em pé de igualdade, mas que acabam impulsionando as reivindicações e atendendo as reclamações dos empregadores.

Agora, virá a outra etapa, ainda sem data definida: a Corte irá se debruçar sobre o mérito da ação, que definirá se há ou não a relação empregatícia. A base para essa definição será um caso recente entre uma motorista de aplicativos do Rio de Janeiro e a Uber. A decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi favorável à trabalhadora, mas corporação recorreu ao STF. Este processo decisivo será julgado sob relatoria do ministro Edson Fachin. Enquanto não há um parecer final, todos os processos trabalhistas que, hoje, correm na Justiça envolvendo as plataformas serão paralisados. O resultado dessa ação será determinante – para o bem ou para o mal – nas próximas decisões que afetam diretamente os precarizados.

O caso em meio ao desmonte trabalhista

Foi a primeira vez que uma decisão envolvendo uma questão trabalhista relacionada a corporações-aplicativos foi votada por todo o colegiado do STF. Até então, uma decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes e, depois, da 1ª Turma, negaram vínculo empregatício em caso semelhante envolvendo a aplicativo de transportes Cabify e um motorista, em dezembro do ano passado.

Desta vez, os seis ministros, portanto, foram unânimes em considerar a questão constitucional e que deverá gerar jurisprudência aos processos trabalhistas que, segundo o relator Fachin, acumulam cerca de 10 mil casos na Vara Trabalhista.

Mas o que torna delicada a discussão sobre as diretrizes da uberização é que ela ocorre em meio a uma “disputa” entre o STF e a Justiça do Trabalho. Em casos semelhantes, o entendimento recorrente do Supremo se apoia na flexibilização das leis trabalhistas – com base no julgamento sobre terceirização de trabalhadores, de 2020. Já os juízes e ministros do Trabalho emitiram decisões favoráveis aos motoristas nos últimos meses. Por isso, o Supremo agiu para “pacificar” a polêmica.

Expectativas

O atual processo envolvendo a Uber chegou ao Supremo em junho de 2023, após a empresa entrar com recurso contra decisão da 8ª Turma do (TST), que manteve decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-1), reconhecendo vínculo por meio da subordinação algorítmica: o entendimento é que, seguindo o art. 6º da CLT, a Uber que fixa o preço da corrida, o percentual de repasse para o motorista e sugere os trajetos, e a única autonomia do trabalhador é definir os horários que vai dirigir e se vai ou não aceitar o cliente.

Para pesquisadores, sindicatos e organizações dos trabalhadores do setor, é preciso pressão para que o STF garanta o direitos de motoristas e entregadores. Porém, a expectativa é baixa, pois, segundos eles, o principal objetivo é uniformizar e desemperrar os mais de 10 mil processos semelhantes que correm na Justiça do trabalho e que acumula decisões favoráveis aos aplicativos, segundo publicou o Valor, em setembro passado, com base na plataforma Data Lawyer.

Esse é justamente o pêndulo desfavorável que ameaça trabalhadores, segundo um documento assinado por mais de 500 pesquisadores de 34 países, que alerta: caso o Supremo julgue a inexistência de relação empregatícia, a repercussão geral irá impedir que motoristas, entregadores de aplicativos e demais segmentos do trabalho de plataformas serão impedidos de vencer alguma ação futura na Justiça do Trabalho – e tendência é que essa leitura se estenda a outras categorias e profissionais terceirizados.

Os pesquisadores avaliam que as contestações, quando chegam ao STF, movidas por empresas e empregadores, “uma vez que um contrato civil tenha sido assinado, os fatos não importarão, e o Tribunal do Trabalho será impedido de observar a realidade”. Ou seja, prerrogativas decorrentes das relações de trabalho são reduzidas a uma discussão “contratual” – algo que vai de contramão da tendência de outros países.

E essa visão já foi corroborada dentro do próprio Supremo: o ministro Gilmar Mendes, ainda no caso da Cabify ao final do ano passado, se manifestou no sentido de que não existe qualquer irregularidade na contratação profissional por meio de pessoas jurídicas ou sob a forma autônoma.

Repercussão

Enquanto isso, os trabalhadores – não só os que prestam serviços aos aplicativos, mas todos que vivem na informalidade – seguem sujeitos à dispensa a qualquer tempo, a uma enorme insegurança e a jornadas exaustivas, sem qualquer garantia de um salário-mínimo hora ou mensal. Para piorar, com o enfraquecimento dos sindicatos, há pouca ou nenhuma transparência em relação aos dados e ausência de fiscalização do Estado via inspeção do trabalho das “novas” modalidades de trabalho.

“O Supremo Tribunal Federal tem acolhido essas reclamações, no meu entender, de forma completamente indevida e tem declarado que essas decisões ferem uma decisão do STF, que autorizou a terceirização de forma ampla. Mas isso não tem nada a ver com terceirização, é uma fraude na relação de emprego”, afirmou ao site do Brasil de Fato, o professor de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior.

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *