Cinefilia e negócios imobiliários

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Edifício na Rua da Consolação poderá sediar novamente o Cine Belas Artes caso órgão do governo estadual decida pelo tombamento. O dono do cinema, André Sturm, fala sobre especulação imobiliária e expectativas empresariais

O prédio que abrigava o Cine Belas Artes — na Rua da Consolação, quase esquina com a Avenida Paulista, em São Paulo — ganhou uma nova chance de ser tombado pelo poder público e, quem sabe, voltar a sediar seções de cinema. No último dia 3 de outubro, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), órgão ligado ao governo do Estado, autorizou a abertura do processo de tombamento do local.

Enquanto não sair o resultado definitivo, em novembro, o prédio permanecerá intocado. A decisão do Condephaat em analisar o tombamento do imóvel vem apenas uma semana depois do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp) haver-se negado a abrir o mesmo processo no âmbito da Prefeitura. O Conpresp acatara a posição da Procuradoria-Geral do Município, segundo a qual “não há fundamento constitucional para promover o tombamento do lugar dissociado da qualidade arquitetônica do edifício”.

Pouco antes do fechamento do Cine Belas Artes completar seis meses, no dia 17 de setembro, seu proprietário, André Sturm, conversou comigo sobre a especulação imobiliária que lhe obrigou a encerrar as atividades. Também falou sobre as expectativas do tombamento e a mobilização da sociedade e do governo para que o cinema continuasse funcionando no local. Atualmente, André Sturm é diretor-executivo da Associação dos Amigos do Paço das Artes, Organização Social que administra o Museu da Imagem e do Som (MIS) e o Paço das Artes, na Cidade Universitária. Antes, ocupou, por quatro anos e meio, um cargo de direção na Secretaria estadual de Cultura.

Você tem planos de reabrir o Belas Artes?

André Sturm — Ainda está em análise a questão do tombamento do imóvel. Nesse momento, não sou muito otimista com isso, mas há uma mobilização incrível, um pessoal travando a maior batalha, fazendo audiências, indo à Câmara. Eu estou pronto. Se houver a confirmação do tombamento, imagino que o proprietário vai me procurar para propor que o cinema volte, porque, com o imóvel tombado, ele não vai ter muito o que fazer lá. Então, estou devagar com a opção de buscar outras possibilidades, porque seria uma tolice: eu começo a montar outro Belas Artes e tombam o prédio, o cara me procura e eu não consigo fazer dois Belas Artes. Caso decidam não tombar, e o cara decida fazer qualquer coisa lá, aí eu tenho vontade de fazer o Belas Artes em outro lugar.

Existiu algum tipo de apoio do governo na época que estava para fechar?

André Sturm — Por parte do governo do Estado não teve nada, só teve apoio moral, até porque eu trabalhava na Secretaria da Cultura, então era muito delicado para o governo do Estado fazer alguma coisa. Mas a Prefeitura se mexeu, o prefeito Gilberto Kassab, imediatamente após ter saído a notícia do fechamento, convocou a reunião do Compresp e manifestou sua vontade de que houvesse abertura do processo de tombamento. Foi muito bacana. A Prefeitura e o Carlos Augusto Calil, secretário municipal de Cultura, foram muito rápidos. Foi isso que permitiu inclusive que a gente ficasse aberto até metade de março e que esse processo exista até hoje. O secretário estadual de Cultura, Andrea Matarazzo, foi muito generoso, muito amigo, mas efetivamente havia… Claro que na prática o Condephaat é autônomo, mas, qualquer manifestação pública do Matarazzo naquele momento ia parecer que era porque se tratava de um colega de trabalho. Então, ele se manteve mais discreto.

O Belas Artes só não se manteve aberto por quê?

