A Petrobras ante o fantasma mexicano

Políticas imediatistas atingiram estatal Pemex, limitando realização da riqueza petroleira e desenvolvimento. Brasil arrisca-se a repetir o erro

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Por André Ghirardi

Outubro de 2013 traz duas datas marcantes para a indústria petroleira latino-americana. No Brasil, vive-se a expectativa pelo leilão do campo-gigante de Libra na região do pré-sal. Será a primeira licitação sob o regime de partilha de produção, agendada para dia 21 de outubro. No México o Congreso de La Unión tem até 20 de outubro para votar um projeto do poder executivo que altera a Constituição e permite que, além da Pemex, companhias privadas possam também participar na atividade petroleira, sob o mesmo regime de partilha de produção. Em ambos os casos, guardadas as particularidades históricas locais, discute-se a participação do Estado no setor petróleo e a apropriação da riqueza gerada pelo combustível. Mas, para ir além de aparências enganosas, o debate não pode ficar restrito à presença ou não de empresas estrangeiras. O próprio México revela que, mesmo sob regime de exploração 100% estatal, os recursos podem ser sub-aproveitados. E a partilha não é, necessariamente, sinônimo de entreguismo. Também aqui, os detalhes são a morada do diabo.

A Petróleos Mexicanos – Pemex – é uma empresa 100% estatal, que ocupa no imaginário mexicano um lugar semelhante ao da Petrobras no imaginário brasileiro. É a maior empresa do México e hoje produz 2,5 milhões de barris de petróleo por dia. A criação da Pemex, em 1938, surgiu de um conflito entre os trabalhadores e as 17 petroleiras estrangeiras que operavam no país à época. A Corte Suprema manteve a decisão da Junta de Conciliação, que já se havia pronunciado a favor dos trabalhadores. Diante da recusa em cumprir o mandato judicial, o então presidente, Lazaro Cárdenas, decretou a expropriação dos bens das companhias petroleiras em março de 1938. Três meses depois, Cárdenas criou a Pemex que, desde então, exerce as atividades petroleiras em território mexicano.

O forte simbolismo histórico da criação da Pemex tornou-se a principal referência política na condução da indústria de petróleo no país. É por isso que o espírito das reformas de Cárdenas é reivindicado tanto pelo governo, liderado pelo Presidente Peña Nieto (Partido Revolucionário Institucional-PRI), quanto pelo movimento que se opõe à abertura do setor petroleiro. Expresso numa série de mobilizações populares, nos últimos meses, ele tem como uma de suas figuras simbólicas Cuauhtémoc Cárdenas (filho do ex-presidente Lazaro e fundador do Partido de la Revolución Democrática – PRD). O governo quer uma reforma constitucional para maior estabilidade jurídica. A oposição afirma que basta reformar algumas leis complementares e dar melhores condições à Pemex. Vamos aos detalhes.

O nome do Presidente Cárdenas é citado 18 vezes nas 15 páginas de exposição de reforma constitucional enviada ao Congresso em 11 de agosto pelo Presidente Peña Nieto. A reforma é apresentada como um retorno aos fundamentos cardenistas, com o propósito de superar o constrangimento em que se encontra o país por falta de agilidade na produção de petróleo e derivados. Propõe restabelecer a redação do artigo 27 da Constituição proposta pelo Presidente Cárdenas em 1938, pela qual eram vedados contratos de concessão para exploração e produção de petróleo, mas permitia ao Estado, na condição de único proprietário do petróleo, a contratação pelo de empresas privadas para exercer essa atividade. Ou seja, a redação original dava espaço aos contratos de partilha de produção. Permitia também que fossem contratadas sob concessão as atividades de refino, transporte, e distribuição de petróleo e seus derivados. Essa redação original foi modificada em 1960 de forma a designar a Pemex como operadora única do petróleo no país, condição que ainda perdura, e que o governo pretende alterar.

