A hora de Outra Política
Manifestações contra o golpe crescem, espalham-se pelo país e sugerem que o “Fora, Temer” pode vencer. Também revelam possibilidade de nova esquerda
Publicado 08/09/2016 às 15:42
Em reviravolta impressionante, manifestações contra o golpe crescem, espalham-se pelo país e sugerem que o “Fora, Temer” pode vencer. Também revelam possibilidade de nova esquerda. Como construí-la?
Por Antonio Martins* | Imagens: Tiago Macambira (Jornalistas Livres)
[Terceira parte da série O Brasil sob o Golpe: seis hipóteses polêmicas. Leia também as hipóteses 1, 2 e 4]
Em condições normais a cena seria surreal, mas em tempos de crise aguda da velha política o impensável realiza-se com frequência – ainda mais, no Brasil. Passada apenas uma semana de um golpe de Estado, a Avenida Paulista, em São Paulo, viveu ontem uma reviravolta. Ali, a poucas quadras de onde realizavam-se, em março, as grandes manifestações de ódio à democracia, quem protagonizou a cena foi outra multidão. Cerca de 20 mil pessoas, que se auto-convocaram a partir de uma mensagem singela em redes sociais e caminhavam desde a praça da Sé, interromperam sua marcha diante do escritório da Presidência da República, na esquina com a Rua Augusta. Por volta das 16h, o expoente de um pequeno grupo, a Esquerda Marxista, dirigiu-se aos manifestantes – a grande maioria, muito jovens. Não tinha nem carro de som, nem microfone. Falava e suas palavras eram repetidas, em sucessivas ondas de jogral. Propôs o compromisso de todos com um novo protesto, no próximo domingo, 11/9. Foi ovacionado – e é provável, como se verá, que iniciativas semelhantes espalhe-se por todo o país. Convocou todos a não aceitar os atos do governo ilegítimo e a não descansar, enquanto este não cair.
A maré contra o governo golpista cresce com enorme rapidez desde o último domingo (4/9), quando mais de cem mil pessoas desafiaram uma proibição inicial da Polícia Militar e tomaram a mesma Avenida Paulista. Ontem, o feriado de Sete de Setembro disseminou a resistência. Novos protestos ocorreram em 26 Estados e em Brasília. O Grito dos Excluídos – uma celebração das pastorais católicas por direitos e igualdade, que se repete desde 1995 – foi o convocador. Mas ao contrário do que ocorre normalmente, as manifestações reuniram milhares de pessoas e focaram, de modo explícito, na queda de Temer. Tudo indica que a espiral crescente adquiriu agora novo ritmo. Como se não bastasse, o presidente ilegítimo foi vaiado nos dois grandes eventos sem conotação política, a que compareceu ontem: o desfile da Independência, em Brasília e a abertura das Paraolimpíadas, no Estádio do Maracanã, Rio. A direção dos fatos é clara. É possível que, no próximo domingo, grandes multidões coloquem o governo em situação muito difícil (em São Paulo, haverá um protesto prévio, hoje).
Ao exporem a impopularidade do presidente, aliás, as manifestações já estão abrindo fissuras em sua base política de apoio e dificultando a aplicação de seu programa de contra-reformas. A primeira crise dá-se em torno da retirada de direitos previdenciários. Dezenas de parlamentares, que concorrerão a prefeituras, passaram a pressionar o governo para que adie até 2017 o envio do projeto que eleva a idade mínima para aposentadoria. Temem ser devastados pela impopularidade da medida. No PSDB, mais diretamente ligado ao capital financeiro, ocorre movimento oposto. Depois de baixar em São Paulo na segunda-feira (5/7), para reuniões de urgência com Geraldo Alckmin e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador Aécio Neves, deu o recado: quer o projeto enviado ao Congresso já. Um dia depois, Temer parecia disposto a atendê-lo – sem convencer, porém, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Para este, tornar público o ataque agora “não é inteligente e é inútil”…
Os riscos de perda de sustentabilidade do governo, que até há uma semana eram miragem, tornaram-se reais. Tanto é que levaram FHC – uma espécie de referência comum do bloco conservador – a fazer, ontem, um alerta. Entrevistado pelo repórter Josias de Souza, ele reconheceu a fragilidade do governo Temer e o tratou com desdém: “não é uma ponte, é uma pinguela”. Porém, conclamou as elites a defendê-lo. “Mas, se quebrar a pinguela, cai no rio. É pior. Então, nós temos que apostar que vamos atravessar essa pinguela e vamos chegar do outro lado do rio.”
