O Supremo Tribunal da Verdade Científica

Em Que bobagem, Natalia Pasternak e Carlos Orsi parecem crer numa ciência universal e aspiram ao “truque de Deus”. É como se houvesse cientistas desencarnados, capazes de deter todas as visões, sem partir de nenhum lugar específico

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Por Henrique Sater

Desprestigiada há tempos no nosso país, a ciência deu as caras com o lançamento do livro Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério (ed. Contexto), de Natalia Pasternak e Carlos Orsi.

Em entrevista, Pastenark agrupou homeopatia, acupuntura e psicanálise no rótulo de “falsificações da ciência”. No livro, defendeu que a melhor maneira de testar um medicamento ou tratamento é sempre submetê-lo “a um teste clínico randomizado, controlado e com grupo placebo”.

Sem ineditismo apesar do título no mínimo pedante, os autores buscam apresentar à sociedade o projeto da Medicina Baseada em Evidências (MBE). Genericamente descrita como um processo de sistematicamente descobrir, avaliar e usar achados de investigações como base para decisões clínicas, a MBE emerge nos anos 90 a partir de estudos de epidemiologia clínica que buscavam a garantia do melhor tratamento possível de acordo com as evidências científicas disponíveis.

Vem sendo protagonizada por um conjunto pequeno de pesquisadores que possui acesso aos recursos técnicos e metodológicos que definirão protocolos em larga escala. Com a promessa de intervenções racionalmente eficazes, custo-efetivas e seguras, ela modificou a relação dos profissionais da saúde com seus saberes e sua autonomia.

A evidência científica se sustenta essencialmente pelo cálculo de probabilidades. Quando transformadas em números, podem ser transmitidas de forma universal e familiar, padronizando os enunciados aparentemente desapegadas de moralidades e interesses e permitindo extrapolações.

Estas evidências acabam ligadas a um tipo de aspiração pela certeza. A definição clínica prometida por tecnologias sofisticadas e estudos randomizados, duplo-cegos, sem conflitos de interesse pressupõem uma “verdade” biológica do adoecimento, dotada de uma forma específica de visualizá-la.

No entanto, a realização de um ensaio clínico só se justifica onde há dúvida do benefício de tratamentos. Como reconhecem os próprios autores, todos os tratamentos (incluindo os assim chamados “placebos”) são em algum nível abstratamente eficazes. E nem sempre é possível ou adequado utilizar como critério de validação a randomização e o duplo-cegamento (nem quem administra nem quem toma sabe se está tomando o remédio), vide, por exemplo, a eficácia de máscaras no controle de um vírus respiratório ou de psicodélicos na saúde mental.

Além disso, em última instância, não há como definir se as inferências estatísticas dos ensaios clínicos são realmente medidas objetivas de probabilidade do mundo ou crenças racionais interpessoais. Tampouco há consenso se são capazes de comprovar definitivamente uma causalidade ou apenas correlações entre fenômenos.

Porém, a reivindicação cada vez maior de práticas “baseadas em evidências” acaba produzindo um julgamento profissional orientado por instituições detentoras de meios econômicos e científicos de produzi-las e validá-las na literatura científica. A questão fundamental é: quem será responsável pela produção e interpretação desses dados? Como definir os valores aceitáveis para consolidar uma decisão de ordem populacional e individual?

A pandemia de covid deixou como uma de suas lições a importância da valorização da pesquisa que tenha princípios democráticos, solidários e transparentes em relação à sociedade. É fundamental seguir investigando e denunciando a captura da ciência pelos interesses das grandes corporações médico-farmacêuticas, com provas incontestáveis de esquemas corruptos de, registre-se, “falsificações da ciência”.

É fundamental também reconhecer que a capacidade de cuidado vai além de evidências e inclui um conjunto de saberes operacionais e singulares. Apesar disso, a medicina moderna costuma ser imaginada como uma síntese catalogável de todo conhecimento em saúde vigente, e não como uma forma contingente de sistematizar e tornar inteligível nossas compreensões em torno da vida e do adoecimento.

Teóricas feministas têm nos provocado que as verdades ditas universais e objetivas carregam uma espécie de “truque de Deus”, geradas por cientistas desencarnados capazes de deter as visões de todos os lugares e ao mesmo tempo sendo visões não partindo de nenhum lugar específico. Pasternak e Orsi personificam o Supremo Tribunal da Verdade Científica utilizando a Medicina Baseada em Evidências como único filtro de validação de eficácia para tudo que encontram.