O constrangimento atual da atividade petroleira é caracterizado pelo governo a partir da produção diária mexicana, que é hoje quase um milhão de barris inferior ao máximo de 3,4 milhões, atingido em 2004. A queda na produção reflete o declínio também das reservas mexicanas, suficientes para um horizonte de apenas 10 anos (curto, em se tratando de petróleo, pois os investimentos levam de cinco a sete anos para produzir resultados). O governo argumenta que as reservas atuais se encontram exclusivamente em águas rasas, enquanto que o horizonte exploratório do país está em águas profundas, localização que requer tecnologia e conhecimentos especializados, que a Pemex não detém. Argumenta que os custos e riscos de exploração em águas profundas deveriam ser compartilhados por outros operadores, em vez de recair unicamente sobre a Pemex. No momento, a Pemex já não pode investir adequadamente em todos os segmentos da indústria, em virtude da alta retenção tributária imposta pelo Estado sobre as receitas da companhia. Na exploração, apenas cinco poços foram perfurados em águas profundas desde 2010. Nenhum deles chegou ao estágio de produção. No refino a insuficiência de investimentos ameaça a segurança de abastecimento do país pois faz com que o México importe hoje 49% da gasolina e 33% do diesel que consome.

No dia 19 de agosto, o PRD apresentou sua alternativa à proposta do governo. O PRD é a favor da exclusividade da Pemex, e propõe derrubar a proposta governista de reforma da Constituição. O PRD questiona o objetivo de aumentar a produção, argumentando que a produção acelerada das grandes reservas de petróleo descobertas no México a partir da década de 1970 foi prejudicial ao interesse nacional, pois causou a exaustão de grande parte das reservas naturais, sem que as receitas de exportação tivessem se convertido em investimentos estruturantes para o país. A excessiva dependência do Tesouro das receitas da Pemex teria obrigado o país a seguir exportando, mesmo sob condições desfavoráveis de mercado. Argumenta também que a concentração dos investimentos exclusivamente em exploração e produção de petróleo deixou estagnado o segmento de refino, tornando o país dependente de importação para abastecer 50% do mercado interno de GLP, combustível residencial básico para a maioria das famílias, além de importar gasolina e diesel.

Em vez de terminar com a exclusividade da Pemex, a proposta do PRD pretende que sejam concedidas à estatal as mesmas condições de preços, investimentos, e tributos que seriam oferecidas aos investidores privados. Com isso, afirma o PRD, a Pemex teria condições de conduzir sozinha a atividade petroleira no México. Afirma o PRD que essas alterações não dependem de reforma à Constituição, bastando modificar algumas leis complementares, principalmente em três pontos. Pretende o PRD que se mude o regime fiscal, para desonerar a companhia de uma carga tributária que da ordem de 70% da receita bruta. Além da desoneração, a Pemex passaria a ter autonomia orçamentária para definir seu orçamento, em vez do Ministério da Fazenda, que submete o orçamento da companhia às metas fiscais do governo. A Pemex passaria a ter também autonomia de gestão, o que permitiria eliminar subsidiárias e reduzir gastos de administração. No âmbito do Conselho de Administração da Pemex, o PRD propõe que saiam os cinco representantes sindicais atualmente presentes. Propõe também o Ministro da Fazenda deixe o Conselho juntamente com outros quatro representantes do Executivo, permanecendo apenas o Ministro de Energia, na condição de presidente.

As razões do declínio: Por que a Pemex, tendo desfrutado do monopólio de exploração, num dos países que lideraram a produção petroleira mundial no século passado entrou em declínio acentuado – a ponto de se tornar incapaz de investir na própria sondagem das possíveis reservas mexicanas? Algumas das respostas precisam ser examinadas a fundo no Brasil. A riqueza farta do subsolo levou o Estado mexicano, proprietário da empresa, a recorrer seguidamente a ela para se financiar, evitando decisões políticas difíceis porém importantes.