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Subitamente, um cenário em que apareciam apenas nuvens carregadas, voltou a se abrir. Agora, um vasto leque de desfechos é mais uma vez possível. Ele inclui desde um ataque mais duro às próprias liberdades civis, com laivos de fascismo, até a queda de Temer e a convocação de novas eleições – além de múltiplas soluções intermediárias. O futuro imediato está novamente aberto; cada atitude é importante e pesa. Por isso, é ainda mais importante lançar hipóteses incômodas. Eis mais algumas, agora diretamente ligadas ao tema crucial da democracia: a) A chegada ao governo provocou, na esquerda institucional brasileira, um choque de acomodação e cegueira. Precisamente no instante em que avançavam, no mundo, a crise da representação e o esforço de reinvenção democrática, esta esquerda institucional deixou-se aprisionar nos limites cada vez mais estreitos do jogo parlamentar brasileiro; b) A queda do lulismo é também resultado deste declínio. As elites sempre quiseram livrar-se dele, por quaisquer meios possíveis. Porém, só puderam fazê-lo quando o segundo governo Dilma submeteu-se ao cretinismo institucional a ponto de desconcertar e paralisar a imensa base popular construída ao longo de trinta anos; c) A conjuntura pós-golpe está repleta de riscos tenebrosos. Porém, oferece uma chance raríssima, que pode ainda ser construída. Trata-se de superar o lulismo, respeitando e valorizando sua herança e mantendo diálogo permanente com ele; porém construindo uma esquerda pós-capitalista.
Não há tempo, agora, para desenvolver as duas primeiras hipóteses. Sobre a primeira, vale lembrar um fato emblemático. Na virada do século, o PT ganhou projeção internacional graças às experiências contra-institucionais inovadoras, que adotava quando no governo. A mais notável – mas não a única – era o Orçamento Participativo. Significativamente, ele não foi apenas esquecido, no governo federal, mas também enterrado nas próprias prefeituras e governos de Estado onde existiu, a começar por Porto Alegre.
Sobre a segunda hipótese, é impossível não mencionar 2013. Por mais graves que tivessem sido, até então as concessões à institucionalidade e o abandono das reformas estruturais, surgiu então uma oportunidade extraordinária para recuperar o tempo perdido. A presença de enormes multidões nas ruas, reivindicando serviços públicos e denunciando o esvaziamento da democracia permitia ao lulismo atualizar-se – desde que questionasse, também, sua relação com o poder. A janela foi, inclusive, constatada pelo governo, nos pronunciamentos que Dilma fez e nas propostas que lançou imediatamente após as manifestações gigantes – plebiscito e Constituinte sobre sistema político. Porém, quando conservadorismo rechaçou tais ideias, com a soberba de sempre, o governo abandonou-as também, acreditando provavelmente que o cristal partido pudesse ser remendado. Percebeu a partir de 2015, com o início da grita pelo impeachment, que, uma vez salva das ruas, a direita as usaria para acertar as contas com o lulismo.
A terceira hipótese é, claro, a mais instigante. Trata de fatos correntes, sobre os quais ainda é possível interferir. Nas manifestações dos últimos dias, um fenômeno sobressai. Elas são cada vez mais numerosas e potentes, apesar da ausência da esquerda institucional. A presença dos partidos e centrais sindicais é lateral, ou cosmética. Mesmo a Frente Povo Sem Medo, que teve a coragem de incentivá-las desde o início, nas condições mais desfavoráveis, é muito mais uma referência política (certamente indispensável) que um poder convocatório. Dezenas de milhares de pessoas auto-convocam-se. Que mudanças de longo prazo, relacionadas à renovação da esquerda, este processo poderá suscitar?
