Crise econômica, crise do indivíduo

 

Em meio à crise econômica, a Grécia tem produzido filmes radicais, pessimistas, mas sem referência explícita à política local.

 

Por Bruno Carmelo, editor do blog Discurso-Imagem.

 

De vez em quando chega aos cinemas um filme Attenberg, e o espectador é voluntariamente posto numa posição delicada. Afinal, a obra não faz um esforço para contar uma história, para persuadir o público do que quer que seja. Ela não propõe as respostas, nem as perguntas, e delicia-se com os contornos mais herméticos. Há desejos, há pulsões (sexo e morte, como na grande maioria de filmes sobre a crise do indivíduo), e assim pode-se desenhar um cenário geral um tanto familiar, mas não é nada fácil percorrer o caminho de Attenberg.

 

Desde a imagem acima, passando pelo curioso pôster ao lado, chegando às diversas cenas de personagens agindo de forma animalesca, ou sedutora, ou infantil, ou todos ao mesmo tempo, o público é de certa forma instigado e repelido. Promete-se algo, entrega-se imagens mais deixa-se o sentido se completar na cabeça de cada um. A sinopse não necessariamente ajuda: Marina, uma garota de 23 anos, virgem e isolada da sociedade, deve enfrentar ao mesmo tempo a morte iminente do pai e o desejo sexual que parece se liberar com a ausência da figura paterna.

 

Como a produção é grega, e como a imagem contemporânea da Grécia é mais ligada à crise econômica do que à cultura clássica, muitos críticos enxergaram na tortuosa narrativa nada mais do que uma metáfora da instabilidade do país. É uma solução possível, embora fácil demais. O roteiro não insiste nos fatores sociais, nem na política ou na economia, e se fecha em sua protagonista, da maneira mais intimista e individual possível.

 

Aliás, os últimos três filmes gregos que chegaram às telas francesas desde a crise (e talvez por causa da crise, já que os distribuidores franceses sempre fazem da miséria econômica um forte argumento publicitário) ignoravam a sociedade, fechavam-se literalmente dentro de uma casa e abordavam os transtornos de jovens adultos. Em Dogtooth, os jovens jamais tinham conhecido o mundo além dos muros da casa. Em Strella, a protagonista travesti tornava-se Édipo ao viver uma tórrida história de amor com o pai dentro da própria casa. Pode-se insistir sobre a sociedade e a política (pública por definição), mas todos estes filmes preferiram instalar suas câmeras dentro do lar, no ambiente privado, na falência do núcleo familiar.

Attenberg reduz de maneira tão drástica o universo em tela que todos os personagens poderiam ser contados nos dedos de uma mão: além da filha, há o pai, sedutor e protetor, a amiga, heterossexual e manipuladora, o cliente-namorado, e só. A câmera prefere espremer Marina contra paredes brancas, ou isolá-la num corredor vazio. Falta contexto, falta desenvolvimento, e o filme acaba por transformar sua falta de referências numa finalidade em si. Vide as diversas “danças” entre as duas amigas, coreografadas, e que não adicionam indicam nenhuma direção precisa à narrativa.

O que interessa nesta obra não é portanto seu roteiro, nem seu tratamento da sexualidade ou da morte, muito menos sua estética simples. O mais interessante é justamente a fragmentação do sentido, o jogo de insinuações. O público é posto numa posição ativa, como se o filme não lhe fosse oferecido, mas ao contrário, exigisse que ele se concentrasse para produzir alguma significação precisa. O mais instigante nestas “telas abstratas” é o convite a uma experiência nova, inesperada, um convite ao desconforto (toda novidade nos retira do conforto dos elementos conhecidos), à dificuldade em se explicar porque se gostou ou não gostou.

Afinal, os elementos simples para se abraçar ou rejeitar uma obra estão ausentes: “empatia”, “mensagem veiculada”, “estética inovadora”, “autor conhecido” etc. Quem gostar ou desgostar de Attenberg vai ter um grande trabalho para justificar – para si mesmo, para os amigos – as razões de sua própria percepção de qualidade. E isto já é, por si próprio, uma relação espectatorial das mais produtivas.

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