Como escreveu em “Aletria e Hermenêutica” um notável médico brasileiro, “o açúcar é um pozinho branco, que dá muito mau gosto ao café, quando não se lho põe”. Os autores parecem acreditar que os ensaios clínicos randomizados dão muita bobagem ao mundo, quando não os usamos.

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5 comentários para "O Supremo Tribunal da Verdade Científica"

  1. GABRIEL disse:

    Sou médico e concordo que ciência na area da saúde não se limita ao modelo de “medicina baseada em evidências “, mesmo sendo um modelo muito bom em muitos aspectos. Mas independente de qual for o modelo de estudo, ciência é definida por MÉTODO, o qual deve ser bem rigoroso e bem descrito inclusive em suas limitações e que vem tra,endo dados aos poucos. E nisso a psicanálise falha miseravelmente. Freud pode ter algumas contribuições em questionamentos muito interessantes que ele trouxe. Como a importância da sexualidade (embora ele tenha tratado com exagero), o fenômeno da transferência e contrateansfência e reflexões muito interessantes que até independem da teoria psicanalitica em textos como “o mal estar da civilização” e “luto e melancolia”. Mas falta rigor de MÉTODO para classificá-la como ciência. Não é a toa que fora, supostamente, Freud, ninguém edificou praticamente sozinho uma ciência.

  2. Eu disse:

    Vocês são bem ignorantes e não entendem de ciências. Se entendessem, saberiam que não existe verdade nem certezas na psicologia assim como existem “verdades” em baboseiras como a psicanálise por exemplo. Psicanálise ficou no passado, não possui evidência científicas robustas. Superem.

  3. Lia Giraldo da Silva Augusto disse:

    Esses autores em questão, na verdade usam do sofismas e misturam alhos com bugalhos, uma velha tática para confundir, para ganhar dinheiro, na condição de comutadores científicos dos interesses do agronegócio, ao defender os agrotóxicos e transgênicos e negar todos suas nocividade na saúde e no ambiente, e defenderem o tal “uso seguro” a partir do paradigma dose-resposta, como se os efeitos fossem respostas lineares, e transporem o que se observa em laboratório com ambientes e animais controlados para a vida real dos humanos em seu trabalho, em seu consumo e aos ecossistemas. Pobres trópicos, em dar ibope a esses mercadores!

  4. Henrique Carriço da Silva disse:

    Concordo muito com as considerações do prof Sater no artigo “O Supremo Tribunal da Verdade Científica”. Trabalho numa instituçao que tem a MBE como forma suprema de criar ciencia e investigação. Mas muitas formas de conhecimento nao podem ser “adaptadas” à MBE pela sua propria natureza, pelo seu objeto de estudo. E tem mais: a MBE pode gerar resultados sem significado clinico e atualmente grandes interesses economicos detem os recursos para se fazer a MBE e acabam determinando a pesquisa e resultados alinhados a esses interesses. É até facil demonstrar isso. Existe os chamados estudo de vida real que podem mostrar resultados divergentes da MBE. Ademais os autores do livro “que bobagem…” são pesquisadores de laboratorio e ciências basicas, sem experiencia clinica e cientifica fora do controle de pesquisa pura, que querem ignorar outros metodos de estudo cientifico, que na vida real nem sempre é possivel a aplicacao da MBE pura. E ai temos o risco da “ignorância ou visão radicalizada da ciencia ” se arvorando a dizer que a verdade cientifica só pode ser alcançada com o metodo experimental rigido matematicamente demostravel ( nota: é questionavel esse conceito de verdade cientifica, pois toda verdade é relativa, não existe a verdade cientifica inquestionavel, indiscutível e infinita). E ai se corre o risco de se ignorar e pior de tudo se “apagar, ignorar” conhecimentos até bem estabelecidos, concretos que não foram alcançados pela metodologia experimental cartesiana e pela “confirmação” pelos metodos adotados pela MBE. Todo o radicalismo em ciencia é deploravel, perigoso e deve ser evitado e até combatido. A verdade cientifica final é muito.maior que os metodos que se arvoram a alcança-la e provavelmente inatingivel. A ciencia é mundo das verdades transitorias e, como diz o poeta,” que seja infinito enquanto dure”

  5. Djalma França disse:

    “Saberes operacionais e singulares…”como vocês tem a capacidade de publicar um monte de bobagem como o contido neste artigo? Nenhum argumento válido, sólido ou convincente. Um amontoado raivoso de agressões.

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