Nos próximos dias, o mais importante será estimular ao máximo as novas manifestações; tentar obter, como desfecho delas, a queda do governo ilegítimo. Seria (será!?) um vendaval político histórico, com enorme poder de varrição do velho. Porém, seja qual for o resultado do episódio atual, persistirá um impasse. Como construir estruturas políticas que se preocupem em ir além da representação e em reinventar a democracia – além, é claro, de impulsionar a luta por reformas estruturais?
É uma questão colocada em todo o mundo – e não há saídas prontas, Em países como Grécia e Espanha, a resposta, provisória, foi fortalecer ou fundar partidos-movimentos, como Syriza e Podemos. Grã-Bretanha e Estados Unidos vivem, mais recentemente, processos de aglutinação em torno dos velhos partidos de esquerda, porém com notável radicalização de suas propostas, descrédito das direções e emergência de outsiders, como Jeremy Corbin e, em menor medida, Bernie Sanders.
Quais serão os caminhos, no Brasil? E se o Fora, Temer, que agora enche as ruas, nos estimulasse a criar em toda a parte Comitês Contra o Golpe? E se eles pudessem manter aceso, entre uma manifestação e outra, o desejo de lutar por direitos e construir outro país possível? E se estimulassem o exame da crise brasileira e das alternativas? E se se enraizassem, relacionando-se com as novas formas de política que brotam em toda a parte, às vezes tão distantes do que julgamos ser o “racional”? E se ganhassem as periferias, que ainda não intervieram nesta crise?
Esta busca será o tema de nosso próximo texto.
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* Com agradecimentos a Graziela Marcheti, pela interlocução
Com razão está o comentarista sempre arguto ao escutar a pulsação geral.. Ventos fortes de insatisfação sopram em várias partes do Brasil. e em rincões inesperados. Estava eu com amigos passando de carro pelas bandas do sul de Minas nesse final de semana, Em meio a, poeira, gado pastando, cachoeiras e pássaros cantando eis que – nas costas de uma placa verde dessas que indicam caminhos de encruzilhada, feitas de encomenda para as estradas de turismo REAL – vemos escrito – FORA TEMER FORA . Na roça caro amigo, dorme-se com as galinhas, mas é possível acordar-se bem cedo e de armas ( pincel e tinta) na mão.
Prezado Mauro. Quanto à Primavera Árabe e ao Tsunami Grego, temos a mesma opinião. Esses eventos foram um desastre. Oportunidades perdidas. A Primavera Árabe foi um golpe para substituir o ditador de plantão. Melhor dizendo… o faraó de plantão. O caso grego, foi uma tragédia…grega!!! Discursos inflamados. Mobilização popular nas ruas. No “frigir dos ovos”, os gregos foram forçados a adotar as “famigeradas” práticas econômicas liberais/neoliberais para saírem do abismo fiscal. Quanto ao Stedile: Não é uma liderança. A verdadeira liderança é aquela que agrega as pessoas em torno de um objetivo comum. No Brasil, espantar o agronegócio não é um bom negócio. O Brasil depende do agronegócio para sair da enrascada econômica em que se meteu desde a primeira crise do petróleo em 1973. Precisamos de um líder que saiba transmitir confiança a todos os setores produtivos da sociedade brasileira. A personalidade fascista do Stedile não nos interessa. É desagregadora. Ele mete medo em todo mundo. O Brasil tem solução. A solução é partir – imediatamente – para a aplicação das práticas econômicas liberais/neoliberais pós-capitalistas, reduzindo ao mínimo a intervenção do Estado nos meios de produção. O Estado foi criado para proteger o cidadão das ameaças externas. O Brasil tem que adotar o “rooseveltianismo” pela redução dos brasileiros “pão com mortadela” e do aumento dos brasileiros “coxinhas” para estimular o consumo interno (Este é o plano do André Singer!!!). Reduzir a paranoia ambientalista a um nível que não apresente obstáculo ao desenvolvimento. Atualmente, a vida de um fiscal do IBAMA vale menos do que a vida de um passarinho. Com tudo isso, devemos rezar e esperar que dê certo!!!
A outra política precisa ser a nossa política. Replicado no Blog Novo Exilio. Aproveitem e conheçam o texto q está conquistando o Brasil sobre o Golpe de 2016.
http://novoexilio.blogspot.com.br/2016/09/o-golpe-na-amendoeira-por-alexandre.html?m=1
Compartilhem.