André Sturm — Porque o proprietário sacaneou. Já existia um acordo fechado, com aumento de aluguel, porque eu corri atrás, consegui o patrocínio, voltei lá e ele disse: “não, mudei de ideia, quero o imóvel de volta”. Depois que aconteceu isso, quando começou o barulho todo em janeiro, no final de janeiro, o proprietário me procurou, através de seu advogado, dizendo que tinha voltado atrás, que queria conversar, mas que eu precisava aumentar minha proposta. E eu aumentei a proposta, cheguei numa proposta muito alta. Infelizmente, nem assim eles toparam.

Como você avalia o processo de fechamento paulatino das salas de cinema de rua em SP?

André Sturm — É uma questão eminentemente urbana. Em alguns lugares, como o cinema do Centro, o que aconteceu foi uma violenta degradação do entorno, que torna impossível não só um cinema de rua, mas, por exemplo, uma livraria e uma série de coisas. Quem vai na Av. São João à noite? Então, a degradação leva junto o cinema de rua. No caso do Belas Artes, é o inverso: é a valorização da área, que provoca o aumento do valor dos aluguéis, é a especulação imobiliária que dificulta a existência do cinema. Muita gente acha que, se o Belas Artes não tinha como se pagar, tinha mais é que fechar. É o capitalismo puro. Mas não é bem assim. Primeiro, o valor que a gente ia pagar de aluguel era mais de R$ 1 milhão por ano. Então, não estamos falando aqui de R$ 5 mil por mês. Não era um favor, nada disso: R$ 1 milhão de aluguel é R$ 1 milhão de aluguel. Num contrato de cinco anos, são R$ 5 milhões. E o cara continua dono do imóvel. Então, a gente não está falando de mixaria.

E então?

André Sturm — A questão é que o cinema tem uma desvantagem do ponto de vista comercial em relação a outras atividades. No espaço em que você tem um cinema, a área de faturamento — o metro quadrado que gera receita — é muito pequena: são as cadeiras. Porque num cinema você tem escada, banheiros, área de circulação, bilheteria. Na mesma área que você tem um cinema, onde apenas 30 ou 40% da área é área de faturamento, se você instala uma loja de departamento, a cada metro quadrado há uma gôndola. Ou uma igreja, um banco… Então, o rendimento por metro quadrado é muito maior. E o valor que pode pagar de aluguel uma empresa desse tipo é maior que um cinema. Por isso é que os cinemas não conseguem permanecer em imóveis muito valorizados. De outro lado, num shopping center, o cinema é a âncora principal do shopping. Tanto que o cinema nunca fica na entrada, mas lá no fundo, porque o objetivo de ter cinema no shopping é fazer com que as pessoas entrem, passem pelas lojas e acabem consumindo para chegar no cinema. Então, cinema de shopping não tem aluguel. Ele paga uma porcentagem pequena da venda, ao contrário do cinema de rua, que paga aluguel em reais, tendo público ou não. Assim, a operação fica muito difícil e, na hora em que você tem um imóvel que valoriza, chega uma operação mais forte e leva — embora a oferta que fizemos tenha sido muito substancial. Acho que a outra oferta que ele tinha era pouco a mais. Foi efetivamente uma mesquinharia e uma birra. —@tadeubreda

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Um comentario para "Cinefilia e negócios imobiliários"

  1. Antônio Antonico disse:

    Cara… Sei lá. Por que isso aí é patrimônio da cidade? Tô com 30, nasci e vivi a vida toda em São Paulo. Nunca fui nesse lugar aí.
    O cara reclama quando gente acha que se o cinema não se paga, tem que fechar mesmo. “Capitalismo puro” diz ele. Mas, por acaso, o dono do cinema não está ali pra lucrar? Se paga um milhão de aluguel por ano, é porque tira muito mais que isso. Quanto é o lucro do dono do cinema? Qual o salário do bilheteiro? E eu vou ter que pagar por isso?
    Na boa, quer ser empresário (capitalista), segura a bronca. Você pode falir, faz parte do jogo. Agora não vem querer que eu pague por isso.

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