"Além de preto, é viado"
Caso Kaíque revela o preconceito, a invisibilidade e a vulnerabilidade de homens negros homossexuais
Publicado 16/01/2014 às 20:35
Por Higor Faria
[Higor Faria publica regularmente crônicas sobre racismo aqui]
No sábado, 11 de janeiro, Kaíque (16 anos) foi encontrado morto, sem os dentes, com uma barra de ferro na perna e outros sinais de tortura. A polícia registrou o caso como suicídio. Não é preciso ser nenhum especialista para perceber que foi assassinato, provavelmente motivado por puro ódio.
Kaíque era negro, gay e provavelmente não pertencia às classes com maior poder aquisitivo. Na nossa sociedade branca heteronormativa, Kaíque fazia parte de três minorias e acumulava três tipos de preconceito: o de raça, o de sexualidade e o de classe social. Talvez essa situação fosse “amenizada” nos ambientes homossexuais e ele “só” sofresse racismo. E nos ambientes negros, “só” de homofobia.
Mesmo assim, não deve ter sido nada fácil encontrar um lugar que fosse acolhido plenamente e se sentisse protegido — se é que encontrou. Como tantos outros em nosso país, ele fazia parte de um grupo que é triplamente estigmatizado, invisibilizado e colocado em posição vulnerável. Não é a primeira vez que contam a história de Kaíque, mas a gente nunca deu a mínima. O Estado também não. Afinal, a vida de quem é preto vale menos — negros são 70% das vítimas de homicídio. A vida de quem é gay vale tão pouco quanto — os casos de assassinatos contra homossexuais triplicaram de 2007 a 2012. E a vida de quem é pobre segue na mesma cotação. Se a pessoa é preta, gay e pobre, o que não valia quase nada é dividido por três. Nem lágrima cai dos nossos olhos, que dirá uma comoção nacional.
E a regra é clara: se não tem valor, é deixado de lado. Invisibilizado. Não se considera nem nas estatísticas: não há recorte racial nos assassinatos registrados como motivados por homofobia, bem como não há recortes de sexualidade nos assassinatos registrados como de crime racial. E isso é uma coisa séria! Não tendo esses números, não se sabe e não se olha pra onde negros homossexuais estão sendo mais assassinados, não se reconhece os preconceitos da nossa sociedade, não se enxerga a dimensão do problema social e não há movimentação para resolvê-lo.
O resultado é esse aí registrado como suicídio. Como disse uma amiga minha “dizer que foi suicídio é como dizer que ele pediu por isso”. Muita gente acredita que por ser preto e gay ele pediu. Mas ele não pediu. Kaíque e tantos outros não pediram pra nascer numa sociedade que estigmatiza o preto, o gay e o pobre. E isso tudo é culpa do descaso do Estado e do meu, do seu e do preconceito dessa pessoa que tá aí ao seu lado. O Estado não criminalizou a homofobia, não aplica efetivamente as leis anti racismo, não educa contra o preconceito. Eu, você e a pessoa aí do lado não pressionamos o governo, os legisladores e as instituições, não denunciamos e ainda negamos quando algum oprimido acusa uma opressão. (In)Diretamente, todos somos torturadores dos jovens negros gay assassinados nesse país.
Outras Palavras é feito por muitas mãos. Se você valoriza nossa produção, contribua com um PIX para [email protected] e fortaleça o jornalismo crítico.
La no pelourinho tem muito afrodescendente, eles preferem que chaman de gay, mais gay é nome estrangeiro so pra enfeitar, é viado mesmo , bichona, boiola,baytola,e outras coisas extranhas
Muito bom o quadro gostei esse post enterresante de mais !
… mais um vitima de um sistema que a regra é a impunidade!!! Insano.
Tem que mudar o discurso de ficar dividindo tudo galera, isso ai não esta dando certo… nem vou falar nada. Escrevi um blablabla e apaguei…
Higor é um pequeno grupo que realmente se mobiliza – existem diversas formas de mobilização – o resto ta correndo atras do arroz e feijão afinal de contas assim que nascemos ja aprendemos em casa e depois na escola e assim vai que o importante e competir e isso ate o fim e sempre termina em algum tipo de guerra.
Olha aqui, peguei ontem na UJS:
“Amanhã, Sexta-Feira (17), a redação da UJS irá cobrir ao vivo o Ato por Justiça no Caso Kaique e Pela Criminalização da Homofobia e Transfobia.
A concentração será no Largo do Arouche e sairá em caminhada até a Coordenadoria de Diversidade (Coordenação para Políticas LGBT), onde acontecerá uma parada. Em seguida os manifestantes partirão rumo a Avenida 9 de Julho, nas proximidades da Câmara Municipal de São Paulo, com a missão de chamar atenção das autoridades competentes.
Página do ato no facebook: https://www.facebook.com/events/393391437474269/?previousaction=join&source=1”
Eu não tenho face e nem quero e não tem horário no comunicado…. foda né? Se eu estivesse em condições não faltaria e olha que eu posso e tenho tempo pra isso mas a maioria não… o problema camarada e de impunidade veja a Lei Maria da Penha, como simbolo, td bem, legal, mas resolveu? Não.
Que tal unir forças e ir na raiz do problema? Que tal um radicalismo saudável?
Força ae…
Um outro detalhe: crimes contra pessoas homossexuais são extremamente bárbaros, como se fosse pra deixar uma “marca” de moralidade, ou seja, uma “lição”… muita coisa ainda pra mudar em nosso Brasil.