Podemos não saber com exatidão que ações devemos tomar, o que precisa mudar de fato, muito menos sabemos quais lideranças irão despontar. Por estas razões, seria prudente começar pelo que não queremos e por aquilo que temos certeza, deveria acabar. Não queremos ditadura, nem autoritarismos, nem estado policial, nem nada que fira nossa frágil democracia. Sendo assim, o foco, ao menos de início deveria ser a própria democracia e seu aprofundamento. É de suma importância levarmos em conta os mecanismos de ruptura ao estado democrático e de direito deixados estrategicamente pelas forças políticas nacionais, tanto de esquerda, quanto as de direita, obviamente. A única forma de se concretizar o retrocesso planejado pelos golpistas é pela força bruta. Desgraçadamente, a PM está aí e vem com tudo. Tudo, mesmo!!! Estou falando da força institucional e paralela construída pelos governos estaduais fascistas, com a crescente promiscuidade entre Estado e crime. Ninguém ligou pra isto em nenhum momento. Eles continuaram transformando a periferia em terra de ninguém em todas as grandes cidades. O peso econômico e bélico da direita fascista só fez crescer com a prática do “Paz e Amor”. E o massacre sobre os mais pobres e excluídos nunca foi interrompido: a máquina da ditadura funcionou azeitada e a pleno vapor: torturas, desaparecimentos, chacinas, execuções, terror de Estado, perseguições…
Enfim, o povo da periferia sonha com uma mudança efetiva deste estado de coisas. O grito está entalado na garganta, graças a omissão dos representantes da esquerda tradicional, a ponto de todos acharem – com certa razão – que estão metidos neste angu de caroço. Agora, com a possibilidade de uma nova força política, a demanda está pronta e se estende também aos participantes da manifestações fora Temer. A água suja da repressão bateu na bunda de todos e isto é uma possibilidade clara de se engrossar a luta contra o novo regime que surge. A repressão policial virou prática do Estado de São Paulo e agora se tornará prática de Estado em nível federal com Alexandre de Morais.
A denúncia dos resquícios da ditadura e a defesa primeira da democracia devem portanto ser o carro chefe das novas reivindicações. É preciso organizar-se e criar uma inteligência capaz de trazer à tona a prática das polícias nas periferias. Aqui eles estão em matéria pura, não escondem nem o que são de fato. Não é difícil forjar material e a internet está aí pra exibir seus crimes. Vale lembrar, não é difícil expor a proximidade de agentes policiais com criminosos. Basta haver organização. O mundo tem de saber que São Paulo também é México.
É verdade, que coisa estranha. Será que a criatura vive e procria no palácio dos bandeirantes ou em outros ninhos? talvez na sede da opus dei…
Não concordo com o Roldão. O Boulos eu não conheço bem. Já Stedile me causa ótima impressão. É claro que o agronegócio ficaria furioso com uma possivel liderança de Stedile. Mas é preciso construir lideranças, porque movimentos de massa erráticos ninguem sabe onde vão desaguar. A primavera árabe infelizmente desabou em ditaduras ferozes. E o Syriza, na Grécia, resultou num Stipras, uma espécie de Lula conciliador, que entregou os pontos ao mercado financeiro. É dificil achar soluções. Mas os artigos de Antonio Martins são um excelente começo de reflexão. Vá em frente. É preciso superar o lulismo e marchar para uma esquerda pós-capitalista, ambientalista, sem a febre desenvolvimentista a qualquer preço.
Prezada Rita. Concordo que falta liderança e programa. Só não concordo com esses seus candidatos. O Boulos não é sério. Tem uma personalidade errática. O Stedile é fascista de carteirinha. A soberba do Stedile supera a de Mussolini.
Falta lideranca, falta um programa… Quem se viabilisa? Que tal Boulos ou Stedile pra presidente?
Olha um alckmista aqui, nunca tinha visto um destes de perto, agora só falta filhote de pombo.
Como sempre afirmou o governador Geraldo Alckmin, o melhor caminho para enfrentar a grave crise econômica que o país vive e o desemprego, gerados pelos erros na condução da política econômica do governo Dilma, são os investimentos em infraestrutura e logística, e em comércio exterior. Por isso encontros com governantes de outros países são muito importantes.