Derivados de petróleo artificialmente baratos (em especial, a gasolina) alimentaram a cultura do automóvel, mas estrangularam a capacidade de investimento da Pemex. Sem vontade política para financiar os serviços públicos tributando os mais ricos e redistribuindo riqueza, o Estado impôs pesada carga de impostos sobre a empresa. A presença maciça de representantes do Poder Executivo em seu Conselho de Administração levou-a a suportar tais condições sem resistir. Quando esgotou-se o petróleo fácil (extraído sem complicações, desde o final do século 19), a estatal não tinha suficientes recursos, nem capacidade tecnológica, nem agilidade administrativa ou autonomia financeira para sondar os possíveis depósitos submarinos.

A condição de empresa 100% estatal e a posse, sem concorrentes, de toda a riqueza petroleira do México não foram capazes de socorrer a Pemex. É por isso que parece pobre o debate travado, no Brasil, sobre os contratos de partilha a ser firmados no Pré-Sal. A questão não está num dilema binário, entre firmá-los ou não. Dois fatos históricos o comprovam. Um é o exemplo do próprio México, onde Lazaro Cárdenas, um nacionalista odiado pelos Estados Unidos, admitiu estes contratos. Outro, a mudança profunda na exploração petroleira, registrada, em todo o mundo, nos últimos vinte anos. Neste período, as transnacionais, que dominavam a exploração, perderam espaço muito rapidamente, controlando apenas 9% das reservas atuais. O instrumento principal utilizado pelos Estados, para reassumir sua riqueza petroleira, foi exatamente adotar uma nova modalidade de contrato, que lhes dá poderes para definir condições e ritmos de extração.

A Petrobras é muito distinta da Pemex atual. Sua capacidade tecnológica para operar em águas profundas e ultra-profundas é reconhecida internacionalmente. Sua experiência de planejamento, agilidade administrativa e autonomia financeira dão-lhe condições de captar e gerenciar recursos.

Infelizmente, contudo, a empresa sofre crescente pressão de fatores adversos semelhantes aos que tolheram a Petroleos Mexicanos. Eles estão presentes no subsídio ao consumo da gasolina e no movimento para explorar o Pré-Sal levando em conta, cada vez mais, não os interesses estratégicos do país, mas a necessidade de cumprir mestas fiscais.

Em 22 de outubro já conheceremos o resultado do leilão de Libra e, possivelmente, da votação da reforma constitucional mexicana. Conheceremos as primeiras conseqüências desses resultados para a Petrobras e para a Pemex, em suas vidas paralelas.

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3 comentários para "A Petrobras ante o fantasma mexicano"

  1. ranss9 disse:

    Petrobras uma empresa corrupta, não faz bem ao povo, só serve para alimentar o caixa 2 de políticos, verbas publicitárias são para gerar dinheiro. O que se vende la tem o ICMS e IPI( imposto do comprador moderno e safado e imposto do politico imoral.)
    O petróleo não é nosso, pagamos por uma gasolina de merda e cara.
    Só otario acredita que o petróleo é nosso e a Petrobras é do povo.

  2. Alfredo Lopes Filho disse:

    Vamos embarcar em mais uma aventura do governo Dilma, em mais lesa-pátria.

  3. Lourival Almeida de Aguiar disse:

    Professor,
    para mim está claro que o Brasil não pode “dar” o campo de Libra às multinacionais, parecidamente com o que fez com a Vale do Rio Doce!
    As “condicionalidades” cheias de prudências fixadas para o leilão de segunda próxima (21), na prática, fazem é colocar mais incerteza nesse leilão aventureiro do que as que pretende eliminar. Sou pelo adiamento do leilão até que se tenha um ambiente econômico e político suficiente para rever suas “condicionalidades” e realizá-lo de forma proveitosa (não lesa-pátria) para o povo brasileiro.

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